quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Virgínia Moura: "Uma força da Natureza"

Este trabalho, gentilmente cedido, foi apresentado pela Professora Cristina Afonso Silva numa acção de formação promovida pela APH em 2008


Virgínia Moura – “Uma Força da Natureza”

A Cor da Liberdade

Não hei-de morrer sem saber

qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser

desta terra em que nasci.

Embora o mundo pertença

e sempre a verdade vença,

qual será ser livre aqui,

não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,

É quase um crime viver.

Mas, embora escondam tudo

E me queiram cego e mudo,

não hei-de morrer sem saber

qual a cor da liberdade.

Jorge de Sena

A vida da Engenheira Virgínia Moura é um exemplo de dedicação à causa da Liberdade. A sua coerência, a sua confiança num futuro livre, a sua combatividade, o seu sorriso rasgado em horas difíceis tanto na resistência antifascista como na construção da Democracia fazem com que o exemplo da Eng.ª Virgínia Moura pertença ao património do Povo Português.

Na sua “biografia prisional” encontramos que a sua primeira prisão ocorreu em 17 de Dezembro de 1949 por ser membro da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (MND), movimento da oposição democrática surgido para prosseguir a luta pelas liberdades democráticas no seguimento da extinção do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e da Candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República. Foi presa dezasseis vezes, nove processadas e três condenadas.

O Movimento Nacional Democrático, a cuja direcção sempre pertenceu a Eng.ª Virgínia Moura, foi criado numa sessão realizada na “Voz do Operário” em 10 de Fevereiro de 1949 e que foi presidida pelo Professor Mário de Azevedo Gomes à ideia que alguns transmitem de que o Movimento foi criado secretamente. O Movimento Nacional Democrático foi, durante um certo tempo, a única força legal que combateu a ditadura fascista, dada a ruptura da unidade em torno do MUD e da Candidatura do General Norton de Matos.

O primeiro documento público do Movimento Nacional Democrático saiu nos primeiros dias de Maio de 1949 e aí encontramos referências à Assembleia de 10 de Fevereiro, onde nasceu o Movimento, e a defesa da sua existência no plano legal quando afirma:

«Ninguém pode pôr em dúvida a legalidade do movimento de oposição ao Governo, porque se encontra legitimado pelo mandato insofismável do povo Português manifestado nas jornadas históricas de 1945 e 1949 e se encontra igualmente dentro dos princípios da Constituição de 1933, que, reconhecendo o direito de voto, reconheceu implicitamente a existência possível de mais de uma orientação na vida política nacional.

A sua legalidade aliás teve que ser reconhecida pelo Governo que, mau grado a sua vontade, se viu forçado a conceder liberdades condicionadas nos últimos períodos eleitorais. E a legalidade da oposição não é facto que se possa reconhecer apenas periodicamente.

As Comissões de Lisboa, Braga, Vila Real e Porto, reunidas em assembleia, resolveram, de harmonia com a vontade expressa pelo Povo Português nas reuniões e comícios da última campanha eleitoral, e fundamentalmente de acordo com a moção aprovada na Voz do Operário continuar o movimento legal da Oposição até à conquista das liberdades democráticas» (…) «apelando para todos os democratas, no sentido de que se unam e organizem, lutando, com firmeza até à Vitória.

Pela C.D. de Lisboa: José Morgado; Nestor Fatia Vital.

Pela C.D. do Porto: Rui Luís Gomes; José Silva; Alberto Pereira Cardoso; António Maximiano Silva; Domingos Loureiro Dias; Fernando Ferreira Marinho; Hernâni Silva; Virgínia Moura.

Pela C.D. de Braga: Lino Lima; Custódio Silva; Alfredo Ângelo Magalhães; A. Cunha Coelho; Vítor Sá

Pela C.D. de Vila Real: José Alberto Rodrigues.»

O Movimento Nacional Democrático combateu a ditadura em condições bastante difíceis. À esperança criada pela derrota do nazi-fascismo em 1945, veio a desilusão da traição das democracias ocidentais e dos Estados Unidos da América. À ligeira abertura da ditadura, provocada pelos receios da derrota do nazi-fascismo, veio a intensificação da repressão, e vários dirigentes oposicionistas recuaram após a Candidatura do General Norton de Matos. A primeira Comissão Central do MND contou com personalidades como Ruy Luís Gomes, Maria Lamas, José Morgado, José Alberto Rodrigues, Albertino Macedo, Pinto Gonçalves, Areosa Feio e Virgínia Moura. Relativamente a estes dirigentes da Oposição Democrática destacamos as palavras de Dawn Linda Raby em “A Resistência Antifascista em Portugal 1941/74” (p. 43):

«Fossem quais fossem as calúnias que o regime (e veladamente outros oposicionistas) lançasse sobre eles, a sua postura como homens e mulheres de princípios democráticos e de mérito intelectual tornava-os merecedores do respeito de largas camadas da população

A atribuição do Prémio Nobel da Medicina ao Professor Egas Moniz levou o MND a promover-lhe uma homenagem. A Ditadura, dadas as convicções democráticas de Egas Moniz, ignorou esta importante distinção internacional. O MND tomava posição pública sobre vários acontecimentos, tentava comemorar datas importantes da República, denunciava violações dos direitos humanos e procurava participar, exigindo condições mínimas de democraticidade, em todos os actos eleitorais que o fascismo era obrigado a promover para ter a cobertura necessária dos governos da Europa ocidental e dos Estados Unidos da América.

A deportação do jovem estudante portuense Guilherme da Costa Carvalho para o Campo de Concentração do Tarrafal foi denunciada publicamente pelo Movimento Nacional Democrático.

«No dia 18 de Setembro levantou ferro de Leixões o vapor de carga «Quionga», levando a bordo com destino à Colónia Penal do Tarrafal, o cidadão portuense Guilherme da Costa Carvalho, jovem estudante (…)

O Movimento nacional Democrático, fiel ao seu postulado de defesa e de reconquista dos Direitos e Liberdades Fundamentais de todo o Povo Português, não podia deixar passar mais esta afrontosa violência do chamado Estado Novo, pelo que ela revela de crueldade, (…).

Ao protesto do M.N.D. contra mais esta deportação sabemos desde já qual a explicação capciosa de que vão usar os serventuários do Governo (…) vão dizer que Guilherme da Costa Carvalho era um perigoso e activo elemento comunista (…).

A nós, democratas, não interessa a qualidade política de Guilherme da Costa Carvalho, uma vez que o Movimento Nacional Democrático constitui uma força de Oposição Legal indecomponível em correntes partidárias. O que interessa neste caso é pôr em relevo a sua qualidade de cidadão, com direito a pensar livremente e a professar as ideias políticas que melhor se ajustassem à sua formação filosófica, à sua cultura, aos seus sentimentos (…).»

Esta postura de intransigente defesa da liberdade de pensamento acompanhou durante a toda a vida destes dirigentes do MND.

Ao lado da Eng.ª Virgínia Moura sempre esteve o seu companheiro de sempre, Arquitecto Lobão Vital, «em tudo que traduz Abril, ao menor esforço sinto o braço amigo do companheiro da minha vida e o revolucionário sempre confiante no nosso 25 de Abril – o camarada Lobão Vital.», como podemos ler em “Virgínia Moura – Mulher de Abril” (edições Avante). Conheceram-se estava Virgínia Moura no 6º ano, actual 10º ano, e começaram por se cruzarem junto ao Quartel-General «ele vinha da Rua do Paraíso e eu descia a Lapa. Quando me atrasava ele esperava junto ao quartel, quando ele tardava eu passava devagarinho, por ali.» Mais tarde um amigo comum apresentou-os. «Encontrei no António o companheiro certo, a quem me dediquei, inteiramente, toda a vida.» Casaram em Setembro de 1935, depois de Lobão Vital sair da cadeia, esteve preso quase três meses por ter arranjado trabalho para dois refugiados espanhóis, de 3 de Fevereiro a 27 de Abril. Quando estudante liceal, Lobão Vital fora expulso e proibido de estudar em qualquer escola, por ter publicado um jornal escolar, o Outro Ritmo. Só bem mais tarde consegue estudar em Belas Artes, formando-se em Arquitectura.

De sua mãe diz «a minha mãe foi a Mulher que serenamente nos acompanhou e esperou, sem duvidar, que o Mundo com que também sonhou na sua juventude, estava próximo.»

Virgínia de Faria Moura nasceu no dia 19 de Julho de 1915 em S. Martinho do Conde, Guimarães. Filha de Artur de Sousa Mascarenhas e de Rosa de Faria Moura, professora primária. De seu pai apenas recebeu a perfilhação. Sua mãe teve uma vida difícil, visto ter sido mãe solteira. «Valeu-lhe», segundo palavras da própria Virgínia, «o facto das pessoas da aldeia a aceitarem muitíssimo bem. Quando ela lá chegou ninguém sabia ler, nem miúdos nem graúdos. Catorze anos mais tarde, quase todos liam e escreviam. De dia, minha mãe ensinava as crianças e, à noite, os pais. Vivi ali uma infância feliz e alegre.

A Rosa de Faria Moura personifica as professoras primárias descritas por Maria Lamas em “As Mulheres do Meu País” (Ed. Caminho, p. 429),

«Eram ainda raras as mulheres empregadas e já havia grande número de professoras espalhadas pelo país (…).

O facto de estarem em contacto com o povo dá-lhes conhecimento directo das suas misérias, da sua ignorância e das suas lutas. Isto contribui para as tornar mais compreensivas e humanas. Por outro lado, a sua própria função dá-lhes prestígio entre a população das localidades onde se encontram, tornando-as respeitadas e queridas, principalmente quando se mostram afáveis e verdadeiramente interessadas no bom aproveitamento dos alunos.»

Quando casaram, Virgínia Moura com 20 anos e Lobão Vital com 24 anos passaram por muitas dificuldades. Ela estudava na Faculdade de Engenharia e ele, pela sua actividade política, não conseguia um emprego contínuo, apenas trabalho temporário. Só mais tarde conseguiu entrar em Belas Artes e licenciar-se em Arquitectura. Nunca abandonou a actividade política. A Senhora D. Rosa sempre esteve ao lado da sua filha; esteve solidária com a sua filha em cada uma das suas nove prisões, em cada um dos seus julgamentos, todos por questões políticas; em cada uma das suas prisões.

O Movimento Nacional Democrático foi o primeiro movimento da oposição democrática a associar a luta pela Paz como parte integrante da luta contra o Estado Novo, pelas liberdades democráticas e pela independência nacional. A propósito da primeira reunião da NATO em Lisboa, em 20 de Fevereiro de 1952, o MND em Janeiro um documento intitulado «Pacto de Paz e não Pacto do Atlântico». Neste documento, o Movimento Nacional Democrático denuncia, desde a aceitação de Portugal na NATO, o reforço da máquina repressiva do Estado Novo; denuncia a realização de eleições sem a garantia de condições mínimas para a sua democraticidade – recenseamento honesto, liberdade de propaganda, fiscalização do acto eleitoral; denuncia a prisão da Comissão Central do MND pela PIDE; denuncia o espancamento de dirigentes de MND na Avenida durante uma manifestação popular de apoio ao movimento; denuncia a morte nas cadeias do Estado Novo de presos políticos, Militão Ribeiro, José Moreira, Venceslau Ramos e Carlos Pato; denuncia a existência do Campo de Concentração do Tarrafal; denuncia a existência de tribunais para julgamento de presos políticos – Tribunais Plenários de Lisboa e Porto; denuncia a existência de legislação repressiva aos funcionários públicos que são demitidos por serem desafectos ao Estado Novo; denuncia a política económica do Estado Novo com a concentração de riqueza em certos grupos financeiros, os beneficiários do fascismo, e a pobreza para largas faixas da população; denuncia o desvio de verbas exorbitantes para o reforço militar, retirando-o ao desenvolvimento do País; denuncia o carácter agressivo da NATO. O documento termina, reivindicando:

«-Saída de Portugal do Pacto de Atlântico;

-Condenação da política armamentista (…);

-Elaboração de um Pacto de Paz entre as cinco potências;

Portugueses!

Viva a República

Viva a Independência Nacional

Viva a Paz!

Mais pão e menos canhões!

Janeiro de 1952

Pela Comissão Central

Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado, Albertino Macedo.»

Na sequência da divulgação deste manifesto os signatários são novamente presos. No Porto, o Professor Ruy Luís Gomes, a Engenheira Virgínia Moura e o Arquitecto Lobão Vital; em Lisboa, o Professor José Morgado e o Operário Albertino Macedo. O julgamento decorreu no Tribunal Plenário de Lisboa e em torno dele criou-se uma onda de solidariedade nacional e internacional, desde um abaixo-assinado com mais de duas mil assinaturas, o que nas condições de repressão e perseguição política e um número extraordinário, até uma carta de apoio de Frédéric Joliot-Curie, Prémio Nobel da Física, dirigida ao Professor Ruy Luís Gomes e uma carta que M.me Eugénie Cotton, Presidente da Federação Democrática Internacional das Mulheres e Professora-Investigadora do Centro Nacional de Investigação Científica de Paris, escreveu à Engenheira Virgínia Moura e da qual transcrevemos um pequeno excerto:

«A vossa luta no vosso país é a luta de todas nós no mundo inteiro; é a luta pelas liberdades contra a opressão, do espírito contra a força bruta, da paz contra a guerra, da vida contra a morte. (…)

Os seus corações batem com o vosso coração, porque elas sofrem ao saberem das provações que sofreis neste momento são as que Paul Éluard chamou «irmãos da esperança» e lhes disse:

-Vós jogais a vossa vida para que a vida triunfe!

Querida amiga: A vossa energia terá feliz resultado e todas as nossas energias em comum farão triunfar a Paz!

Confiança!»

O julgamento, perante o silêncio cúmplice dos governos dos países da NATO, devido ao clima de solidariedade acabou a condenação a três meses de prisão e em igual tempo de multa a dez escudos por dia, suspensão dos direitos políticos por cinco anos e em mil escudos de imposto de justiça, apesar das acusações não terem sido provadas. Como já tinham cumprido o tempo foram postos em liberdade. Durante o julgamento foi presa, por três meses, a jovem Maria da Luz Gomes da Costa por ter oferecido a Engenheira Virgínia Moura um ramo de flores.

Uns meses antes deu-se a vagatura da Presidência da República por morte do General Carmona, o Estado Novo, dada a conjuntura internacional, foi obrigado a marcar eleições e o Movimento Nacional Democrático apresenta como candidato o Professor Ruy Luís Gomes. O regime apresentou como candidato o General Craveiro Lopes, declaradamente fascista. Também se apresentou como candidato o Almirante Quintão Meireles, apoiado por certos sectores oposicionistas moderados, isto é, que no fundo admitiam algum entendimento com a ditadura.

A candidatura apoiada pelo Movimento Nacional Democrático não teve, nem podia ter tido, a cobertura nacional que teve a do General Norton de Matos mas foi mais progressista nas propostas que apresentou e registou um grande entusiasmo popular. Nesta candidatura, onde a Eng.ª Virgínia Moura e o seu marido, Arquitecto Lobão Vital, participaram activamente, ficou célebre o comício de Rio Tinto em 3 de Julho de 1951. Este comício foi interrompido abruptamente pelo representante do governo que, por lei assistia aos comícios, e à saída uma força da Polícia de Segurança Pública espancou o Candidato e os seus colaboradores, onde se encontrava a Eng.ª Virgínia Moura. Numa exposição de protesto, da qual apresentamos um pequeno extracto, enviada em 5 de Julho ao Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura e José Morgado denunciam a violenta agressão e o carácter antidemocrático e repressivo do Estado Novo.

«O CANDIDATO DO POVO FOI AGREDIDO PELA POLÍCIA!

Senhor Presidente do Conselho

Excelência:

À saída da primeira sessão de propaganda da Candidatura da Oposição realizada no Porto, o Candidato e as pessoas que o rodeavam foram barbaramente agredidos por uma força da PSP. Este atentado, pelas circunstâncias extraordinariamente graves de que se revestiu, revela claramente que são letra morta as garantias individuais consignadas na própria Constituição Política da República Portuguesa e até onde vai o derespeito pelos mais elementares direitos humanos.

(…)

Devido aos ferimentos graves e fortes contusões sofridas, foram tratar-se ao Hospital de Santo António as seguintes pessoas:

Ruy Luís Gomes – ferida contusa na região frontal; contusão no ombro direito, da região lombar direita e contusões na região occipital.

José Morgado – feridas contusas das regiões parietais esquerda e direita, da região occipital e contusão toráxica.

Virgínia Moura – contusões duplas no dorso e pernas. Fractura da falangeta do polegar direito.

Lobão Vital – contusão da região naceteriana. Contusões múltiplas no dorso e braços.

António A. Paula – contusões da face e ombro esquerdos e da região lombar.

Lino Lima – feridas contusas nas regiões frontal e occipital.

José P. Almeida – feridas contusas nas regiões e temporal direitas com suturas

Alberto P. Pinto – contusões diversas

Maria Júlia Guimarães – contusões diversas no dorso, quadril esquerdo e mão direita

José Borrego – contusões diversas no dorso e pernas

A. Ferreira da Costa – contusões na omoplata e espáduas esquerdas.

João Fernando Bichão – contusões diversas com possível fractura de uma costela.

José de Almeida Faria – fractura do calcâneo esquerdo.

Norberto B. de Sá – contusões da região parietal direita e terço inferior do braço esquerdo.

Manual C. R. da Costa – contusões do hemitorax esquerdo e da região supraciliar esquerda.

António C. V. Magalhães – contusões na parte posterior do hemitorax esquerdo.

(…)

Porto, 5 de Julho de 1951

Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado»

A última prisão de Virgínia Moura ocorreu em 28 de Abril de 1962 e foi detida sob a acusação de ter «actividades contra a segurança do Estado como “membro” da “JUNTA ACÇÃO PATRIÓTICA” JUNTA PATRIÓTICA” (Prº .Cr. 298/62- 1ª Divª).

As “Juntas Patrióticas” sucederam ao MND para a luta na legalidade que o fascismo necessitava manter. O MND foi extinto em 1956. Os principais dirigentes ainda estavam presos, depois do processo de Goa, Damão e Diu. Em 1954, o MND divulga um documento, assinado por RUY Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado e Albertino Macedo, onde defendem a autodeterminação dos povos africanos e negociações com a União Indiana para resolução pacífica do conflito em torno de Goa, Damão e Diu.

Foram presos em Agosto desse ano e, em Julho de 1957 o julgamento foi concluído. Foi um julgamento violentíssimo, no Tribunal Plenário do Porto. Foram acusados de traição à Pátria. A PIDE lamentava não pena de morte e pedia 50 anos de prisão para cada um dos réus mais medidas de segurança, que significa a prorrogação da prisão pela PIDE por sucessivos períodos de tempo sem realização de qualquer julgamento. Na prática podia significar prisão perpétua, o que legalmente, não existe. Nenhuma das acusações mais graves o tribunal conseguiu provar. Para salvar a face condenaram-nos por delitos políticos menores. O apoio popular persistente, em todas as sessões do julgamento, a seriedade e a firmeza das testemunhas de defesa, a combatividade dos advogados de defesa e a solidariedade internacional foram essenciais.

A Engenheira Virgínia Moura, em 20 de Julho, foi «condenada em 24 meses de prisão, 4.000$00 de Imposto de Justiça, suspensão dos direitos políticos por 5 anos e sujeita à medida de segurança de liberdade vigiada por 5 anos, nas condições seguintes: não acompanhar pessoas de má conduta política e não frequentar associações ou tomar parte em reuniões de mesma natureza (Prº. Cr. 101/54- S.Inv.)».

Os outros signatários mais o seu marido, que corrigiu uma palavra no documento, foi reconhecida a sua letra, também foi julgado e condenado, foram para a colónia penal de Santa Cruz do Bispo, juntamente com presos comuns e aí foram encarcerados na área dos loucos. Uns dias antes de entrarem, um preso matou outro, enquanto este dormia, porque ouviu a voz de Deus.

*

Quando Virgínia Moura e Lobão Vital se conheceram, ela tinha 16/17 anos e ele 21 e foram apresentados por um amigo comum, Eduardo Almeida. António Lobão Vital já tinha uma intensa actividade política, participando activamente nas lutas académicas e no Socorro Vermelho Internacional, uma organização de apoio aos presos políticos portugueses e espanhóis. Sobre o início do seu relacionamento com o António, afirma Virgínia Moura «Conversámos bastante e, pouco depois, eu percebi tratar-se da pessoa ideal para conviver. Passados apenas dois meses, o Liceu passou a ter para mim outra cor.» Pouco tempo depois o seu sentimento de justiça e o desejo de um País livre aproximou-a, através do António, do Partido Comunista Português. Desde aí, 1933, nunca mais se desligou do seu Partido. A PIDE e os Tribunais Plenários acusaram-na muitas vezes de ser comunista mas nunca conseguiram prová-lo. Se o tivessem conseguido uma pena de prisão de meses passava automaticamente a ser contada em anos. As suas primeiras tarefas foram distribuir propaganda, denunciando o que os jornais não noticiavam por acção da censura, e fazer pichagens.

Com a vitória franquista em Espanha, onde os fascistas espanhóis tiveram apoio directo da Alemanha, Itália e Portugal, enquanto que os republicanos foram abandonados pela “neutralidade” das democracias ocidentais. Nesse período o Partido Comunista sofreu um grande número de prisões, de modo que o Governo chegou a insinuar nos jornais o fim do Partido Comunista. Pouco dias depois, Virgínia Moura, Lobão Vital e outros companheiros seus fizeram bastantes pichagens e distribuíram tarjetas e comunicados, a mostrar que o Partido estava presente e «dispostos para a luta, como sempre.» Toda esta actividade política era realizada a par dos estudos na Faculdade de Engenharia do Porto. Nesta altura já estavam casados.

Virgínia Moura foi a primeira mulher portuguesa a obter o título de engenheira civil, em 1937, mas foi-lhe negado o acesso à Função Pública devido à sua intensa actividade antifascista. Frequentou o curso de Matemática e a Faculdade de Letras de Coimbra. Projectos que elaborava eram assinados por outros, porque senão não eram aprovados; o mesmo se passava com António Lobão Vital, entretanto arquitecto. A subsistência, sempre precária, provinha, além dos projectos, de explicações particulares, que as sucessivas prisões dificultavam. A par destas actividades, desenvolveu ainda uma intensa actividade cultural. Colaborou em jornais e revistas da cidade do Porto, sob o pseudónimo de Maria Selma, participou em conferências com Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas e Teixeira de Pascoaes.

Virgínia Moura foi distinguida com a Ordem da Liberdade e recebeu a Medalha de Honra da Câmara Municipal do Porto.

Virgínia Moura faleceu no dia 21 de Abril de 1998. No seu funeral estiveram presentes, para além de representantes de várias organizações do Partido Comunista, delegações da Juventude Comunista Portuguesa, do Partido Socialista, da Intervenção Democrática, do Movimento Democrático Português, do Partido Ecologista “Os Verdes”, da Política XXI, da União Democrática Popular, do Movimento Democrático de Mulheres, do Movimento Unitário de Reformados, Pensionistas e Idosos, da União dos Sindicatos do Porto. O Presidente da República fez-se representar pelo Governador Civil do Porto. Também muitos milhares de pessoas que encheram literalmente as ruas do Porto desde a Junta de Freguesia do Bonfim até ao cemitério do Prado do Repouso.

Bibliografia

- “Presos Políticos no regime fascista V, 1949 – 1951”, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presidência do Conselho Ministros, 1ª edição, Maio de 1987.

- “Resistência Antifascista em Portugal, 1941/74”, Dawn Linda Raby, Colecção “Tempos Modernos” nº 5, Edições Salamandra, 1988.

- “Memórias de um Operário”, 2º volume, José Silva, colecção “Temas Sociais” nº 2, distribuído pela Livraria Júlio Brandão, Porto, 1971

- “ “A Poesia está na Rua” – com Ruy Luís Gomes e Seus Companheiros”, Paulo Morgado (para publicação pela Editora Campo das Letras)

- “Virgínia Moura: Mulher de Abril – Álbum de Memórias”, Edições Avante, 1996.