sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Discurso de Apoio a Octávio Pato


Apoio à Candidatura de Octávio Pato (Discurso no Palácio de Cristal)

Amigos!

Companheiro!

Fomos um dos proponentes da candidatura, à Presidência da República, do nosso antigo colega na Universidade do Porto, General Costa Gomes.

Pelo aprumo e pela coragem com que tem exercido o alto cargo de Presidente da República, pelas enormes dificuldades que teve de enfrentar, pelas horas dramáticas vividas, pelo seu êxito em evitar confrontações violentas entre portugueses, pela capacidade política que revelou em conciliar o que devia ser conciliado e em repelir o que devia ser repelido, o General Costa Gomes bem merece o reconhecimento e estima dos democratas portugueses.

Por motivos que oportunamente explicou, o General Costa Gomes não aceitou candidatar-se à Presidência da República e, assim, para cada um dos seus proponentes, surgiu o problema de escolher em quem votar; problema tanto mais delicado quanto é certo que os quatro candidatos, todos cidadãos dignos do nosso respeito, se apresentaram perante o povo, preconizando linhas de acção que não podem ser consideradas contraditórias, proclamando propósitos ou programas que não podem ser considerados divergentes.

Esta foi a razão por que, juntamente com o professor Ruy Luís Gomes, dirigimos telegramas a três dos candidatos, aquando do seu comício no Porto. Nesses telegramas nós afirmávamos: é fundamental a convergência das candidaturas que defendem a Constituição da República, a Independência Nacional, a reforma agrária, as nacionalizações, o controle operário, a descolonização, a liquidação da base económica do fascismo – isto, para assegurar a formação de um governo de esquerda, com larga participação de socialistas e comunistas.

De facto, só um governo de esquerda, com larga participação de socialistas e comunistas, será capaz de mobilizar as massas populares, suscitar o seu apoio para consolidar as conquistas revolucionárias e prosseguir a revolução rumo ao socialismo.

Mas os programas e propósitos proclamados pelos candidatos, exactamente pelos vários pontos comuns que contêm, não podem, só por si, ajudar-nos a avaliar as repercussões que poderão resultar, para o nosso País, da eleição de um deles, em confronto com as que poderão resultar da eleição de um outro.

Assim, se quisermos avaliar tais repercussões, não podemos limitar-nos a recorrer aos programas e propósitos proclamados pelos candidatos. Na verdade, como nenhum dos candidatos pode contar somente consigo para realizar aquilo que se propõe, tendo por isso, que se valer das forças políticas que o apoiam, é exactamente para tais forças que devemos dirigir a nossa atenção, se queremos fazer ideia do que poderá suceder, se este ou aquele for eleito.

Quer dizer, é para tais forças políticas que temos de olhar a fim de decidirmos a quem vamos dar o nosso voto.

Encarando as quatro candidaturas apresentadas, à luz das forças políticas que as apoiam, nenhuma dúvida restará, Amigos, de que, sem desmerecer ninguém, a candidatura que, perante o Povo, com maior limpidez, com maior coerência, sem sombras de aventureirismo, é, em nosso entender, a candidatura do companheiro Octávio Pato.

A candidatura em que os propósitos essenciais não são formulados à pressa para esta conjuntura, antes são propósitos de toda uma vida de luta e dedicação à causa da libertação política, económica e social do Povo Português, é, em nosso entender a candidatura do companheiro Octávio Pato.

A candidatura que tem em conta, de maneira realista, os resultados da eleição para a Assembleia da República, eleição em que o Povo disse não à reacção, é, em nosso entender, a candidatura do companheiro Octávio Pato.

A candidatura que, pelas forças políticas que a apoiam, tem melhores condições para suscitar a convergência de esforço no sentido de defender a Constituição da República, a reforma agrária, as nacionalizações, o controlo operário, a descolonização, a liquidação das bases económicas do fascismo, é, em nosso entender, a candidatura do companheiro Octávio Pato.

A candidatura que, para a defesa das conquistas alcançadas pelo Povo desde o 25 de Abril e para novos passos rumo ao socialismo, luta consequentemente pela unidade da classe operária e por um governo de maioria de esquerda é, em nosso entender, a candidatura do companheiro Octávio Pato.

Na realidade, Amigos, nesta candidatura, em que participam antifascistas de diversas tendências, não há a promiscuidade eleitoralista dos que votaram a favor da Constituição e dos que votaram contra a Constituição.

Aqui não têm lugar os que disseram não à Constituição da República.

Nesta candidatura, em que participam homens e mulheres de vários níveis económico-sociais, não há o apadrinhamento de uniões xxxxxxxxx entre exploradores e explorados.

Aqui não há lugar para os exploradores.

Nesta candidatura, que reúne operários, camponeses, trabalhadores do mar, estudantes, intelectuais, pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais, nimguém pretende fazer passar, de contrabando, os grandes patrões por dignos elementos das classes trabalhadoras.

Aqui não há lugar para os mistificadores.

Nesta candidatura, além de se defenderem as conquistas da Revolução, pretende-se dar novos passos rumo ao socialismo e ninguém vai piscar o olho à grande burguesia, dizendo que o socialismo de que fala a nossa Constituição é apenas uma meta ideal, vaga, nebulosa e longínqua, a ser atingida somente quando os netos dos netos dos nossos netos tiverem barbas brancas.

Aqui não há lugar para vigarices.

Não é nesta candidatura que se recebem os indivíduos afectos aos Kaúlzas, Galvões e Pompílios que desistiram de se candidatar à Presidência da República ou não conseguiram candidatar-se.

Aqui não há lugar para os colonialistas.

Não é com esta candidatura que se divide o Conselho da Revolução ou os militares progressistas.

Aqui defende-se a aliança do Povo e Forças Armadas, inspirada nos princípios libertadores do 25 de Abril.

Não é nesta candidatura que se acolhem os xxxxxxxxxxxxxxxx e os mentirosos que se servem da liberdade de imprensa para atacar as liberdades democráticas, para atingir a honorabilidade de figuras destacadas da Revolução, para caluniar os camponeses que fizeram a reforma agrária.

Aqui não há lugar para caluniadores.

Não é nesta candidatura que se dá guarida a sabotadores da economia nacional, de regresso do estrangeiro, para onde, a certa altura, se safaram, a fim de não enfrentarem as consequências das conspirações contra a Revolução, em que andaram envolvidos.

Aqui não há lugar para contra-revolucionários.

Também não é nesta candidatura que irão votar os juízes dos Tribunais Plenários recém – integrados, a quem os seus aliados no aparelho de estado evitaram que, até agora, prestassem contas dos seus actos de colaboração com o fascismo.

Aqui não há lugar para os fascistas.

Por tudo isto, Amigos, é que estamos ao lado do companheiro Octávio Pato. É para esta candidatura que devem convergir todos os que acham necessário consolidar as conquistas da Revolução, todos os que defendem a formação de um governo de maioria de esquerda, governo que as eleições para a Assembleia da República tornaram não só viável, mas imprescindível para o avanço da Revolução.

Amigos socialistas de vários partidos e socialistas sem partido!

Não é naturalmente apoiando a candidatura que os partidos do patronato apoiam, que colaborais na construção do socialismo.

Não é votando em quem vão votar os eleitores afectos aos Kaulzas, Galvões e Pompílios, que ajudais a liquidar os restos fascistas, que ajudais a desmantelar as organizações terroristas.

Não é votando em quem (mesmo contra sua própria vontade) reúne à sua volta as forças reaccionárias, que defendeis as conquistas democráticas do Povo Português.

Amigos!

Penso que a formação do chamado “governo socialista homogéneo”, mau grado talvez as intenções de quem o concebeu, não abre caminho ao socialismo. Se abrisse, como se compreenderia que tal governo fosse aceite por aqueles que abertamente se proclamam anti-socialistas e por aqueles que o são de facto, mesmo que assim se não proclamem?

Por que motivo os partidos do patronato, os partidos da reacção se não opõem terminantemente ao chamado “governo socialista homogéneo”?

Será, Amigos socialistas, porque os reaccionários, os fascistas, os comprometidos com os monopólios e latifúndios, se transformassem, de repente, em ovelhas mansas?

Não, Amigos socialistas, essa gente só aceita o chamado “governo socialista homogéneo”, por que tal governo se lhes apresenta como a fórmula conveniente, como o truque, para afastar os comunistas da governação pública.

Historicamente, os promotores do chamado “governo socialista homogéneo”, quaisquer que sejam as suas intenções, serão responsáveis por mais uma tentativa de divisão da classe operária.

Só assim se pode compreender que os anti-socialistas aceitem tal governo, mesmo numa primeira fase. Eles próprios, os anti-socilistas, esclarecem que esse governo não será o único a existir durante todo o próximo mandato do Presidente da República; eles próprios ameaçam crises que provocarão a existência de vários outros governos e esses governos incluirão anti-socialistas.

Assim, o chamado “governo socialista homogéneo”, necessariamente minoritário e vivendo da “boa vontade” das forças reaccionárias, será um factor de desestabilização político-social, enquanto que o governo de esquerda por que lutamos, com larga participação de socialistas e comunistas, será um governo maioritário e, por isso mesmo, um factor de estabilidade rumo ao socialismo.

Na realidade só é possível um governo autenticamente socialista com a participação comunista.

Por isso, Amigos socialistas de vários partidos e socialistas sem partido, vinde connosco e votai em Octávio Pato.

Deixai de ser a tábua de salvação a que se agarram desesperadamente os náufragos da política de protecção aos monopólios e latifundiários, deixai de ser os paus de cabeleira dos adversários da descolonização, deixar de avalisar com a vossa presença a política dos direitistas de vários matizes!

Quebrai as amarras que ainda vos prendem aos partidos do grande capital e vinde connosco!

Vinde connosco também vós, Amigos que quereis prestar homenagem aos homens que fizeram o 25 de Abril.

A melhor homenagem que podeis prestar aos patriotas militares que fizeram o 25 de Abril é votar em quem, muitos anos antes do 25 de Abril, já dirigia lutas populares contra o fascismo e contra a guerra! É votar em quem, depois do 25 de Abril continua dirigindo lutas populares pela consolidação das conquistas revolucionárias rumo ao socialismo! É votar em Octávio Pato que, no passado, enfrentando a PIDE e os Tribunais e prisões fascistas, dentro das prisão ou fora dela, nas condições duras da clandestinidade, nunca desistiu de ocupar com honra o seu posto de combate na luta pela Democracia, pela Paz e pelo Socialismo! É votar em Octávio Pato que, hoje, como ontem, amanhã como hoje, continuará ao lado do Povo, lutando pela Democracia, pela Paz e pelo Socialismo! Por uma política de independência nacional e boas relações com todos os Povos!

Octávio Pato, destacado dirigente do PCP, não é candidato apenas do PCP, é antes o candidato que o PCP oferece às classes trabalhadoras, às massas populares para, neste momento histórico, consolidar e prosseguir o processo democrático em curso na nossa pátria, lutar pela unidade da classe operária, cimentar a aliança do Povo e das Forças Armadas assente nos princípios libertadores do 25 de Abril, aplicar de defender a Constituição da República, lutar pela formação de um governo de esquerda, com larga participação de socialistas e comunistas.

Octávio Pato, Amigos, é o candidato que o PCP ofereceu ao Povo para consolidar as conquistas revolucionárias e avançar rumo ao socialismo.

Por isso mesmo, obrigado, PCP

Viva a candidatura de Octávio Pato!

Viva a unidade da esquerda para a formação de um governo de esquerda!

Viva Portugal!

José Morgado

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Em Defesa da Democracia

Em Defesa da Democracia

Na presente campanha eleitoral para a Assembleia da República, há candidatos do PSD e do PS que tudo fazem para incutir nos eleitores a ideia de que as eleições se destinam a escolher o primeiro-ministro (que será o presidente do PSD ou o secretário geral do PS), para o que pedem insistentemente lhes dada maioria absoluta; declaram-se ainda convencidos, tanto os do PSD como os do PS, de que tal maioria será conseguída.

Ora o que está em causa nas eleições para a Assembleia da República não é a escolha do primeiro-ministro, que, como muito bem sabem todos os candidatos, não é escolhido pelo eleitorado. O que está em causa é algo diferente – é o fortalecimento da democracia ou o seu debilitamento: fortalecimento se os partidos da direita forem derrotados e se a composição da Assembleia da República conduzir à formação de um governo que mereça o apoio das forças democráticas, nomeadamente do partido socialista e das forças que participam na CDU; o debilitamento, se a direita não for derrotada ou se o governo a formar não tiver o apoio de, pelo menos, o partido socialista e o partido comunista, principais forças do campo democrático.

Para o fortalecimento da democracia, não bastaria que o partido socialista obtivesse a maioria absoluta. E se formasse um governo só com membros ou aderentes desse partido. Já houve governos do PS, do PS coligado com o CDS e do PS coligado com o PSD, e todos esses governos, pela sua actuação, foram governos de direita.

Dirigentes responsáveis do PS chegaram, há tempos, a preconizar a realização de um “pacto de regime” com o PSD, para constituírem artificialmente a chamada “alternância” no governo, isto é: agora governam vocês, depois governamos nós, em seguida voltam a governar vocês, e assim sucessivamente. Quer dizer, de futuro, na vida política portuguesa, tudo se iria passar como se houvesse somente dois partidos, o PS e o PSD. Os cidadãos portugueses que não apoiassem nem o PS nem o PSD seriam politicamente marginalizados.

Esta iniciativa de alguns dirigentes do PS é nitidamente redutora da democracia e é muito lamentável que o PS, partido considerado democrático, tivesse tomado tal iniciativa.

Esses dirigentes têm-se afirmado partidários da “bipolarização”, como se o pensamento político e a acção política pudessem reduzir-se à sentença “quem não é por nós e contra nós”, como se a política pudesse reduzir-se à relação “amigo – adversário”!

Ora, quem definiu a política como a relação “amigo – adversário” e, a partir daí, propagandeou o totalitarismo, foi um jurista alemão chamado Carl Schmitt, no livro “O Conceito do político” e publicado em 1932. Carl Schmitt encarregou-se de ressuscitar o pensamento político de reaccionários do século passado [XIX], especialmente do espanhol João Francisco D. Cortés, marquês de Valdegamas. Este espanhol começou a sua actividade política como um liberal avançado, mas, depois de 1848, fez uma reviravolta política completa. Em 1851, publicou um “Ensaio sobre o catolicismo, o liberalismo e o socialismo”, onde chegou ao ponto de denunciar a razão como inimiga da verdade!

O “Ensaio” foi traduzido para francês por Louis Veuillot e a tradução circulou por toda a Europa. Com os seus excessos retóricos, Donoso Cortés forneceu uma espécie de catecismo aos reaccionários da segunda metade do século XIX, enquanto Carl Schmitt, seu continuador, forneceu uma espécie de catecismo aos reaccionários da primeira metade do século XX.

Conforme pode ler-se no livro de Claude David, intitulado “Hitler e o Nazismo”, Carl Schmitt foi um teórico do Estado Corporativo, pronunciou-se contra o Estado pluralista e a favor do Estado totalitário, foi contra a multiplicidade de partidos, influenciou movimentos fascistas e foi consultor jurídico do próprio Hitler!

Na realidade, a bipolarização apregoada por alguns dirigentes socialistas é (embora possivelmente não o queiram) uma forma, por enquanto atenuada, de totalitarismo.

A bipolarização é, afinal, uma falsificação de uma das reivindicações fundamentais de todos os movimentos democráticos que combateram contra o fascismo salazarista e caetanista – a liberdade de formação e actuação dos partidos políticos. Falsificação, naturalmente involuntária, mas falsificação.

A bipolarização resulta numa afronta à memória dos portugueses que perderam a vida na luta contra o fascismo.

Não nos deixemos iludir pela propaganda da bipolarização, lamentavelmente praticada por alguns dirigentes socialistas.

A bipolarização abre caminho ao totalitarismo.

Amigos! Em defesa da democracia, no próximo dia 6 de Outubro, votemos na CDU!

José Morgado

O meu depoimento sobre o 25 de Abril

O Meu Depoimento Sobre o 25 de Abril

O 25 de Abril tem inimigos actuantes em vários sectores da vida nacional: uns talvez com o propósito, aparentemente limitado, de impedir a marcha para o socialismo e outros com o propósito, já nem sempre dissimulado, de restaurar a ditadura fascista.

Mas a acção, conspiratória ou não, dos inimigos do 25 de Abril não será vitoriosa porque o Povo não consentirá – é que o 25 de Abril restituiu ao povo português os direitos e liberdades fundamentais, trouxe ao convívio internacional novas nações de expressão portuguesa e, de acordo com o Artigo 1º da nossa Constituição, Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Precisamente por isso, os inimigos do 25 de Abril não desarmam, arremetem por todos os meios, legalistas e ilegais, contra a revolução; pretendem defender a sua sobrevivência como classe, porque, como classe, não têm lugar numa sociedade sem classes.

Ora nós não queremos regressar ao tempo em que a linguagem da nossa Constituição era considerada subversiva e em que, quem a usasse, corria sério risco de ser perseguido, preso, torturado, condenado nos tribunais fascistas, exilado, deportado e até assassinado. E porque não queremos regressar a esse tempo, estaremos vigilantes, não menosprezemos o perigo real das actividades fascistas, assim como também não esqueceremos a cumplicidade efectiva dos que, em face dessas actividades criminosas, em vez de as impedirem ou reprimirem, como é sua estrita obrigação legal, pretendem minimizá-las declarando que não existe o perigo fascista, põem em liberdade os pides e bombistas e ficam inactivos perante a proliferação da imprensa fascista.

As actividades fascistas já causaram e continuam causando graves perdas de vida e bens, criam obstáculos de toda a ordem à recuperação económica do País e à própria independência nacional; são actividades criminosas, como criminosos são os seus protectores e cúmplices e como tal deverão ser tratados pelo Povo e pelas autoridades.

O respeito pelas diferenças de opinião, a convivência e cooperação entre as diversas correntes democráticas, indispensáveis a uma vida democrática sã, não comportam qualquer complacência com as actividades criminosas do fascismo. Mais precisamente, o esmagamento do fascismo afigura-se absolutamente necessário para que se possa criar um clima de convivência, cooperação e confiança entre as diversas correntes democráticas, para a preservação das liberdades democráticas fundamentais e construção do socialismo.

A protecção aos pides e bombistas poderá entender-se, se admitirmos que haja ainda no aparelho de Estado quem queira constituir uma força de reserva, com homens treinados no crime, para tentar impedir a marcha do Povo para o socialismo. Prefiro, no entanto, admitir que tal protecção será antes devida à falta de consciência do perigo que esses criminosos representam, talvez porque um número exageradamente grande de cargos importantes do aparelho do Estado esteja sendo ocupado por cidadãos que nunca passaram pelas prisões da pide nem pelos tribunais fascistas.

Os pides, bombistas, escrevinhadores de jornais fascistas e seus eventuais protectores capitalistas no aparelho de Estado criam naturalmente grandes dificuldades à transformação da nossa sociedade numa sociedade sem classes, mas não conseguirão impedir tal transformação. Eles estão contra o sentido da evolução histórica.

Por isso, não adiantam as tentativas de reabilitação da teoria e prática fascistas, porque o Povo e os gloriosos Capitães de Abril derrubaram a ditadura fascista e o 25 de Abril é uma aquisição definitiva da nossa História.

Não adianta querer responsabilizar os trabalhadores pela crise económica, porque os trabalhadores têm cada vez mais consciência de que a crise económica é consequência do sistema capitalista de que se evitarão tais crises quando se acabar com o sistema capitalista.

Não adianta invocar o pretexto de aumento de produção para entregar empresas a patrões que as sabotaram, pois tal entrega, imoral e anti-constitucional, aumentará a crise económica, favorecerá a sabotagem e aumentará a exploração do homem pelo homem.

Não adianta tentar quebrar a unidade dos trabalhadores, porque os trabalhadores sabem que a sua vitória será consequência da sua unidade combativa e que a sua divisão só poderá favorecer os seus adversários de classe.

Não adianta espumar de raiva contra a reforma agrária e outras conquistas da Revolução, porque o Povo não tem medo de cara feia.

Não adianta invocar o pretexto da falta de técnicos qualificados, para se atribuírem cargos de responsabilidade a técnicos que serviram o fascismo, quando, por outro lado, se afastam técnicos altamente qualificados que sempre estiveram ao serviço da Revolução.

Não adianta tentar embalar o Povo com a cantiga de que os imperialistas europeus e americanos querem ajudar a construção do socialismo na nossa Pátria, porque toda gente sabe que os dirigentes imperialistas, embora cruéis, não são parvos.

Não adianta caluniar os gloriosos Capitães de Abril, arremeter contra a Revolução, atentar contra as forças democráticas, quando o Povo, numa autêntica explosão de alegria, em milhares e milhares de actos comemorativos nas ruas e praças de Portugal, neste Abril de 1977, vitoriou os Capitães de Abril, exaltou a Revolução libertadora e participou em festas de confraternização antifascista, ultrapassando as eventuais divisões partidárias.

E não adianta, porque, mesmo quando Portugal era todo ele um vasto campo de concentração, os antifascistas, civis e militares, souberam compreender as suas diferenças de opinião, souberam forjar a unidade necessária ao derrube da ditadura fascista, à conquista das liberdades democráticas, à descolonização e aos primeiros passos em direcção ao socialismo.

A construção do socialismo não é fácil, mas vale a pena.

Por isso, a luta continua e a vitória é certa!

VIVA A UNIDADE ANTIFASCISTA!

José Morgado

domingo, 13 de janeiro de 2008

Candidatura de Carlos Carvalhas à Presidência da República

Declaração de Apoio a Carlos Carvalhas

O Presidente da república jura cumprir e fazer cumprir a Constituição – não pode alegar uma mutilada “magistratura de influência” para se justificar da inacção perante os atropelos dos direitos dos trabalhadores e perante o agravamento das desigualdades sociais e das assimetrias regionais.

Vou votar em Carlos Carvalhas, que luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, numa República baseada na dignidade da pessoa humana.

José Morgado

Homenagem a Lobão Vital


Homenagem a Lobão Vital

Amigos e Companheiros.

Neste momento, em que se procede à transladação dos restos mortais do nosso querido amigo, Arquitecto Lobão Vital, queremos deixar aqui expresso o nosso agradecimento às famílias possuidoras dos dois jazigos que os acolheram durante alguns anos.

Queremos também saudar fraternalmente todos aqueles que tiveram a iniciativa de promover a sua transladação para jazigo próprio, construído exactamente com esse objectivo. Igualmente saudamos todos os que, directa ou indirectamente, contribuíram para possibilitar o êxito desta iniciativa, especialmente o Arquitecto Alcino Soutinho e o Escultor José Rodrigues.

O Arquitecto Lobão Vital, pela sua vida de luta contra o fascismo, pela seriedade com que sempre respeitou a sua opção (decidida ainda quando jovem) pelo Partido Comunista português, pelo seu espírito de sã camaradagem, pela firmeza do seu comportamento sempre que foi encarcerado pela polícia política do Estado Novo, pela alegria que sabia cultivar e transmitir mesmo nos momentos politicamente mais difíceis, pela lucidez de sua análise dos acontecimentos políticos ocorridos em Portugal e no Mundo, bem merecia que se realizasse aquilo que motivou a nossa reunião de agora, neste cemitério.

A primeira prisão sofrida pelo Arquitecto Lobão Vital aconteceu em 3 de Fevereiro de 1935, sob a acusação de fazer propaganda comunista. Como se sabe, durante a vigência do fascismo, tal acusação era quanto bastava para serem aplicados os maus tratos habitualmente infligidos aos presos políticos mais combativos.

A pretexto de averiguações por aquilo a que chamavam “crimes contra a segurança do Estado”, outras prisões sofreu o nosso Amigo, nomeadamente, em 4 de Outubro de 1951, em 21 de Fevereiro de 1952, em 26 de Dezembro de 1953, em 26 de Agosto de 1954, em 19 de Agosto de 1956 e em 28 de Abril de 1962.

*

O meu relacionamento com o Arquitecto Lobão Vital iniciou-se em 1949, nos dias que se seguiram à Campanha da Candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República.

Todos os que viveram esses dias certamente se recordam de que, em muitos documentos da Candidatura então publicados e nos vários comícios então realizados, sempre o General Norton de Matos assumiu, perante o Povo, o compromisso de só ir às urnas, se forem previamente satisfeitas as reivindicações mínimas de seriedade do acto eleitoral, a saber,

- Recenseamento honesto,

- Liberdade de propaganda

- Fiscalização do acto eleitoral

Também certamente se recordam de que nenhuma dessas reivindicações foi satisfeita pelo governo da ditadura; nem sequer foi admitida a presença, nas várias secções de voto, de delegados designados pelos serviços da Candidatura do General Norton de Matos, delegados que pudessem testemunhar como iria decorrer o acto eleitoral, marcado para o dia 13 de Fevereiro de 1949. É claro que, assim, por uma questão de coerência política, o que havia a fazer era, como o General tinha prometido, retirar a Candidatura e recomendar a abstenção.

Foi isso mesmo que se resolveu numa Assembleia de Delegados, de âmbito nacional, realizada oportunamente em Lisboa, no Centro Republicano António José de Almeida, presidida pelo próprio General Norton de Matos.

A resolução foi tomada pela maioria esmagadora dos delegados das Comissões Distritais da Candidatura, que ali foram transmitir as opiniões das Comissões existentes em cada um dos respectivos distritos. De acordo com essa maioria, se pronunciaram o delegado das Comissões de Trabalhadores, a delegada das Mulheres Democratas e o delegado do MUD Juvenil.

Para se apreciar quão grande foi essa maioria, basta recordar que, numa Assembleia das Comissões do distrito de Lisboa, realizada dias antes, das 43 Comissões de Freguesia da cidade de Lisboa, então existentes, houve 40 que se pronunciaram no sentido de se respeitar escrupulosamente o compromisso publicamente tomado pelo General Norton de Matos: retirar a Candidatura e recomendar a abstenção eleitoral. Apenas 3 Comissões de Freguesia da cidade de Lisboa se pronunciaram, sem entusiasmo, pela ida às urnas. De todas as Comissões Concelhias do Distrito de Lisboa, não houve uma que se pronunciasse pela ida às urnas!

O General Norton de Matos, como era de esperar, honrou o compromisso tomado perante o Povo, retirando a sua Candidatura e preconizando a abstenção eleitoral.

Ora, precisamente na última sessão de propaganda da Candidatura, realizada em 10 de Fevereiro, em Lisboa, na Voz do Operário, foi aprovada por aclamação uma Moção, e quem se defendia a continuação da luta, no campo legal, pelas liberdades fundamentais, numa base unitária, para além do acto eleitoral; defendia-se também a formação de um Movimento – o Movimento Nacional Democrático – para coordenar e dirigir essa luta.

*

A criação do Movimento Nacional Democrático não foi tarefa fácil, não só pela disposição do fascismo de reprimir toda e qualquer acção em prol das liberdades democráticas, mas ainda porque, logo após o acto eleitoral de 13 de Fevereiro, alguns dos elementos das Comissões de Candidatura que defendiam a ida às urnas, contrariamente ao compromisso tomado perante o Povo, não foram capazes de aceitar democraticamente a resolução da Assembleia de Delegados que preconizou a retirada da Candidatura e a abstenção eleitoral, passaram a propagandear que foi um erro a retirada da Candidatura, que era impossível a formação de um movimento democrático unitário, pois um tal movimento, a formar-se, seria imediatamente manobrado pelos comunistas e todo o movimento em que os comunistas tivessem alguma influência jamais seria tolerado pelo governo e só serviria para provocar oaumento da repressão.

Eles elementos não compreenderam (não puderam ou não quiseram compreender) que aquilo que estava em causa não era a criação de um movimento que fosse “tolerado” pelo governo, mas um movimento que lutasse, no terreno legal, pelas liberdades democráticas, sem dar tréguas à ditadura.

Não há dúvida de que as atitudes desses elementos motivaram, de facto, algumas dificuldades sérias à formação e actuação do Movimento Nacional Democrático. Mas também é verdade que o Movimento Nacional Democrático conseguiu organizar-se e lutar pela Democracia e pela Paz, desde a sua formação em 1949, até à sua extinção, em fins de 1956, numa altura em que, mais uma vez, estava presa a sua Comissão Central.

Para a formação do Movimento Nacional Democrático, teve uma importância fundamental a actuação das Comissões de Freguesia da cidade do Porto. De facto, em 8 de Março de 1949 menos de um mês após o acto eleitoral), os democratas mais combativos, que tinham participado nas Comissões de Candidatura da cidade do Porto, promoveram a realização de uma reunião das Comissões de Freguesia da mesma cidade, para se apreciar e estudar a situação política. Da troca de informações e da discussão então havida, concluíram que era indispensável manter o princípio da Unidade dos Democratas, como único meio eficaz para a conquista das liberdades fundamentais.

Das 15 Comissões de Freguesia existentes no Porto, 12 deliberaram aprovar uma Moção de Unidade e dar conhecimento dela a todo o País. Deliberaram ainda eleger uma Comissão Delegada para dar andamento às conclusões da reunião. Da Comissão Delegada fizeram parte José Silva, João Conde e o Eng.º António Santos Soares.

Em 17 de Março, foi a Comissão Delegada recebida, em Ponte de Lima, pelo General Norton de Matos, a quem foi entregue uma cópia da Moção de Unidade.

Como pode ler-se no 2º volume das “Memórias de um Operário”, de José Silva, o General Norton de Matos, entre outras coisas, afirmou (pág. 160):

«Sim, estou perfeitamente de acordo com a unidade na luta contra a ditadura do Estado Novo; por isso, vos aconselho a que façais chegar a vossa acção aos concelhos de todo o distrito do Porto, de modo a interessar nela o maior número de democratas.

Em seguida exclamou:

“Não se me desvaneceu ainda do espírito o grandioso espectáculo que presenciei no Porto, no inolvidável Comício da Fonte da Moura”».

De facto, por essa altura, foi dito que nesse Comício estiveram presentes mais de 100 000 pessoas que aplaudiram com o maior entusiasmo os oradores que intervieram. O entusiasmo foi tanto que, daí em diante, jamais foi permitido à oposição fazer comícios ao ar livre! …

E a entrevista com o General Norton de Matos terminou com o seguinte conselho à Comissão Delegada:

«Agora procurem os senhores da minha antiga Comissão Distrital do Porto e digam-lhes que estiveram comigo. E … se lhes perguntarem por mim, respondam: “O General está lá”».

A Comissão Delegada avistou-se com cada um dos antigos membros da Comissão Distrital da Candidatura (com alguns, mais de uma vez), a quem entregou uma cópia da Moção de Unidade e foi-lhes dando informações da disposição de luta das Comissões de Freguesia.

Em Lisboa, houve também muitas entrevistas com elementos que pertenceram à Comissão Distrital de Lisboa e à Comissão Central da Candidatura, com vista à manutenção e alargamento, se possível, da Unidade dos democratas.

Numa das várias diligências que foram feitas junto do Professor Mário de Azevedo Gomes, que tinha sido Presidente da Comissão Central do MUD e foi também, depois de extinto o MUD, Presidente da Comissão Central da Candidatura do General Norton de Matos, fizemos-lhe o convite para Presidente da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático e, mais ainda, dissemos-lhe que podia trazer para essa Comissão os democratas que entendesse. Pediu-nos uns dias para pensar e comunicou depois que não viria para o Movimento Nacional Democrático.

Na verdade, não foi por falta de diligências nossas que a Direcção do Movimento Nacional Democrático não foi mais ampla.

Entrevistas realizadas no Porto, em Lisboa, em Setúbal, em Santarém, em Aveiro, Évora, Beja, Faro e outras cidades e vilas do Norte, do Centro e do Sul do País – umas com êxito e outras não – conduziram à formação do Movimento Nacional Democrático, à eleição da sua Comissão Central, em Agosto de 1949, por uma Assembleia de Delegados, à intensificação de muitas grandes e pequenas lutas pela Democracia e pela Paz.

Em toda a sua existência, que durou mais de sete anos, sempre o Movimento Nacional Democrático crescer e pôr-se de acordo, tanto em acções a empreender na luta contra o fascismo, como nas reivindicações a fazer nas prisões, contra os carcereiros, como ainda na orientação a seguir nos vários julgamentos que os seus aderentes e dirigentes tiveram de enfrentar nos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto.

Cabe aqui recordar que, no primeiro julgamento da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, em meados de Abril de 1950, a Engenheira Virgínia Moura e a Escritora Maria Lamas receberam ramos de flores no banco dos réus da sala de audiências do Tribunal Plenário de Lisboa, que lhes foram oferecidas por aderentes do Movimento!

É claro que os “pides” que estavam presentes não gostaram nada disto … E também não gostaram, quando os acusados foram mandados em liberdade, em consequência de uma lei de amnistia que, mercê de uma vigorosa campanha apoiada pelo Movimento Nacional Democrático, havia sido recentemente publicada.

E, como não gostaram, quando à saída do Tribunal um democrata do Barreiro tirou fotografias à Comissão Central, Prenderam-no imediatamente, levaram-no para o Governo Civil de Lisboa e, em seguida, para a sede da Pide.

Mas, devido às acções imediatas dos democratas que se encontravam presentes e às diligências imediatas empreendidas pela Comissão Central junto ao Governo Civil de Lisboa e, depois, junto do Ministério do Interior, a Pide foi obrigada a libertar o fotógrafo na noite desse mesmo dia! Limitou-se a apreender o rolo fotográfico …

Mais uma vez a pide não gostou nada disto … assim como também não gostou da recepção calorosa que o Povo do Barreiro dispensou ao Professor Ruy Luís Gomes e à Engenheira Virgínia Moura, quando no dia seguinte, foram ao Barreiro visitar o fotógrafo. Mas, pouco depois, a Pide vingou-se, com a indignidade do costume … . Ora, dois dias depois destes acontecimentos, chegavam ao Porto, o Professor Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura, que vinha acompanhada de seu marido. Um grande número de democratas, quadros das Comissões de Freguesia, da Comissão Concelhia, da Comissão Distrital e muitas outras pessoas simpatizantes do Movimento Nacional Democrático, elementos das Comissões de Trabalhadores e do MUD Juvenil encheram a estação de S. Bento e vizinhanças e receberam os nossos Amigos com Vivas à Liberdade, à República e ao Movimento Nacional Democrático! Formou-se um cortejo que os acompanhou desde a Estação de S. Bento até à Praça da Liberdade e parte da Avenida dos Aliados.

A Polícia de Segurança Pública e a Pide foram dividindo e impedindo a marcha do cortejo e, na Avenida dos Aliados, intervieram em força, espancando barbaramente e insultando grosseiramente os democratas, incluindo o Professor Ruy Luís Gomes, a Engenheira Virgínia Moura e, sobretudo o Arquitecto Lobão Vital, de tal modo que tiveram de ir ao Hospital de Santo António receber curativos.

Permitam-me que, a este respeito, lhes transcreva uma passagem do precioso livro “Memórias de um Operário”, do nosso saudoso Amigo e Companheiro José Silva. Diz o seguinte:

«Quando o Arqt.º Lobão Vital, junto de sua mulher e do Dr. Ruy Luís Gomes, se viu derrubado pelo brutal ataque da Polícia, nem mesmo ao sentir-se encharcado do seu próprio sangue, que lhe escorria da cabeça para o rosto, e ainda sob as botifarras da “Segurança” a massacrar-lhe o corpo e os braços, largou das mãos um livro que é agora um troféu que, certamente, entrará um dia num Museu das Lutas Políticas em Portugal.

Esse volume que Lobão Vital defendeu com arreganho das botifarras da Polícia, era a edição inglesa de “OS DIREITOS DO HOMEM”, aprovado na ONU, e ficou todo empapado em sangue do seu portador!»

E José Silva termina esta referência dizendo:

«Esta relíquia é digna de ser bem guardada, para que fique a confirmar no futuro, a “brandura de costumes” em uso nos tempos do “regime paternal” de Salazar.»

Não foi esta a última vez que o nosso amigo Arquitecto Lobão Vital e seus companheiros foram insultados, espancados e feridos pelos polícias do regime fascista.

*

Compreende-se bem que o Movimento Nacional Democrático, que contava com dirigentes da têmpera, da lucidez, da compreensão humana e da dedicação do Professor Ruy Luís Gomes, da Engenheira Virgínia Moura e do Arquitecto Lobão Vital, , era necessariamente um Movimento combativo e atento aos problemas do nosso Povo e sentia a obrigação política e o dever moral de assumir posições claras ao lado do Povo contra os fascistas detentores do Poder.

Por isso mesmo, a Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes à Presidência da República, em 1951, por motivo da vacatura da Presidência da República, em consequência do falecimento do marechal Carmona, proclamou que a sua candidatura se situava no conjunto das reivindicações do Movimento Nacional Democrático, que convergiam para estes objectivos fundamentais:

Pela República e pela Liberdade;

Pelo Pão e pelo Trabalho;

Pela Independência Nacional e pela Paz.

E esta proclamação não era (nem podia ser!) uma espécie de eleitoralismo demagógico. Era uma síntese das reivindicações essenciais do Movimento Nacional Democrático e o fascismo assim o entendeu. De facto, a Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes, embora fosse a única cuja apresentação cumpriu os preceitos legais vigentes à data da vacatura da Presidência da República, acabou por ser submetida à apreciação do Conselho de Estado, ao abrigo de alterações introduzidas na legislação e publicadas à Pressa, já após iniciada a campanha eleitoral. E o Conselho de Estado, passando por cima destes atropelos à lei e à ética, rejeitou-a!

O Movimento Nacional Democrático pôde ainda fazer alguns comícios antes da rejeição da Candidatura, nomeadamente, em Amada, Santarém, Almeirim, Alpiarça, Entrocamento, Alcanena.

O comício promovido pela Organização do Porto, no Cine – Vitória de Rio Tinto, ficou na memória de todos (e foram muitos) os democratas que a ele assistiram e de todos os democratas (e foram também muitos), que, não podendo entrar, por a casa estar completamente cheia, se agruparam nas imediações.

Quando usava da palavra o terceiro ou quarto orador, o representante da Autoridade, interrompeu o comício e ordenou o encerramento da sessão.

O Cine – Vitória foi-se esvaziando e, cerca de meia hora depois, saíram os membros da Comissão Central presentes à sessão e alguns vinte ou trinta democratas que os acompanhavam.

À saída, enquanto alguns companheiros foram buscar os automóveis que tinham deixado nas proximidades e depois de os que ficaram nas escadarias do Cine – Vitória cantarem o Hino Nacional, a polícia, sob o comando do Major Santos Júnior, acolitado pelo Capitão Nazaré, agrediram violentamente os democratas que, na escadaria do Cine – Vitória, aguardavam os carros que os conduziriam ao Porto, incluindo o próprio Candidato Professor Ruy Luís Gomes, a Engenheira Virgínia Moura e o Arquitecto lobão Vital.

Nessa noite, também correu sangue de democratas!

Conforme relata José Silva no seu livro, devido aos ferimentos graves e fortes contusões sofridas, foram tratar-se ao Hospital de Santo António, Ruy Luís Gomes, José Morgado, Virgínia Moura, Lobão Vital, António A. Paula, Lino Lima, José P. Almeida, Alberto P. Pinto, Maria Júlia Guimarães, José Borrego, A. Ferreira da Costa, João Fernandes Bichão, José de Almeida Faria, Norberto B. de Sá, Manuel C. R. da Costa, António C. V. Magalhães. Outros, também agredidos com violência, não foram ao Hospital de Santo António; resolveram de outro modo o problema dos seus curativos.

Esta agressão selvagem, que viola as próprias leis fascistas, provocou naturalmente uma onda de protestos, que assumiram várias formas.

O saudoso poeta Luís Veiga Leitão, democrata que sempre esteve o ao lado do Movimento Nacional Democrático, afirmou a sua solidariedade com as vítimas da repressão, dando ao seu protesto esta forma poética:

A GRANDE NOITE

Noite de Rio Tinto. A noite foi aberta

Pelas vagas do povo. E as vagas levantaram

Sua voz carregada de esperança, liberta

Do mar que no peito lhe fecharam.

Noite de Rio Tinto. Quando a besta assomou,

Patas pisando o corpo do povo,

Mais a noite cresceu e mais funda ficou

Como raiz de um rebento Novo.

Noite de Rio Tinto. Enquanto o sangue empasta

A calúnia forja o seu ferro em brasa.

Mas o sangue do povo não se perde, alastra,

Como força de uma fonte rasa.

Noite de Rio Tinto. Noite do meu ser,

Onde me revigoro e comovo

E creio: numa noite irmã, há-de romper

A estrela da manhã do Povo.

*

Amigos e Companheiros!

A “estrela da manhã do povo”, de que, tão emocionado, falou o poeta VeigaLeitão, rompeu refulgente no 25 de Abril de 1974!

Não vamos permitir que essa estrela tão bela se extinga!

Se deixarmos que a democracia, tão duramente conquistada no 25 de Abril, se reduza àquilo que é conhecido pelo nome de “democracia política”, então nem a “democracia política” se aguentará. A história da nossa primeira República com o decorrer do tempo, foi-se deixando reduzir à chamada “democracia política” e, com isso, sem o querer, deu lugar a 48 anos de ditadura.

Por isso, defendemos uma democracia, não só política, mas também económica, social e cultural.

Em homenagem à memória do nosso Amigo e grande combatente, Arquitecto Lobão Vital, e de tantos outros Amigos e Companheiros que o tempo nos levou, lutemos unidos por uma democracia política, económica, social e cultural!

O último manifesto que o nosso amigo Lobão Vital assinou, juntamente com o Professor Ruy Luís Gomes, com a Engenheira Virgínia Moura, e comigo (e, nessa altura, Lobão Vital estava gravemente doente, internado no Hospital de S. Francisco, mas inteiramente lúcido!) dizia, entre outras coisas o seguinte:

«Os monopolistas e latifundiários, quer por meio de mão clandestina – o terrorismo organizado – quer por meio da mão legalista – os partidos da direita – pretendem acabar de vez com as liberdades democráticas, com a reforma agrária, com as nacionalizações, com o controlo operário, com a auto-afirmação de Portugal como país livre e independente.»

Este manifesto foi escrito em 1976 e todos estão lembrados do que foi a actividade terrorista em 1975 e 1976. E também todos estão lembrados do que tem sido o ataque da direita às conquistas do 25 de Abril.

E dizia mais o manifesto:

«… para defendermos as liberdades democráticas, para cimentarmos as conquistas revolucionárias, para garantirmos a independência nacional face às intromissões dos capitalistas estrangeiros, hoje, Amigos, precisamos de conseguir que, na próxima Assembleia da República, haja uma maioria de esquerda, precisamos garantir a formação de um governo revolucionário, de um governo que liquide o terrorismo organizado e não transija com os criminosos fascistas, de um governo que promova a união do Povo em torno da Revolução, abrindo caminho ao socialismo.

Amigos!

Nós não podemos nem devemos esperar que os capitalistas da Europa ou da América venham ajudar a construir o socialismo na nossa terra!

Os capitalistas da Europa e da América não são nem podem ser solidários com os portugueses que aspiram ao socialismo. Os capitalistas da Europa e da América foram, no passado, solidários com os fascistas de Salazar e de Caetano e são, no presente, solidários com o que deles resta.»

E o manifesto terminava, proclamando:

«Não podemos perder o nosso voto!

Vamos votar nas listas do PCP!»

Tratava-se, então, das eleições de 1976.

Amigos!

VIVA O 25 DE ABRIL!

25 DE ABRIL SEMPRE! FASCISMO NUNCA MAIS!

Porto, 16 de Abril de 1994

José Morgado

sábado, 5 de janeiro de 2008

Contra a Eleição de Freitas, Votemos em Soares!

Contra a Eleição de Freitas,

Votemos em Soares!

Os resultados da primeira volta da eleição presidencial conduziram à situação, não desejada, de o próximo Presidente da República ser necessariamente um dos dois candidatos, Freitas do Amaral ou Mário Soares.

É um facto que ambos os candidatos têm projectos políticos semelhantes e ambos têm tido uma prática política de direita. Mas é também um facto que há uma diferença importante entre as forças políticas e sociais que apoiam Freitas do Amaral e as forças políticas e sociais que, para derrotar Freitas do Amaral, apoiam Mário Soares.

Na verdade, em torno do candidato Freitas do Amaral, agrupa-se, neste momento, a direita mais empedernida e agressiva, agrupam-se os pides, os salazaristas e caetanistas que ainda existem, agrupam-se os restos fascistas que querem, a todo custo, fechar as portas que Abril abriu e que recorrem a todos os meios para tentar impor o regresso ao antigamente.

Por isso, é o candidato Freitas do Amaral quem constitui o maior perigo para o Portugal democrático, é o candidato Freitas do Amaral que os democratas precisam de derrotar em 16 de Fevereiro.

Ora, nas presentes circunstâncias, só há uma maneira de derrotar Freitas do Amaral – é votar em Mário Soares!

Assim, discordando frontalmente do projecto e prática política de Mário Soares, vamos, no entanto, votar em Mário Soares para derrotar Freitas do Amaral!

É isto que, no actual momento, a luta pela Democracia exige de todos nós!

Fevereiro, 1986

José Morgado

Abel Salazar Jamais Será Esquecido







































Abel Salazar Jamais Será Esquecido

Em 13 de Maio de 1935, o Governo do Estado Novo, publicou o famoso decreto – lei nº 25317, a fim de dar uma aparência de legitimidade às perseguições políticas que tinha planeado e estava planeando.

Assim os dois primeiros artigos desse decreto-lei diziam o seguinte:

«Art. 1º. Os funcionários públicos ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política, ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado, serão aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contrário.

Art. 2º. Os indivíduos que se encontrarem nas condições do artigo anterior não poderão ser nomeados ou contratados para quaisquer cargos públicos nem admitidos a concurso para provimento neles.

A este artigo acrescenta-se o seguinte parágrafo:

§ Único: Quando o provimento se fizer mediante concurso por provas públicas, estas não poderão começar sem que ao respectivo Ministro seja dado conhecimento da lista dos candidatos com a antecedência de dez dias.

E seguiam-se outras disposições em que se determinava que a demissão, reforma ou aposentação e a exclusão de concursos ou escolas é sempre da competência do Conselho de Ministros. Das decisões deste quase omnipotente Conselho de Ministros só haverá recurso para o próprio Conselho, o qual será interposto, no prazo de oito dias, por simples requerimento, que poderá ser instruído com quaisquer documentos.

É claro que, com este decreto-lei, o governo salazarista ficava de mãos livres para demitir quem quisesse e impedir a participação num concurso de provas públicas aos candidatos de quem não gostava.

No art. 1º invocavam-se os princípios fundamentais da Constituição Política, Constituição que foi aprovada por plebiscito realizado em 19 de Março de 1933, plebiscito esse em que as abstenções foram descaradamente contadas como votos de aprovação.

Como qualquer dos outros governos fascistas então existentes, podia o governo do Estado Novo, com base no referido decreto, perseguir a seu bel-prazer os trabalhadores da Ciência e da Cultura, nomeadamente os professores de qualquer grau de ensino que considerasse desafecto ao regime.

Assim, logo após a publicação desse decreto-lei, foram expulsos, entre outros, os professores universitários Abel Salazar, Aurélio Quintanilha, Manuel Rodrigues Lapa, Sílvio Lima e Norton de Matos (então professor do Instituto Superior Técnico) e os professores do ensino primário Jaime Carvalhão Duarte, Costa Amaral e Manuel da Silva.

O famoso decreto-lei facilitava a perseguição governamental à ciência e à cultura, o que era uma espécie de mandamento do fascismo.

Como pode ler-se no artigo de Jacques Solomon intitulado Pour le Libre Développement de la Science, incluído no livro Pour la Science, da autoria de Joë Metzger (p. 152),

«Não se conhecem bem todos os golpes que o fascismo no poder conseguiu aplicar à pesquisa livre, à ciência, a qual receia que venha a ser um meio de libertação do homem. Desde à chegada de Hitler ao poder, as fogueiras de livros, as perseguições aos cientistas marcaram o desprezo dos fascistas pela inteligência. Em 1936, 1654 professores e eruditos tinham sido expulsos da Universidade; a maior Universidade alemã, a de Berlim, perdia a terça parte do seu efectivo. Em dez prémios Nobel da Física, cinco tiveram de deixar o país; em cinco prémios Nobel de Fisiologia e Medicina, três foram demitidos.»

Na página 96 do livro intitulado Mussolini et le fascisme, de Paul Guichonnet (nº 1225, da Colecção “Que sais-je?”), pode ler-se:

«A imitação mais deplorável do nazismo foi, a partir de 1938, a instauração do racismo e anti-semitismo. Com o apoio de universitários complacentes, um “manifesto em defesa da raça” foi difundido em Julho, exaltando a pureza do tipo físico italiano, imutável desde há mil anos e que devia ser preservado da sujeira. Foi seguido da criação do “Conselho Superior para a Demografia e a Raça”. Em Agosto, o regime começou a perseguir os judeus.»

Entre os professores perseguidos pelo fascismo italiano, contam-se: o astrónomo Arturo Guedes Horn, da Universidade de Bolonha, e os seguintes matemáticos: Beppo Levi e Benjamino Segre, da Universidade de Bolonha; Giron Fano, Guido Fubini, e Alessandro Terracini, da Universidade de Turim; Arturo Maroni, da Universidade de Pavia; Federigo Henriques e Túlio Levi-Cevita, da Universidade de Roma e Guido Ascoli, da Universidade de Milão.

Túlio Levi-Cevita (1873 – 1941) foi um grande matemático e um grande professor; os matemáticos portugueses Aureliano de Mira Fernandes (1884 – 1958) e Ruy Luís Gomes (1905 – 1984) correspondiam-se com Levi-Cevita, e foi por seu intermédio que Mira Fernandes publicou 17 trabalhos de investigação na revista italiana Rendiconti della Academia, no período 1928 – 1938 e Ruy Luís Gomes publicou 12 trabalhos de investigação, nessa revista, no período 1930 – 1937.

*

Pelo que diz respeito a Portugal, muitas outras expulsões de docentes foram feitas e muitos foram impedidos de exercer funções docentes, por recusa de renovação de contratos ou por não aprovação de propostas de contrato apresentados pelos estabelecimentos de ensino.

Em 1946, foram expulsos, entre outros os professores catedráticos Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes e, em 1947, só de uma vez foram expulsos, além de 11 militares, 21 docentes do ensino universitário, 2 professores extraordinários e 8 assistentes. Ainda em 1947, por exemplo, o professor catedrático Ruy Luís Gomes e o assistente Laureano Barros, não incluídos nos 21. Nos anos seguintes, o Estado Novo continuou a sua perseguição aos trabalhadores da Ciência e da Cultura, ajudado não só pelo decreto-lei 25317, mas também por uma tradição que já vinha de mais de 200 anos que durou a Inquisição em Portugal, por outras ditaduras que o Povo Português sofreu e ainda pela propaganda do analfabetismo levada acabo por partidários do Estado Novo.

Por exemplo, a ditadura miguelista, em 1829 reduziu a 600 as 900 escolas primárias então existentes e, pouco depois, suprimiu mais 50.

Como Rómulo de Carvalho regista na sua História do Ensino em Portugal,

«Só uma lista datada de 1828 aponta 218 nomes de mestres e de professores, de primeiras letras e latim, que tinham sido afastados do serviço. Também os estudantes eram motivo de preocupações para o Estado. Em 1828 e 1829 foram mandados riscar da Universidade de Coimbra 457 estudantes.»

A ditadura de Costa Cabral reduziu o âmbito do ensino das escolas primárias. As escolas então existentes, continuariam a funcionar mas só como escolas do 1º grau. Quanto ao ensino secundário, essa ditadura suprimiu o ensino da Língua Francesa e da Língua Inglesa, da Física, da Química e da História Natural. Excepcionalmente, os liceus de Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Évora e ilhas Adjacentes podiam ensinar Francês e Inglês.

*

Entre os propagandistas do analfabetismo não se pode deixar de mencionar a escritora Virgínia de Castro e Almeida, que, em 1927, considerando que existiam nessa altura 75% de analfabetos,

«dizia, no jornal “O Século”, que “A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa, reside nesses 75% de analfabetos”. Em alusão aos rurais que aprenderam as primeiras letras, pergunta a escritora, e responde:

“Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas. Nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esqueceram as letras e voltam à enxada.»

Não pode também deixar de ser mencionado João Ameal, que proclamou (ver Educação Nacional transcreveu) o seguinte:

«Ensinar o povo português a ler e a escrever, para tomar conhecimento das doutrinas corrosivas de panfletários sem escrúpulos, ou de facécias mal cheirosas que no seu beco escuro vomita todos os dias qualquer garoto da vida airada ou das mentiras criminosas dos foliculários políticos – inadmissível (…) Um dos factores principais da criminalidade é a instrução (…)».

E vários outros propagandistas do analfabetismo podiam ser citados (ver O Ensino Primário 1911 – 1969, Contribuição Monográfica, vol. II, 2º Período: 1926-195, de Salvado Sampaio, Instituto Gulbenkian da Ciência, Centro de Investigação Pedagógica, Lisboa, 1976).

A propaganda de analfabetismo era oficialmente estimulada. Assim, numa entrevista a António Ferro, o ditador declarou:

Considero (…) mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler. É que os grandes problemas nacionais, têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.” (Ver Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, de Maria Filomena Mónica, 1978, p. 116). O ministro da Educação Carneiro Pacheco determinou o encerramento das Escolas Normais em 1936 (reabertas somente em 1942) e extinguiu as escolas oficiais infantis em 1937, tudo isto numa altura em que era muito elevada a percentagem de analfabetos em Portugal.

*

A perseguição movida pelo fascismo contra Abel Salazar não se limitou a expulsá-lo da Faculdade de Medicina do Porto; Abel Salazar foi também proibido de trabalhar no seu Laboratório e de frequentar a sua Biblioteca, talvez para sublinhar que não se tratava apenas de perseguir o professor, mas de perseguir também o cientista que, como histologista, era já muito conhecido além fronteiras.

O fascismo em Portugal, como noutros países, era inimigo da Ciência.

Como declarou em 1946 o professor de Biologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, José Serra,

«Abel Salazar era um dos maiores, porventura o maior Biologista geral que já tivemos e mantinha relações amistosas com grande parte dos cultores da biologia e da Medicina portuguesas e com elevado número de colegas estrangeiros.»

Tempos depois, em 1941, na Faculdade de Farmácia do Porto, é criado um “Centro de Estudos Microscópicos”, sob o patrocínio do Instituto para a Alta Cultura. Abel Salazar dirigiu eese Centro e nele elaborou ou orientou cerca de 50 trabalos, alguns dos quais vieram a ter notável repercussão no estrangeiro.

Em colaboração, desde 1942, com o Instituto Português de Oncologia, a convite de Francisco Gentil, Abel Salazar publicou vários trabalhos científicos no Arquivo de Patologia.

Henrique Almeida, médico (já falecido), que foi aluno de Abel Salazar na cadeira de Histologia, escreveu o seguinte no seu livro Memórias ao Léu (p. 182):

«Eu chamava-lhe o nosso Leonardo da Vinci. E fui seu admirador incondicional, porque Abel Salazar gastou grande parte do seu talento a humanizar a vida, retratando criticamente as condições miseráveis da vivência das mulheres que, nos armazéns ou nas ruas, trabalhavam subjugadas ao poder económico capitalista.»

Assim, analogamente ao que aconteceu com Ruy luís Gomes e outros, Abel Salazar não se deixou vencer pelas perseguições que sofreu.

Embora em condições difíceis, continuou a trabalhar em Ciência, em Filosofia, em Arte. A sua acção como cientista, como filósofo, como artista, como cidadão, jamais será esquecida.

José Morgado

Centro de Matemática

Universidade do Porto

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Vamos votar CDU

Vamos Votar na CDU!

A realização das eleições autárquicas, em 12 de Dezembro, é um sério motivo para se desencadear uma ampla campanha de esclarecimento popular, com especial relevância para os problemas locais.

É possível e desejável que estas eleições resultem numa apreciável diminuição da influência das forças políticas de direita no exercício do poder local; é possível e desejável que bastante mais autarquias venham a ser dirigidas por democratas, por homens e mulheres que defendam os interesses das populações, que sejam capazes de dizer NÃO! ao governo de direita que aí está, ao governo não democrático de Cavaco.

Uma vitória democrática nas eleições autárquicas contribuirá fortemente para que as próximas eleições legislativas retirem a maioria ao PSD, abrindo assim caminho para a formação de um governo democrático, um governo sem Cavaco e sem cavaquistas.

Portugal precisa de um governo que respeite os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores; os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, conforme determina a Constituição da República. Precisa de um governo que seja sensível a tudo que diga respeito à salvaguarda da independência nacional. Precisa de um governo que não encare como forças de bloqueio a Presidência da República, o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas. Portugal precisa de um governo que não pratique uma política que conduza a enriquecer ainda mais os que já são ricos e a empobrecer ainda mais os que já são pobres. Precisa de um governo que assuma honestamente as suas responsabilidades perante o Povo e tenha a seriedade de procurar corrigir os seus próprios erros, em vez de os atribuir a outros.

Ora, em nosso entender, o melhor caminho para se conseguir uma administração local democrática consiste em fortalecer a COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA – a CDU!

A CDU é constituída por democratas de diferentes partidos e de muitos outros que não pertencem a qualquer partido, democratas que têm uma rica experiência de trabalho de unidade, entre si e com as populações; têm a experiência de auscultar as aspirações e opiniões populares, conseguindo, após tal auscultação, formular uma linha de acção, que respeita o essencial dessas aspirações e opiniões.

As autarquias que têm sido dirigidas pela CDU distinguem-se pela eficácia da sua actuação em defesa das populações, pela sua lealdade à vontade popular, pela salvaguarda do património cultural, pela sua administração exemplarmente escrupulosa.

Por todos estes motivos, vamos votar na CDU!

VIVA A CDU!

Porto, 13/11/93

José Morgado

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A Propósito do Descerramento do Retrato do Professor Ruy Luís Gomes

A PROPÓSITO DO DESCERRAMENTO DO RETRATO DO ANTIGO REITOR DA UNIVERSIDADE DO PORTO, PROF. RUY LUÍS GOMES

Nesta sessão, em que se procede ao descerramento do retrato do antigo Reitor, Professor Ruy Luís Gomes, julgamos oportuno reflectir um pouco sobre o que foram a sua vida e a sua obra.

Publicou mais de 70 trabalhos de investigação e divulgação matemática e de proclamação insistente da necessidade nacional de apoiar e defender a investigação científica; mas não se limitou a elaborar e publicar artigos e livros sobre problemas da Teoria da Relatividade, Fundamentos Matemáticos da Mecânica Quântica, Teoria da Medida e Integração, domínios em que mais trabalhou.

Preocupou-se também em criar condições propícias ao trabalho científico de outros professores e investigadores, especialmente dos mais jovens.

Promoveu a realização de cursos não curriculares e conferências sobre temas actuais de Matemática e Física; por exemplo, em 1941 – 1942, promoveu:

- várias conferencias de António Monteiro sobre “Topologia”;

- conferência de Manual Valadares sobre “Os Novos Elementos da Família do Rádio”;

- curso de Manuel Gonçalves Miranda sobre “Cálculo Tensorial e algumas das suas aplicações”;

- conferências de Marques da Silva sobre “A Materialização da Energia” e sobre a “Fissão dos Núcleos”;

- conferências de Bento Caraça sobre a “Noção de Infinito em Matemática – Aspecto Filosófico e Aspecto Matemático

Numa nota publicada na Gazeta de Matemática, em Janeiro de 1942, o Professor Ruy Luís Gomes expõe os seus objectivos ao promover estes cursos e conferências:

«Por um lado, no plano científico, temos a intenção de facilitar aos estudiosos as técnicas e as vias de acesso aos problemas de maior actualidade Matemática e das suas Aplicações. Por outro lado, desejamos integrar os problemas da Matemática no movimento geral da Ciência, numa primeira tentativa de sistematização das íntimas relações que hoje existem entre os três domínios – o da Matemática, o da Física e o da Biologia. Finalmente, num plano ético, desejamos criar um ambiente de trabalho, um “clima” e um estímulo, como resultante da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva: a de que pertencemos a uma Universidade.

E termina, dizendo:

«E com uma originalidade mais ou menos marcada e um maior ou menor poder sistematização, conforme a maneira de ser de cada um de nós, todos podemos viver com igual intensidade esta afirmação colectiva de vontade, de tenacidade e de solidariedade.»

Esta doutrina consta também da carta que, em 11 de Outubro de 1941, Ruy Luís Gomes dirigiu ao Presidente do Instituto para a alta Cultura, solicitando a criação do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, o que veio a acontecer em Fevereiro de 1942.

Nessa carta, insiste na necessidade nacional de se criar o Centro, porque, diz ele,

«de outro modo, se perdem os nossos melhores valores e se compromete, gradual mas fatalmente, a nossa maior e mais legítima aspiração – a de elevar a Faculdade à categoria de verdadeira Escola.»

O Centro passou naturalmente a ser um lugar de convívio científico dos docentes Ruy Luís Gomes, Almeida Costa, Neves Real, Manuel Miranda, Manuel Barros, Pereira Gomes, entre outros, e dos estudantes mais interessados em Matemática e Física Teórica, orientado inicialmente por Guido Beck e, posteriormente, por Alexandre Proca.

Entretanto, Ruy Luís Gomes apoiou as iniciativas de António Monteiro visando o fortalecimento do movimento matemático português, tais como a criação de Clubes de Matemática, a criação das revistas “Portugaliae Mathematica” e “Gazeta de Matemática”. Os clubes tiveram uma existência efémera, mas a “Gazeta de Matemática” publicou-se durante mais de 35 anos e a “Portugaliae Mathematica”, actuante e actualizada, é, ainda hoje, a única revista portuguesa exclusivamente dedicada à publicação de originais de Matemática.

Colaborou na fundação da Sociedade Portuguesa de Matemática, que teve uma vida muito difícil durante a ditadura, chegando mesmo um ministro, dito da Educação, a expedir uma circular proibindo a realização de qualquer conferência promovida pela Sociedade Portuguesa de Matemática, em qualquer dependência do seu Ministério. Mas, hoje, a Sociedade Portuguesa de Matemática existe, publica o seu Boletim, promove a realização de cursos, conferências, Encontros Nacionais, Encontros Regionais, etc.

Colaborou na fundação da Tipografia Matemática, que, durante dezenas de anos, prestou serviços inestimáveis à publicação de revistas e livros científicos.

Colaborou com António Monteiro e Mira Fernandes na fundação da Junta de Investigação Matemática, com os seguintes objectivos:

1) Promover o desenvolvimento da investigação matemática;

2) Realizar os trabalhos de investigação necessários à economia da Nação e ao desenvolvimento das outras ciências;

3) Sistematizar e coordenar a inquirição dos matemáticos portugueses;

4) Vincular o movimento matemático português com o dos outros países e, em especial, com o dos países ibero-americanos;

5) Despertar na juventude estudiosa portuguesa o entusiasmo pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora.

O artigo, publicado na gazeta de Matemática em Dezembro de 1944, em que António Monteiro expôs os objectivos da Junta de Investigação Matemática, terminava pelas seguintes palavras:

«Quando os matemáticos portugueses, serem solicitados, sem serem forçados, mas animados do grande desejo de servir a nação, fundaram a Junta de Investigação Matemática, disseram ao país: para cumprir os nossos deveres, estamos presentes.»

No entanto, pouco tempo depois, alguns dos matemáticos cientificamente mais activos viam-se forçados a sair do País, porque aqui não tinham conseguido uma ocupação remunerada. António Monteiro, doutorado em França nem sequer como assistente entrou numa Universidade portuguesa e acabou por aceitar um convite para a Universidade do Rio de Janeiro. Por motivo análogo, Hugo Ribeiro viu-se forçado a ir trabalhar para os Estados Unidos. Pereira Gomes, doutorado nesta Universidade do Porto, não viu renovado o seu contrato e foi para França com uma bolsa francesa e, posteriormente, para Recife.

Em 1947, deu-se a grande ofensiva da ditadura contra as Universidades e muitos docentes foram expulsos (sobretudo, matemáticos, físicos e médicos) e vários recém-formados, com boa preparação matemática, não foram admitidos como assistentes.

Demitido do seu lugar de professor catedrático desta Universidade, perseguido pela PIDE, várias vezes preso, julgado e condenado pelos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto, o Professor Ruy Luís Gomes continuou a trabalhar em Matemática e intensificou o seu combate, em termos legais, contra a ditadura, pelas liberdades democráticas, pela elevação do nível de vida do povo português, pela independência nacional e pela paz.

Alargou inclusivamente o campo da sua actividade cultural. Assim, em colaboração com Neves Real, participou no Congresso Nacional de Filosofia, realizado em 1955, em Braga, apresentando uma comunicação intitulada: “De Poincaré ao Intuicionismo Actual na Crítica dos Fundamentos da Matemática; Reflexos no Pensamento Filosófico e Matemático Português”, onde se dá o devido relevo ao pensamento filosófico de Sampaio Bruno. Em 1956, publicou um opúsculo “A Revolução Republicana de 31 de Janeiro”, cujo valor, como trabalho de História, não tenho condições para avaliar e, por isso, recorro ao depoimento do historiador Joaquim Barradas de Carvalho, que escreveu o seguinte:

«… encontramos, no estudo sobre a Revolução Republicana de 31 de Janeiro mais duas facetas da sua riquíssima personalidade. A primeira, de todos bem conhecida, ligada ao cidadão português Ruy Luís Gomes; ao civismo impoluto, em quem os imperativos de ordem cívica e política obedecem sempre, e conjuntamente a imperativos de ordem científica e de ordem ética. A segunda faceta revelada pelo estudo citado revela-nos, de uma maneira que diríamos insólita, talvez o historiador de mais elevado nível que se tenha ocupado de problemas da vida portuguesa contemporânea. A análise estrutural e conjuntural do momento da Revolução de 31 de Janeiro revela-nos um historiador de vanguarda.»

Também o Professor Ruy Luís Gomes, à semelhança de tantos dos seus amigos e companheiros, em consequência das muitas perseguições sofridas, teve de sair da sua pátria, em Setembro de 1958, e aceitar o convite vindo da Universidade de Bahia Blanca (Argentina), onde já se encontrava, há anos, António Monteiro.

Em 1962, foi trabalhar para Recife, para a Universidade Federal de Pernambuco, onde se encontravam, há alguns anos, Zaluar Nunes, pereira Gomes e eu próprio.

Em Bahia Blanca em Recife, fez amigos e formou matemáticos.

Após a Revolução do 25 de Abril, pôde, enfim, regressar à Pátria, pôde rever a sua querida cidade do Porto e, na Praça Central da Cidade, foi aclamado Reitor da Universidade do Porto, 27 anos depois de ter sido compulsivamente e criminosamente afastado do ensino universitário pelo governos ditatoriais de Salazar e Caetano.

Pelos serviços prestados à Universidade, durante o seu Reitorado, foi-lhe atribuído, no dia do seu jubileu, o título de Reitor Honorário da Universidade do Porto.

Pelos serviços prestados à Universidade Federal de Pernambuco, foi-lhe atribuída uma medalha pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Pela sua luta pela Democracia, foi-lhe atribuído o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Soube ser Professor.

Soube ser Reitor.

Soube ser Cidadão.

Bem mereceu a homenagem que, neste momento, é prestada à sua memória.

Reitoria da Universidade do Porto, 6 de Junho de 1988.

José Morgado

Centro de Matemática

Faculdade de Ciências

Universidade do Porto