quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Homenagem ao Professor Ruy Luís Gomes

Almoço de Homenagem ao Professor Ruy Luís Gomes (Porto, 14 de Abril de 1984)

Um grupo de democratas resolveu comemorar o 10º aniversário da Revolução de Abril, publicando um documento em que se lançava a ideia de uma homenagem, de âmbito nacional, ao Prof. Ruy Luís Gomes. A grande receptividade que esta ideia encontrou, está amplamente demonstrada pelos muitos amigos que participam ou se fazem representar neste almoço e pelos muitos outros que quiseram subscrever o nosso documento ou, de alguma forma, se associaram à nossa iniciativa.

É claro que não estranhamos o apoio entusiástico recebido – nós contávamos com tal apoio. Sabíamos que era possível reunir muitos e muitos democratas, de diferentes opções políticas, para homenagear o grande resistente antifascista Prof. Ruy Luís Gomes e defensor das conquistas de Abril.

Sabíamos que, na homenagem ao Prof. Ruy Luís Gomes, se reuniriam, não apenas democratas de diferentes opções políticas, mas também das mais variadas profissões e sectores sociais.

É que, excluindo naturalmente aqueles que por motivo de classe, sempre estiveram e estão contra o ascenso das massas populares, em todas as profissões e sectores democráticos o Prof. Ruy Luís Gomes tem amigos e admiradores.

O psicólogo Henri Wallon disse uma vez, a propósito de Paul Langevin:

«É impossível separar, em Paul Langevin, o físico do filósofo, o filósofo do cidadão, o cidadão do educador.»

Creio que nenhum de nós tem dificuldade em aceitar que, mediante pequenas alterações (como, por exemplo, a substituição da palavra “físico” pela palavra “matemático”), a afirmação de Henri Wallon se ajusta perfeitamente à personalidade do Prof. Ruy Luís Gomes.

De facto, a vida do investigador e professor Ruy Luís Gomes está intimamente ligada à vida do cidadão e resistente antifascista Ruy Luís Gomes. Os vários aspectos por que possamos encarar a vida de Ruy Luís Gomes, não se opõem uns aos outros. Uns e outros são solidários, uns e outros constituem, afinal, a vida do Homem Ruy Luís Gomes.

Na sua luta pela ciência e pela renovação do ensino e, num plano mais geral, na sua luta pela cultura, o Prof. Ruy Luís Gomes encontrou pela frente, como opositor, o capitalismo monopolista, organizado sob a forma de estado fascista e colonialista; e encontrou, ao seu lado, como aliados, os combatentes democratas, os intelectuais antifascistas, os jovens progressistas e os trabalhadores com mais elevada consciência de classe.

Em face desta distribuição de forças, o Prof. Ruy Luís Gomes decidiu seguir o caminho que a sua dignidade lhe impôs – decidiu coerentemente e de uma vez para sempre, acompanhar os combatentes democratas, os intelectuais antifascistas, os jovens progressistas e os trabalhadores mais conscientes e, como não podia deixar de ser, decidiu dar combate ao ,

A opção que tomou, ditada pelo seu sentido de dignidade, não foi difícil; as repercussões para o movimento científico português de então e, em especial, para o movimento matemático português dos anos 40, as repercussões para a sua vida profissional e para a sua vida pessoal, essas, sim foram muito duras. A demissão do seu lugar de professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a pretexto da sua tomada de posição contra a prisão de uma estudante da mesma Faculdade, a interrupção brutal das actividades em curso para a formação, no Porto, de uma escola actualizada de Matemática, nos anos 40, as muitas prisões da PIDE, os vários julgamentos e condenações nos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto, injúrias e difamações, agressões físicas e um exílio de quase quinze anos, são algumas das repercussões que o Prof. Ruy Luís Gomes teve de suportar em consequência da sua opção contra o fascismo.

O mesmo entusiasmo e elevação com que fazia as suas lições de Física Matemática na Faculdade de Ciências do Porto, a mesma dedicação e alegria com que fundou o Centro de Estudos Matemáticos do Porto e colaborou na fundação do Observatório Astronómico do Porto, da Sociedade Portuguesa de Matemática, da Junta de Investigação Matemática e outras instituições científicas, esse mesmo entusiasmo e elevação, essa mesma dedicação e alegria caracterizavam a sua participação em todas as grandes lutas desencadeadas no nosso País pelas liberdades democráticas, pela melhoria das condições de vida do Povo Português, pela Independência Nacional e pela Paz entre os Povos.

Amigos!

Em 20 de Abril de 1949, em Paris, na sala Pleyel, um grande cientista que o Prof. Ruy Luís Gomes muito admirou, Frédéric Joliot-Curie, perante mais de 2000 delegados, provenientes de 72 países e representando um bilião de pessoas, declarou aberto o 1º Congresso Mundial dos Partidários da Paz.

Uma ovação entusiasta acolheu as suas palavras que marcaram a orientação de luta dos Partidários da Paz:

«Nós não nos reunimos para pedir, mas, sim, para impor a paz aos partidários da guerra.»

Joliot-Curie explicou, nesse Congresso, como, no seu combate pela ciência, na sua luta contra a utilização abusiva das descobertas científicas pelos fautores da guerra, foi conduzido à luta pela Paz. Consciente de que as implicações sociais das descobertas científicas reforçam as responsabilidades dos trabalhadores científicos, Joliot-Curie afirmou:

«Os cientistas, colocados em face das suas responsabilidades, não podem ser cúmplices daqueles que uma má organização social deixa explorar os resultados dos seus trabalhos para fins egoístas e malfazejos.

Os sábios não podem constituir-se em uma pequena elite afastada das contingências práticas; como membros, que são, da grande comunidade dos trabalhadores, eles têm de se preocupar com o uso que será feito das suas descobertas. Eles querem que a ciência seja colocada e fique ao serviço do Povo.»

O nosso homenageado de hoje é precisamente um cientista que não ficou passivo e também quer que a ciência seja colocada e fique ao serviço do Povo. Por isso, se levantou contra a organização social que utiliza os resultados dos trabalhos científicos para fins egoístas e malfazejos. Por isso se levantou e se declara contra o capitalismo monopolista.

Esta atitude granjeou-lhe naturalmente o ódio dos fascistas e aliados, mas granjeou-lhe também a admiração e amizade dos patriotas portugueses e dos Partidários da paz de todo o Mundo.

Assim, quando em 1952, esteve preso por tomar posição pública, juntamente com a Engenheira Virgínia Moura, o Operário Albertino Macedo e eu próprio, a favor de um Pacto de Paz e contra o Pacto do Atlântico, foi divulgada uma carta do Presidente do Conselho Mundial da Paz, Joliot-Curie, que dizia o seguinte:

«Paris, 9 de Junho de 1952.

Foi com grande emoção que tomei conhecimento das provações cruéis de que está sendo vítima o meu colega Ruy Luís Gomes, Professor de Matemática da Universidade do Porto – actualmente preso por causa da sua corajosa intervenção a favor da Paz.

O Prof. Ruy Luís Gomes, como cidadão de um país de grande cultura, defende com coragem uma política sincera de Paz, de colaboração pacífica entre os Povos do Mundo. É nessa mesma acção que nós prosseguimos, nos nossos respectivos países, para salvar a Humanidade de uma terceira guerra mundial.

Não se pode duvidar da sinceridade, do valor humano, do pensamento e dos actos de um homem como Ruy Luís Gomes.

É por isso que junto a minha voz à voz de todos os homens desejosos de paz, para reclamar, em nome dos mais altos princípios da Humanidade, que o Professor Ruy Luís Gomes possa livremente, consagrar-se às suas actividades inseparáveis de sábio e de cidadão.

Frédéric Joliot-Curie»

O Professor Ruy Luís Gomes sabe que, na sociedade do futuro, a ciência ocupará um lugar especial. Os conhecimentos científicos elevam a capacidade criadora e elevam a qualificação dos trabalhadores. Por isso, os conhecimentos científicos de alto nível serão necessários a todos os trabalhadores, qualquer que seja o ramo da sua actividade.

Com a conquista da Paz e do socialismo, a técnica será posta ao serviço do homem e não ao serviço da exploração do homem pelo homem; as actividades científicas aproveitarão a toda a Humanidade e não aos blocos político – militares.

Com a técnica ao serviço do homem, as funções não criativas tenderão a ser mecanizadas e automatizadas, sem que isso provoque o desemprego e a fome. Para o homem, liberto da maior parte das actividades não criativas, serão reservadas as actividades de natureza essencialmente criativa e a realização de tais actividades seguirá naturalmente o domínio das conquistas científicas e culturais alcançadas pela Humanidade, as conquistas científicas e culturais que são património de toda a humanidade.

Assim, o desenvolvimento consequente das actividades científicas, a utilização da técnica em benefício do homem, a conquista da sociedade do futuro são, em nossa opinião, inseparáveis da luta pela paz e pelo socialismo.

Por isso, a luta consequente do Prof. Ruy Luís Gomes pelo fortalecimento da cultura matemática em Portugal, pelo incremento da actividade científica no nosso País e a consciência das implicações sociais do desenvolvimento científico conduziram-no naturalmente à participação, ao lado do Povo, na luta pela Paz e pelo socialismo.

Amigos!

É um facto que atravessamos um período de grandes preocupações, quer no plano interno, quer no plano externo.

No plano interno, em consequência da opção capitalista ou neo-capitalista dos que actualmente detêm o poder, vemos deteriorar-se as condições de vida do Povo Português, chegando a estar ameaçado o próprio nível mínimo de subsistência de muitos e muitos milhares de trabalhadores portugueses e correm perigo as liberdades democráticas tão duramente alcançadas com a Revolução dos Cravos.

No plano externo, em consequência da falta de perspectivas do imperialismo e do seu esforço desesperado para tentar sobreviver, vemos o imperialismo lançar-se em provocações directas contra a emancipação dos povos, provocações que constituem sérias ameaças à Paz mundial.

Mas, apesar destes perigos reais para o socialismo e para a Paz, nós, Portugueses, temos motivos muito especiais para não desanimar, temos motivos muito especiais para estar confiantes.

De facto, nós constituímos um povo que sofreu meio século de fascismo e, no entanto, fez Abril!

Constituímos um povo que sofreu as consequências de longas guerras coloniais em África e, no entanto, construímos laços de amizade indestrutível com os Povos Africanos!

Constituímos um povo que, nas prisões fascistas, nos campos de concentração e no exílio, sempre soube cantar e comunicar a esperança, sempre soube cantar e lutar pela liberdade!

Sabemos que capitalismo monopolista não tem futuro em Portugal e que o imperialismo não pode sobreviver à solidariedade entre os povos.

Parafraseando Sampaio Bruno, podemos dizer:

«Contra a ideia do socialismo em Portugal, nada pode coisa nenhuma; nada a diminui, nada a destrói, nem sequer os nossos próprios erros, porquanto ela é a condição histórica e actual imprescindível da nossa nacionalidade.»

Assim, apesar de todos os acidentes de percurso, as conquistas essenciais do 25 de Abril são irreversíveis, quer queiram quer não uns tantos remanescentes do passado fascista e uns tantos pescadores de águas turvas que se aliaram aos inimigos internos e aos inimigos externos do 25 de Abril!

25 DE ABRIL SEMPRE!

FASCSMO NUNCA MAIS!

VIVA O 25 DE ABRIL!

José Morgado