quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Homenagem a Óscar Lopes

Homenagem a Óscar Lopes

Amigos

Recebi do Conselho Português para a Paz e Cooperação a incumbência de o representar nesta homenagem nacional a um dos seus membros, o Professor Óscar Lopes.

É com grande prazer que aqui estou para saudar Óscar Lopes, Amigo de há muitos anos.

Saúdo o defensor da Paz e Cooperação entre os Povos, pela sua firmeza e pela sua coerência; saúdo o universitário pela sua seriedade e elevação do seu trabalho de investigador e pela sua actividade e eficácia do seu ensino; saúdo o companheiro que, uma vez, há mais de trinta anos, encontrei, preso com eu, na sede da PIDE, na Rua do Heroísmo.

Imagino que o Professor Óscar Lopes, lá num recanto da sua intimidade, talvez sinta uma certa tristeza, em consequência do término da sua vida profissional de professor, pela possível diminuição, daí resultante, da sua convivência com a Juventude – tristeza que talvez coexista com a alegria de ver, neste momento, tantos amigos reunidos à sua volta.

Mas estou certo de que o cidadão Óscar Lopes não verá diminuída a sua convivência com a Juventude, porque o cidadão Óscar Lopes, a Juventude e todos nós temos interesses fundamentais comuns a defender.

Com efeito, todos nós estamos profundamente interessados em dizer “Não às armas nucleares”. Todos nós estamos apostados em conseguir que, na nossa Terra, não sejam armazenadas armas nucleares. E nas acções a favor da Paz, em que o cidadão Óscar Lopes vai participar, encontrará ao seu lado (estou convencido disso) muitos e muitos jovens.

Amigos!

Pela nossa acção unida, conseguiremos que Portugal não seja reduzido à condição de fábrica nem de armazém de armas de destruição em massa.

Temos o direito e o dever de reclamar que os órgãos de soberania declarem, sem ambiguidades, que tudo farão pela desnuclearização do nosso país, que os aviões F-16 e quaisquer outros que sejam portadores de armas nucleares não virão para Portugal, nem por cá por cá passarão!

Nós temos o direito à Paz e vamos ganhar a Paz!

José Morgado (21/11/1987)

Carta ao Coordenador da publicação "História de Portugal em Datas"

Carta ao Dr. António Simões Rodrigues,

Coordenador da publicação

“História de Portugal em Datas”,

Do Círculo de Leitores.

Permita-me V. Ex. ª que chame a sua atenção para uma inexactidão contida na página 353 do livro “História de Portugal em Datas”. Afirma-se nessa página que, em 19 de Agosto de 1954,

«Vários dirigentes do MND, entre os quais se encontrava Rui Luís Gomes, são detidos pela PIDE, julgados no Tribunal Plenário do Porto e condenados por “traição à Pátria”.

O seu “crime” foi o de terem defendido publicamente a necessidade de o governo português estabelecer negociações com a União Indiana a propósito dos territórios coloniais que Portugal mantinha no subcontinente indiano.

Dos cinco dirigentes do MND que então foram presos pela Pide e cerca de dez meses depois, julgados, e condenados pelo Tribunal Plenário do Porto, apenas dois estão ainda vivos: a Engenheira Virgínia Moura e o signatário desta carta.

É verdade que fomos acusados de “traição à Pátria” e de vários outros crimes, a pretexto de um documento assinado pelos membros da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, Professor Ruy Luís Gomes, Engenheira Virgínia Moura, José Morgado e Operário Albertino Macedo, e enviado aos jornais com o pedido de publicação. Nesse documento, manifestávamos a nossa total discordância da política colonial do governo de Salazar, defendíamos as liberdades democráticas e a autodeterminação dos povos e preconizávamos que o diferendo surgido com a União Indiana fosse resolvido por negociações.

Os jornais, então sujeitos à Censura imposta pelo governo da ditadura, não publicaram o nosso documento e nós fomos encarcerado pela Pide e acusados de vários “crimes”, incluindo o de “traição à Pátria”.

No relatório que enviou a Tribunal, a Pide lamentava que já não houvesse pena de morte em Portugal, porque, se ainda houvesse ela deveria ser-nos aplicada.

O representante do Ministério Público de então não podia, evidentemente, pedir, para nós a pena de morte, mas parece ter feito o que lhe era possível para que nos fosse aplicada uma pena que os partidários da ditadura salazarista pudessem considerar “exemplar”: pronunciou-se por uma pena de cerca de 50 anos de prisão, seguidos ainda de medidas de segurança com internamento por períodos de um a três anos. Por outras palavras, pronunciou-se, na prática, por uma prisão perpétua, inclusivamente para os nossos próprios cadáveres pois parece que ele os considerava perigosos para a sobrevivência da ditadura! …

Mas a onda de protestos populares que a nossa prisão provocou por todo o País, onda de protestos que nem a Pide, nem a Legião, nem todas as forças repressivas juntas conseguiram impedir, acrescida da prova testemunhal produzida em Tribunal por democratas de todas as correntes políticas então existentes – o que constituiu um magnífico exemplo de Unidade de acção Contra o Fascismo – não permitiu que o Tribunal mantivesse a infame acusação de “traição à Pátria”, nem as outras acusações a que correspondesse pena de prisão maior.

documento foram condenados em 24 meses de prisão correccional; o arquitecto Lobão Vital, que fazia parte do MND, mas não era signatário do documento, foi condenado em 10 meses de prisão correccional.

Várias vezes presos e julgados, nunca fomos condenados por traição à Pátria.

Assim, certamente por lapso, a afirmação contida na página 353 da “História de Portugal em Datas”, atrás transcrita, é muito incorrecta e injusta e, naturalmente, V. Ex.ª a procurará corrigir, na oportunidade de uma nova edição, se não puder fazê-lo antes.

E talvez, V. Ex.ª possa incluir outras correcções menores, como, por exemplo, as seguintes:

- Na página 348, verbete [Abril], onde está MDN, devia estar MND (Movimento Nacional Democrático, que foi fundado não em Abril, mas logo após o acto eleitoral de Fevereiro de 1949, na sequência de uma moção lida e aprovada por aclamação, na última sessão de propaganda da Candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, realizada em Lisboa, na Voz do Operário, em 16 de Fevereiro de 1949).

-Na página 349, verbete [Junho], onde está MDN, devia estar MND

-Na página 350, verbete [3 de Julho], em que se afirma que,

«No fim de uma sessão eleitoral realizada em Rio Tinto, Rui Luís Gomes e outros elementos da sua candidatura são agredidos “por apoiantes do Estado Novo” (agentes da Pide e membros da LP)»,

Devia ter sido escrito que, após a interrupção intempestiva da sessão eleitoral da Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes à Presidência da República, pelo representante do Governador Civil do Porto, sessão que decorria com grande entusiasmo e civismo, no Cinema de Rio Tinto, já depois terem saído quase todas os que assistiram à sessão, quando o Candidato e alguns dos seus colaboradores aguardavam junto ao cinema os carros que os deviam conduzir ao Porto, uma força da Polícia de Segurança Pública, comandada pelo Capitão Nazaré investiu contra o Candidato e seus companheiros, agredindo-os à cacetada, pisando-os raivosamente depois de derrubados na escadaria do cinema e insultando-os grosseiramente.

Vários feridos, entre os quais Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Lobão Vital e José Morgado, tiveram de ser conduzidos, por companheiros de luta, ao Hospital de Santo António, onde foram tratados com todo o carinho pelo pessoal de serviço.

- Na página 351m verbete [Fevereiro], onde se diz que,

«Diversos elementos da Comissão Central do MND são presos por terem participado nessa campanha» [contra o Pacto do Atlântico],

Devia dizer-se que

«diversos elementos do MND foram presos, na sequência da elaboração, publicação e distribuição de um documento assinado pela Comissão Central do Movimento Nacional Democrático, intitulado “Pacto de Paz e não Pacto do Atlântico”, onde defendiam uma política de colaboração entre os Povos, contra uma política de confrontação entre países de regimes diferentes.»

Com os melhores os melhores cumprimentos,

Porto, 27 de Dezembro de 1994

José Morgado

(segue-se a direcção)

NOTA: Que eu saiba, até hoje, nunca foi dada qualquer resposta a esta carta, nem foi feita qualquer correcção. Assim, as pessoas morrem deixa-se na história aquilo que o fascismo, com a sua polícia, os seus tribunais, o seu terror não conseguiu. Na altura em que esta obra foi publicada, teria sido fácil evitar as falsidades, erros ou imprecisões, desde que para tal houvesse vontade.

Paulo Morgado

Nota sobre a Universidade Popular do Porto

Nota Sobre a Universidade Popular do Porto

1-1-Instrução da Mulher em Portugal

No livro de Joaquim Ferreira Gomes, nascido em 18 -10 -1928, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, livro intitulado “Estudos para a História da Educação no século XIX”, pode ler-se o seguinte (pág. 43):

«A instrução da mulher, na organização do ensino público entre nós, está num imenso atraso. Os factos provam esta verdade. Se indagarmos quantas são as escolas, ficaremos sabendo que, em números redondos, há 3700 do sexo masculino e apenas 840 do sexo feminino. De 4 000 freguesias, 3650 não possuem escolas para mulheres.»

Mais adiante (pág. 44 – 45), Ferreira Gomes transcreve, do Relatório do Decreto de 16 de Agosto de 1870, o seguinte:

«Com uma população de 4 200 000 habitantes no Continente e com 4 800 freguesias, tem Portugal apenas (segundo os últimos dados) 2 300 escolas oficiais e, destas, só 350 são do sexo feminino. Para estarmos, não diremos na situação que recomendavam as necessidades da população e do ensino, mas apenas na situação em que se acha a Espanha, devíamos ter 7 000 escolas oficiais; 8 000 em relação à França, Bélgica e Baviera; 10 000 a 12 000 para correspondermos proporcionalmente `Inglaterra, Holanda Suécia e Prússia; devíamos ter 21 000 para ombrearmos com os Estados Unidos; e, em lugar de tudo isto, possuímos apenas 2 300 escolas! Contando mesmo com as escolas livres, deveríamos ter 12 000 escolas oficiais; e apenas possuímos 2 300.

Em Espanha, há 1 escola para 600 habitantes; e, França, Baviera, Itália, Holanda e Inglaterra, 1 para 500 e 400; na Suécia 1 para 300; nos Estados Unidos, 1 para 160; na Prússia, 1 para 150. Portugal tem 1 escola para 1 110 habitantes!»

2- O isolamento imposto ao Povo Português

Os números apontados põem em relevo uma forte discriminação contra as mulheres no nosso país. Uma tal discriminação existiu também em vários outros países. Por exemplo, Lise Meitner (1878 – 1968), investigadora e professora austríaca, doutorada em Física pela Universidade de Viena, foi proibida de entrar no laboratório da Universidade de Berlim; Marie Curie, já galardoada com dois Prémios Nobel, foi-lhe negado, em 1911, o ingresso na Academia das Ciências de Paris; Maria Goeppert-Mayer teve grande dificuldade em obter emprego; doutorada em 1930, leccionou em várias universidades americanas; publicou, em 1955, em colaboração com o cientista alemão Prof. Jensen o trabalho de investigação Elementary Theory of Nuclear Shell Structure; só conseguiu emprego quatro anos depois de ser eleita membro da Academia Nacional de Ciência (EUA) e três anos de receber o Prémio Nobel da Física

Os preconceitos contra a mulher culta eram tais que J. J. Rousseau, terá afirmado:

«a mulher de cultura é uma praga para o marido, para os filhos, para a família, para os criados, enfim para todos.» (Informações colhidas no livro Mulheres na Ciência, Introdução, Apresentação e Tradução de A. M. Nunes dos Santos, M. Amélia C. Bento e Christopher Auretta).

Mas, infelizmente, não era só sector da educação de mulheres portuguesas que éramos um país atrasado.

Notemos que, no século XVI, Portugal pôde contar com trabalhadores intelectuais do nível de:

Gil Vicente, Bernardino Ribeiro, Diogo Bernardes, Luís de Camões, Sá de Miranda, André de Resende, Garcia de Resende, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Frei Agostinho da Cruz, Frei Heitor Pinto, Frei Amador Arrais, Fernão de oliveira, Jerónimo Osório, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Duarte Pacheco Pereira, Garcia de Orta, Pedro Nunes, António Ferreira, André de Avelar.

Mas, no século XVII, século tão fecundo em vários domínios científicos , especialmente em Matemática, século que pôde contar com as actividades de:

John Neper, Thomas Harriot, William Oughtred, Galileo Galilei, Isaac Newton, Gérard Desargues, Blaise Pascal, Johan Kepler, René Descartes, Pierre Fernand, Christian Huygens, Gottfried leibniz.

Cientistas notabilíssimos, mas nenhum deles era português; acontece até que nenhum deles era ibérico!

Isto significa que, depois do século XVI, Portugal entrou em decadência acentuada, como resultado do isolamento que sofreu, não apenas em relação a outros países, mas também isolamento de uns portugueses em relação a outros portugueses.

Foi por terem consciência de tal isolamento que, no século XIX, o grande poeta Antero de Quental e seus companheiros Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Eça de Queirós, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga, resolveram promover a realização das célebres “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense”.

No documento datado de 16 de Maio de 1871, põe eles assinado, dizia abertamente que,

«não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser assunto das nossas constantes meditações».

E a primeira conferência, intitulada “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos”, que foi realizada por Antero em 27 de Maio de 1871, começava por declarar que,

«a decadência dos povos da Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história».

Seguiram-se as conferências realizadas por Augusto Soromenho (“A Literatura Portuguesa Contemporânea”), por Eça de Queirós (“O Realismo como expressão de Arte”) e por Adolfo Coelho (“A Questão do Ensino”).

Todas as outras conferências planeadas por Antero e seus companheiros foram proibidas pelo Presidente do Conselho de Ministros, António José d’ Ávila (1806 – 1881), o Marquês d’ Ávila e Bolama.

Presidente do Conselho de Ministros, que continuou (e possivelmente refinou) o isolamento cultivado pela classe economicamente dominante.

Contra tal isolamento não se pronunciaram somente Antero de Quental e seus companheiros.

Por exemplo, Gomes Teixeira, no seu “Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva” afirmou (p. 160):

«nada há mais prejudicial para a ciência de um povo do que o seu isolamento no meio da ciência de outros povos» (Conferência na Academia das Ciências de Lisboa, em 2 de Junho de 1918)

Gomes Teixeira põe também em relevo, na sua “História das Matemáticas em Portugal”, como causa da decadência da cultura científica do nosso país, a expulsão dos judeus no tempo de D. Manuel I, dizendo que (pp. 198 – 199)

«Este monarca protegeu as Matemáticas, criando uma cadeira de Astronomia na Universidade Portuguesa, que estava então instalada em Lisboa, mas prejudicou gravemente todas as ciências, mandando sair do reino os seguidores de Moisés que não quiseram converter-se à fé cristã, obrigando assim numerosos membros de uma raça que naquele tempo as cultivavam com mais sucesso a abandonar os seus lares e a ir estabelecer outros em terras onde caridosamente os acolheram».

E Gomes Teixeira, católico fervoroso, disse ainda:

«A esta causa da decadência da filosofia e das ciências em Portugal está ligada outra: a introdução no país, por D. João III, do Tribunal do Santo Ofício. Esta instituição, com os seus fanatismos, com as suas denúncias, com os seus roubos, com as suas prisões, com as suas torturas, com os seus autos de fé, com as suas fogueiras, foi uma mistura de tragédia dolorosa e de baixa comédia, que, durante cerca de duzentos anos, perturbou em Portugal todas as actividades e com elas o progresso geral do país.

Entravam neste caminho infernal o poder civil e o poder eclesiástico, sugestionados talvez pelo ideal da unidade religiosa na Península Ibérica, pela extinção nela do judaísmo, e entrou nele também o povo, que viam os judeus representar um papel preponderante na vida social e económica daqueles tempos.

Homens bons, homens sábios, varões beneméritos da Pátria e mesmo varões beneméritos da religião cristã, foram vítimas da intolerância do terrível tribunal.»

Foi em 1531 que D. João III pediu autorização ao Papa para instalar a Inquisição em Portugal. Essa autorização foi concedida em 1536, mas já em 1534 havia em Portugal um inquisidor que processou Gil Vicente por ter defendido os cristãos-novos, como ele mesmo declarou em carta dirigida a D. João III.

Os autos de fé começaram em Lisboa, em 26 de Setembro de 1540, desde 1541 até 1684 foram queimadas nas fogueiras da Inquisição 1379 pessoas. Na “História de Portugal” de oliveira Martins, vol. II, pág. 191, diz-se que, até 1732, os autos tinham penitenciado mais de 23 000 pessoas e queimado 1454.

Garção-Stockler, no seu livro “Ensaios Históricos sobre a Origem e os Progressos das Matemáticas em Portugal”, escreveu (pág. 151):

«É quase incrível a pressa com que as ciências retrogradaram em Portugal, desde que o Senhor Rei Dom João III, com o piedoso fim de preservar a nação portuguesa do contágio com as inovações religiosas, e princípios heréticos, que infestavam o Norte da Europa, se determinou a adoptar no seu Reino instituições repressivas da livre comunicação de ideias.»

José de Arriaga, no 1º volume da sua “História da Revolução Portuguesa de 1820” (pp. 77 – 78), referindo-se à actuação dos jesuítas, diz-se que eles empregavam todos os esforços para conseguirem (e conseguiram!) que D. João III lhes permitisse os estatutos da Universidade fundada por D. Dinis; o seu plano visava a

«tornar o homem supersticioso, a mistificá-la com a ideia religiosa, a preocupá-lo só com a outra vida e a desprezar inteiramente os bens terrestres, de que os seus mentores se foram apoderando solicitamente.

As faculdades da Universidade ficaram reduzidas apenas a três: Teologia, Cânones e Leis, Medicina.

A matemática, a astronomia, a física, a química, a geologia, finalmente, todas as ciências naturais foram soterradas na mais profunda ignorância pelos da seita negra que as condenavam como inimigas da religião e como ciências perigosas.

Note-se que alguns jesuítas que prestaram grandes serviços à cultura portuguesa (por exemplo, o Padre António Vieira).

No volume 3º da mesma obra (p.79), José de Arriaga, depois de referir que mil e quatrocentos homens foram queimados e mais de três mil pessoas foram exterminadas e desgraçadas e, juntando a isto, as famílias que ficaram desamparadas, afirma que

«a inquisição se pode igualar às maiores calamidades que têm afligido a espécie humana, às maiores calamidades, incêndios, terramotos, devastações, epidemias, guerras e fomes. Serviu, pois, este tribunal para extinguir o entendimento dos portugueses; e serviu este tribunal para nos cobrir de vergonha.»

Em 1821, o governo provisório nascido da Revolução de 1820, acabou com a Inquisição e os lisboetas destruíram o edifício do “santo” tribunal. Na “História da Inquisição” escrita por Iossif Grigulévitch e traduzida para língua portuguesa por José António Torres Rodrigues, pode ler-se, a respeito da resolução do governo provisório, o seguinte (p. 328):

«assim terminou, em Portugal, a actividade dessa criminosa instituição, que durou, com curtos interregnos, pouco menos de três séculos. Ao fazer o balanço da actividade inquisitória, os historiadores da Inquisição costumavam calcular o número de vítimas da mesma. Vejamos, pois, quantas vítimas pesam na consciência da Inquisição portuguesa (…) chegaram até nós 40000 processos do “santo” tribunal. Regra geral, cada uma das “causas” dizia respeito a várias pessoas. Um certo número de processos desapareceu. Então, quantos “hereges” passaram pelas masmorras da Inquisição? Cem mil? Duzentos mil? É pouco provável que alguém jamais o possa dizer com precisão. A investigadora inglesa Mary Brearley adianta os seguintes dados parciais, que só dizem respeito ao Tribunal da Inquisição de Lisboa: de 1536 a 1821, foram queimados vivos na capital portuguesa 355 homens e 221 mulheres; torturados 6005 homens e 4960 mulheres; morreram na prisão 706 homens e 546 mulheres. Total: 12793 pessoas, das quais 5727 mulheres.»

No livro “Terror e Linguagem, um Dicionário da Santa Inquisição” (1999), da autoria do advogado, filólogo e historiador Elias Lipiner (1916 – 1998), diz-se (pág. 39) que os últimos autos de fé tiveram lugar em Lisboa, Coimbra e Évora em 1871.

3- Os que não queriam acabar com o analfabetismo

Como escreveu José de Arriaga, os jesuítas orientaram o seu ensino no sentido de tornarem as pessoas submissas, e os jesuítas não foram os únicos a conduzir o ensino de modo a fomentar a submissão.

Evry Schatzman, no seu livro “La Science Menacée”, afirmou (p. 165):

«Um ensino da ciência que não ensina a pensar não é um ensino da ciência, é um ensino da submissão”.

Naturalmente os que defendem a classe economicamente dominante, defendem um ensino da submissão ou, em alternativa, o não ensino.

Salazar, em Maio de 1935, no discurso proferido na “liga 28 de Maio”, declarou:

«Por vezes reclama-se do Governo que mande o povo aprender a ler. Para ler o quê? A educação moral que se impõe pela selecção da leitura é para encher o espírito de conhecimentos úteis. (…) Considero mais um mal que um bem ensinar o povo a ler sem preparação moral» (vol. II de “O Ensino Primário” de J. Salvado Sampaio, p. 47).

Num “Parecer da Câmara Corporativa”, pergunta-se «se valerá a pena ensinar o povo a ler mesmo contra sua vontade.» (idem, p. 49).

Salazar defendia que ler, escrever e contar é suficiente para a maioria dos portugueses.

O jornalista Costa Brochado, no jornal situacionista “A Verdade”, declarou que tínhamos universidades a mais (nessa altura havia somente três)!

Numa entrevista concedida a António Ferro, em 1933, Salazar declarou:

«Considero (…) mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler. È que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.» (!!!)

O escritor e historiador João Ameal escreveu em 1929:

«Portugal não necessita de escolas (…) Ensinar o povo a ler é corromper o atavismo da raça.».

Alfredo Pimenta pronunciou-se contra os republicanos que proclamavam que «abrir uma escola é fechar uma cadeia», declarando no jornal “A Voz” que «abrir uma escola é abrir dez cadeias».

Em 1932, Alfredo Pimenta afirmou:

«Ensinar o povo português a ler e a escrever, para tomar conhecimento das doutrinas corrosivas de planfetários sem escrúpulos, ou das facécias malcheirosas que, no seu beco escuro, vomita todos os dias qualquer garoto da vida airada, ou das mentiras criminosas de foliculários políticos – é inadmissível. Logo, concluo eu: para a péssima educação que possui e para a natureza da educação que lhe vão dar – o povo português já sabe demais.»

Em 1927, a escritora Virgínia de Castro e Almeida, considerando que então existiam em Portugal 75% de analfabetos, dizia no jornal “O Século” que

«A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos.»

Aludindo aos rurais que aprenderam as primeiras letras, a escritora perguntou e respondeu:

«Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas. Nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem as letras e voltam à enxada.»

Não se pode naturalmente dizer que são os ignorantes que defendem o analfabetismo, mas pode naturalmente dizer-se que são os reaccionários que defendem o ensino da submissão e o não ensino.

Na sua “História do Ensino em Portugal”, pág. 440, Rómulo de Carvalho escreveu:

«a opinião violenta de que o povo não devia ter acesso ao ensino era comum a muitos pensadores do século XVIII, mesmo entre aqueles que arvoraram estandartes rebeldes contra a sociedade em que viviam. É impressionante saber que Voltaire também pensava assim. “Haverá sempre e é indispensável à felicidade dos Estados que haja sempre miseráveis ignorantes”; é tradução de uma frase escrita por Voltaire, citada por Adolfo Coelho, em “Para a História da Instrução Popular”, Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Gulbenkian, Lisboa, 1973, p. 141.»

No livro acima indicado de Adolfo Coelho, pág. 143, refere-se uma memória, escrita em 1764, de um lugar – tenente geral do senescalado de Toulon dirigida ao procurador-geral da província, onde se diz que:

«Numa nação livre, em que não é permitido ter escravos, as riquezas mais certas consistem em poder dispor de uma multidão de pobres laboriosos; é uma fonte inexaurível para as armadas e os exércitos. Para tornar feliz a sociedade, é necessário que grande número dos seus membros sejam ignorantes e pobres.»

No 2º volume da sua obra, “O Ensino Primário”, J. Salvado Sampaio conta que Salazar, em discurso proferido em 12 de Maio de 1935, mostra a sua preocupação sobre o que o povo deve ler. Segundo Mussolini, que ele considera «um dos homens de visão mais larga sobre a civilização de hoje», o ruralismo que mostrou «como o domínio da cidade é contrário à economia, à saúde e à sociedade

Salazar conta ainda que

«Uma jornalista sueca que, há pouco, visitou Portugal, exclamou, ao saber que íamos ensinar o nosso povo a ler: Na Suécia foi isso que fez o nosso povo infeliz.»

Em 13 de Maio de 1935, quando Eusébio Tamagnini de Matos da Encarnação estava encarregado da pasta da Instrução Pública, o Conselho de Ministros publicou o decreto-lei nº 25 317, em que se determina que os funcionários ou empregados civis e militares que tenham revelado pu revelem espírito de oposição contrário aos princípios fundamentais da Constituição ou que não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado, sejam aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contrário.

(Note-se que a Constituição que aqui se refere é a Constituição de 1933, aprovada por referendo em que as abstenções foram consideradas como votos de aprovação (!!!).

Este decreto-lei foi imediatamente utilizado pelo governo fascista de Salazar para expulsar do ensino os professores universitários Sílvio Lima, Aurélio Quintanilha, Manuel Rodrigues Lapa, Abel Salazar e o general Norton de Matos (então professor no Instituto Superior Técnico) e os professores primários Jaime Carvalhão Duarte, Bernardino José da Costa Amaral e Manuel da Silva.

A nota oficiosa de Maio de 1935, em que o Conselho de Ministros manda afastar do serviço 33 funcionários civis e militares ao abrigo do tal decreto-lei, contém um apelo aos pais de família para que denunciem os professores que, na formação mental e moral das novas gerações, não cumprirem o tal decreto-lei.

Na pág. 60 do vol. II de “O Ensino Primário” de J. Salvado Sampaio, pode ler-se o seguinte:

«Esta pressão sobre o professorado mostra por um lado, a oposição da classe ao regime e, por outro, que teria havido muita adesão involuntária e superficial, de que muitos não professores se teriam libertado por não terem sofrido idênticas pressões

O culto do Chefe explica o título do artigo: «Devemos a Salazar obediência Total, pronta e perfeita» (!!!) (“Escola Primária”, nº 286, de 18 de Abril de 1940).

Os alunos devem tornar-se discípulos de Salazar (!!!)

«Apaixonemo-nos pelas ideias de Salazar sobre Deus, sobre a Pátria, sobre a Família, sobre a ordem, sobre a economia, sobre a paz, sobre o trabalho e sobre a vida.» (“Escola Primária”, nº 287, de 25 de Abril de 1940).

No relatório que precede o articulado do Decreto nº 30 951, de 10 de Dezembro de 1940, consigna-se o seguinte (pp. 60 – 61):

«O professor primário deve, em geral, ser um apóstolo; e particularmente é preciso que oseja, quando é chamado a colaborar, através da escola e fora dela, em alguma obra social ou mesmo política que exprima o idealismo fundamental do Estado Novo (!!!).»

4- Organismos de Educação Popular (Informações colhidas em “O Ensino Primário” de J. Salvado Sampaio)

Em 1907, foi criada a “Liga Nacional de Instrução”, que se propôs realizar, entre outras actividades, as seguintes (vol. 1, pág. 168):

- promover o melhoramento da instrução nacional em todos os ramos, principalmente no primário e popular;

- fazer o cadastro do analfabetismo em Portugal;

- conseguir subsídios de roupa e alimentos às crianças pobres, para que possam frequentar a escola;

- conseguir a formação de bons professores primários, para as escolas fundadas ou auxiliadas pela Liga;

- criar escolas primárias modelo para os dois sexos;

- promover uma transformação radical da actual escola primária;

- promover o desenvolvimento da educação física nas escolas;

- promover a criação, junto das escolas, de cantinas escolares, caixas escolares e caixas económicas;

- fornecer aos núcleos escolares material pedagógico;

- promover a fundação de escolas móveis de instrução primária, de ensino agrícola e de educação geral e doméstica.

(“Liga Nacional de Instrução, Arquivo dos seus trabalhos”, Lisboa, 1ª série, Janeiro a Março de 1915).

Além destes objectivos, procura ainda fomentar o desenvolvimento de Universidades Populares, a criação de laboratórios e museus destinados à educação popular e de bibliotecas populares.

A actividade da Liga abrangeu, em 1915, a promoção de palestras educativas, subsídio de cursos nocturnos para aperfeiçoamento dos que frequentam cursos de alfabetização. Bernardino Machado era, nesta altura, presidente da direcção da Liga. Em Janeiro de 1915, foi publicado o primeiro número de “Liga Nacional de Instrução, Arquivo dos seus trabalhos”.

Em 14 de Junho ( ou Janeiro (?)) de 1914, é fundada em Lisboa, a “Liga popular contra o Analfabetismo”. Teve um subsídio ministerial para instalar seis escolas móveis e subsidiar sete centros escolares. A “Liga Popular contra o analfabetismo” instituiu seis cursos nocturnos para adultos analfabetos e um curso diurno para crianças pobres. O subsídio foi retirado em 1915-1916 e novamente concedido em 1916-1917.

J. Salvado Sampaio faz uma referência à”Academia de Estudos Livres de Lisboa”, em 1914, cuja finalidade era promover a educação popular, faz outra referência à Sociedade Promotora de Escolas”, responsável pelo funcionamento da Escola oficina nº 1, Lisboa.

A “Academia de Estudos Livres”, tanto na revista “A Mocidade”, como na revista “Anais da Academia de Estudos Livres” (a partir de meados de Outubro de 1910), intitula-se Universidade Popular, pois a sua obra assemelha-se às destas instituições.

A academia edita, além de “A Mocidade” e os “Anais”, 14 obras, entre as quais “Ensino Inicial de Leitura” (de Augusto Coelho), “Tricentenário da Publicação D. Quixote” (de Teófilo Braga), “Spinoza”(também de Teófilo Braga) e livros com a descrição de monumentos e relatos de excursões.

Em 17 de Outubro de 1913, a Academia de Estudos Livres foi louvada pelo ministro da Instrução Pública.

Entre outras instituições interessadas na difusão da cultura das massas populares destaca-se a Universidade Popular Portuguesa, sediada em Lisboa e considerada de utilidade nacional, pelo decreto nº 5781, de 10 de Maio de 1919.

Em 1922, a Universidade Popular Portuguesa compreendia seis secções, algumas das quais associadas a várias instituições:

I – Central, instalada em A Padaria do Povo, em Lisboa;

II – Junto da Associação de Classe dos caixeiros de Lisboa;

III – Instalada no Barreiro;

IV – Associada à Associação do Pessoal do Arsenal do Exército, de Lisboa;

V – Dirigida às classes metalúrgicas

VI – Ao serviço da classe dos chapeleiros.

Assim, a Universidade Popular orienta-se para a promoção das classes trabalhadoras. Possui uma revista mensal, “Educação Popular”, que inicia a sua publicação em 1921, organiza concertos sinfónicos para as classes trabalhadoras.

Em Setúbal, existiu também uma Universidade Popular, onde Bento Caraça realizou a conferência intitulada “As Universidades Populares e a Cultura”, conferência em que Bento Caraça identificou os conceitos de cultura e de liberdade - «sem cultura não pode haver liberdade e sem liberdade não pode haver cultura».

Bento Caraça declarou também:

«Deve ainda a cultura tender ao desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas solidariedade de cada um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria – solidariedade com todos os outros homens de todo o mundo»

Dada a ligação do conceito de cultura e do espírito de solidariedade, Bento Caraça, militante da cultura, foi também um militante da paz entre os povos; foi um internacionalista, no mais nobre sentido da palavra, foi um defensor da formação da pátria humana.

No livro de Salvado Sampaio (já citado), vol. 1, pp. 173 -174, regista-se que David Ferreira, autor de 3 artigos sobre a Universidade Livre de Lisboa, publicados no “Diário de Lisboa”, é de opinião que não há em Portugal uma verdadeira distinção entre Universidade Livre e Universidade Popular. Jaime Cortesão, no órgão da Renascença Portuguesa, intitulado “A Vida portuguesa” (Porto, 15 de Dezembro de 1912) precisa os conceitos de Universidade Popular e de Universidade Livre.

«No estrangeiro, as universidades livres dirigem-se a um público bem preparado que tem por fim o ensino superior, enquanto as universidades populares se orientam para um público mais vasto, pretendendo realizar uma obra de acção social e nacional.»

Na sua opinião, em Portugal não houve universidades livres, com as características apontadas.

Na pág. 175 do vol. I acima citado, informa-se que Universidade Livre de Lisboa foi fundada em 28 de Janeiro de 1912, no salão do Coliseu da Rua da Palma, conforme pode ler-se no artigo de David Ferreira, no Diário de Lisboa de 18 de Novembro de 1969. A sessão de 28 de Janeiro de 1912 foi presidida pelo Presidente da República, Manuel de Arriaga. Para o orador dessa sessão, Queirós Veloso,

«O ensino na Universidade Livre obedece a dois processos: O das conferências de assunto isolado, formando um todo completo e o dos cursos seguidos em séries de conferências sobre a mesma questão exposta gradualmente.»

Posição idêntica é referida para a Universidade Popular do Porto, que faculta cursos públicos, de exposição de ideias gerais, em salão para 400 pessoas e cursos especiais, para 15 ou 20 alunos (“A Vida Portuguesa”, nº 23, Porto, 1 de Março de 1914).

É possível que a Universidade Popular do Porto, de então, tenha deixado de existir, visto que a actual Universidade Popular do Porto foi fundada já depois do 25 de Abril, sendo a escritura da sua constituição datada de 25 de Junho de 1979.

José Morgado

(Centro de Matemática da Universidade do Porto)