quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Intervenção no Palácio de Cristal em 24 de Maio de 1980

Estamos a poucos meses das eleições para a Assembleia da República e este facto, por si só, justifica naturalmente que os democratas se reúnam para discutirem e tomarem decisões sobre o caminho a seguir para melhor defender a Democracia e derrotar a reacção.

Circunstâncias especiais fazem com que as próximas eleições para a Assembleia da República revistam uma importância que pode ser decisiva para o futuro do nosso País.

De facto, a próxima Assembleia da República tem poderes de revisão constitucional e não podemos esquecer que os partidos da direita, a pretexto da revisão constitucional, pretendem destruir a Constituição da República, que visa ao socialismo, e substituí-la por outra que permita a desnacionalização, particularmente da banca e dos seguros, elimine o controle de gestão, liquide a Reforma Agrária, enfim, pretendem uma Constituição que permita o retorno ao regime dos monopólios e dos latifúndios.

Na verdade, os partidos da direita instalados no poder, estão já procedendo, em muitos casos, como se a Constituição da República não existisse.

Assim, por exemplo, o art.º 97 da Constituição da República preconiza que

«A transferência da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham, será obtida através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas.»

O mesmo artigo preconiza ainda que

«As propriedades expropriadas serão entregues, para exploração, a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais, a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores.»

O artigo 82 esclarece que

«A lei pode determinar que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas não dêem lugar a qualquer indemnização.»

Pois bem; apesar do que claramente determina a Constituição, os partidos da direita instalados no poder diariamente conspiram e actuam contra a Reforma Agrária, quer inviabilizando, quer destruindo Unidades Colectivas de Produção e Cooperativas, arrancando a terra a quem a trabalha para a entregar a quem nunca a trabalhou.

Gados e máquinas agrícolas são violentamente tirados aos trabalhadores por funcionários do MAP, auxiliados por bandos de agrários armados, sob a protecção de forças militarizadas. Trabalhadores são agredidos na sua dignidade e, muitas vezes, agredidos também fisicamente por quem a obrigação legal, a obrigação constitucional de os defender. E os ignominiosos casos dos assassinatos de António Casquinha e João Caravela por balas de forças militarizadas, continuam impunes!

Na sua ofensiva criminosa contra a Reforma Agrária, os partidos da direita instalados no poder já violaram não só os artigos da Constituição que há pouco citei, mas muitos outros e até artigos que não poderão ser alterados pela revisão constitucional.

Com efeito, o artigo 290, que define os limites materiais da revisão constitucional terão de respeitar, além do mais,

«o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais e a eliminação dos monopólios e dos latifúndios

Ora, em consequência da subtracção de terras aos trabalhadores e sua entrega aos agrários, estão já quase reconstituídos vários latifúndios no Alentejo, quer dizer, a fome e o desemprego estão voltando à planície alentejana.

Arrancando ilegalmente as terras aos trabalhadores e reconstruindo os latifúndios, os partidos da direita instalados no poder estão refazendo as bases económicas do fascismo; estão, quer queiram quer não, promovendo o regresso do fascismo. Por isso, a defesa da Reforma Agrária não é uma questão que diga apenas respeito aos trabalhadores alentejanos – a Reforma Agrária diz respeito a todos nós!

No seu artigo 96, a Constituição da República proclama:

«A Reforma Agrária é um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista e tem como objectivos:

a) Promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham, como primeiro passo para a criação de novas relações de produção na agricultura;

b) Aumentar a produção e a produtividade da agricultura, dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do país, bem como o incremento da exportação;

c) Criar as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e evitar que o sector agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com outros sectores.»

Estes são os objectivos da Reforma Agrária.

Porque não querem a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, porque não querem a criação de novas relações de produção na agricultura, porque não querem aumentar a produção e a produtividade da agricultura, porque não estão, de facto, interessados em assegurar o melhor abastecimento do país, bem como o incremento da exportação, porque não querem criar condições necessárias para que se atinja a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores, os partidos da direita instalados no poder tudo fazem para destruir a Reforma Agrária.

E, como, em Portugal, a direita é historicamente incapaz de viver em democracia, como a direita em Portugal é essencialmente totalitária (assim provam os 48 anos de fascismo e ditaduras anteriores, assim como o provam o governo fascizante de Mota Pinto e o governo não menos fascizante de Sá Carneiro e Freitas do Amaral), os partidos da direita instalados no poder pretendem, com a destruição da Reforma Agrária, avançar na destruição das instituições democráticas e instalar a ditadura dos monopólios e latifúndios.

Assim, a consciência desta situação mostra-nos que a defesa da Reforma Agrária é um poderoso incentivo para a unidade de todos os antifascistas, é um poderoso incentivo para fortalecer a solidariedade entre todos os trabalhadores, intelectuais e manuais, dos campos e das fábricas, do norte e do sul, da terra e do mar.

Por terem consciência desta situação é que os amigos da APU são solidários com os heróicos trabalhadores alentejanos, que, resistindo às ilegalidades do MAP, resistindo aos assaltos dos bandos armados de agrários, lutando pelas suas Unidades Colectivas de Produção, lutando pelas suas cooperativas, estão defendendo a Constituição da República, estão defendendo as liberdades democráticas, estão defendendo o Portugal de Abril.

Amigos!

Não é apenas no sector da Reforma Agrária que os partidos da direita instalados no poder agridem e espezinham a Constituição da República.

Os partidos da direita instalados no poder agridem diariamente a Constituição da República em todos os sectores em que actuam.

Manobrando pela aprovação de leis que ferem frontalmente a Constituição da República, caluniando órgãos de soberania como o Presidente da República e o Conselho da Revolução, desrespeitando as decisões dos Tribunais quando não são favoráveis aos seus propósitos, atribuindo importantes funções directivas, em organismos do estado, a indivíduos conhecidos pelas ligações que mantiveram com o regime fascista, reintegrando pides e legionários no aparelho de estado, apoderando-se de órgãos de comunicação social, os partidos da direita instalados no poder, trabalham de facto, para implantar um regime totalitário.

É totalitária a “doutrina” contida num documento da responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros, segundo a qual embaixadores são representantes do governo e não do país; é totalitária a doutrina segundo a qual embaixadores são considerados “agentes de confiança política do governo”. Esta é confessadamente a doutrina com que, por exemplo, se pretende justificar o saneamento político da Senhora Engenheira Maria de Lurdes Pintassilgo.

A adopção desta doutrina permitiu já e permitirá certamente muitos outros saneamentos políticos, muitas outras perseguições a funcionários públicos antifascistas.

A política externa seguida pelos partidos instalados no poder não é a política externa preconizada pela Constituição da República. De facto, no artigo 7, a Constituição da República determina que,

«1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade;

2. Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desanuviamento geral, simultâneo controlado, a dissolução dos blocos políticos – militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo e manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.»

Ora, não é cortando relações culturais com a União Soviética, não é proibindo a entrada em Portugal de turistas e cidadãos de países socialistas, não é recomendando o boicote aos jogos olímpicos, não é cortando relações económicas com o Irão, não é oferecendo o território nacional como ponto de apoio para agressões imperialistas, não é atacando a política de desanuviamento, não é preconizando a corrida aos armamentos, não é facilitando a propaganda de Savimbi e quejandos contra a independência de países africanos de expressão portuguesa, que se defende a independência nacional, que se defende a abolição dos blocos políticos – militares, que se preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo e colonialismo, que se mantêm laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa, como manda a Constituição de República.

Amigos!

Quer no plano interno, quer no plano externo, a Constituição da República é diariamente atacada e violada pelos partidos da direita instalados no poder. Por isso mesmo, a defesa da Constituição da República, a defesa da Revolução de Abril exige que, quanto antes, esses partidos sejam desalojados do poder.

Isso é necessário! Isso é possível!

Na verdade, em consequência da política totalitária que tem praticado, em consequência das violações permanentes da legalidade democrática, em consequência da cobertura que tem dado às prepotências do patronato contra os trabalhadores, em consequência da política favorável à reconstituição de monopólios e latifúndios, em consequência da incapacidade revelada para acabar com a corrupção no aparelho de estado, em consequência das perseguições movidas contra antifascistas, em consequência do não cumprimento da lei das finanças locais, em consequência da política de recuperação capitalista, o governo de Freitas do Amaral e Sá Carneiro está cada vez mais isolado das massas populares.

As grandes manifestações do 25 de Abril e do 1º de Maio, os grandes movimentos reivindicativos por melhores salários, o grito que varre todo o País - de norte a sul e de leste a oeste – “A luta continua Sá Carneiro para a rua” – mostra que dia a dia é maior o isolamento do governo dos partidos da direita.

Tal isolamento cresce, não somente no plano interno, mas também no plano externo.

Atrelado ao imperialismo decadente, o governo de Freitas do Amaral e de Sá Carneiro sofre do isolamento internacional provocado pela política imperialista do Sr. Carter. As iniciativas de Freitas do Amaral e Sá Carneiro de cortar relações culturais com a União Soviética, de cortar relações comerciais com o Irão, de boicotar os jogos olímpicos, de criar dificuldades aos países africanos de expressão portuguesa, iniciativas tomadas de acordo com o imperialismo americano e que esperavam fossem seguidos pelos governos capitalistas europeus, aí estão para documentar que o actual governo, no plano externo, está acumulando fracasso sobre fracasso, está-se isolando dos próprios governos da Europa Ocidental.

O isolamento do governo e a actuação legal das massas populares poderão chegar a um ponto em que Freitas do Amaral e Sá Carneiro não mais se aguentem, como aconteceu ao governo fascizante de Mota Pinto.

Mas, se até às próximas eleições para a Assembleia da República o governo não cair, então é preciso escorraçá-lo com o nosso voto. Para isso, aqui estamos reunidos. Para derrotar a reacção, para impedir que os partidos da direita instalados no poder continuem incrustados no aparelho de estado, para defendermos a Reforma Agrária, para defendermos as nacionalizações da cobiça dos Champalimonds, para construirmos o Portugal de Abril, temos de conseguir que a direita, que está em minoria no país, fique também em minoria no Parlamento. Não podemos aceitar que, tendo nós a Constituição mais progressista da Europa Ocidental, tenhamos o governo mais reaccionário da Europa.

Temos de conseguir que os partidos democráticos alcancem uma nítida maioria na próxima Assembleia da República e que o número de deputados da APU cresça significativamente, pois o fortalecimento da APU é a melhor garantia para se conseguir uma viragem democrática na política portuguesa.

A política de ataque ao 25 de Abril e de sujeição ao imperialismo americano, seguida pelos partidos da direita, lançam o descontentamento nas bases eleitorais da AD. Muitos cidadãos portugueses que foram iludidos pela demagogia do PSD e do CDS e seus aliados não vão votar AD – é preciso que votem APU!

A Aliança Povo Unido está aberta a todos os democratas, a todos os patriotas que compreendem que a política da AD é contra os interesses vitais do Povo Português.

A Aliança Povo Unido está aberta a conversações com as outras formações políticas democráticas para discutir os problemas da defesa das conquistas de Abril, para encontrar a melhor maneira de infligir aos partidos reaccionários uma decisiva derrota eleitoral, a derrota que eles merecem.

A Aliança Povo Unido está aberta, antes, durante e após as eleições, para conseguir uma política de viragem democrática, uma política de consolidação das conquistas de Abril, de defesa da independência nacional e da Paz entre os Povos.

A Aliança Povo Unido, cada vez mais em contacto com as massas populares, sabe que pode aumentar o número de deputados do Partido Comunista Português e do Movimento Democrático Português, na próxima Assembleia da República.

Os activistas e aderentes da Aliança Povo Unido vão conseguir aumentar o número de deputados da APU na próxima Assembleia da República, de modo a colocar em minoria os partidos da direita.

Viva a Aliança Povo Unido!

Viva a Reforma Agrária!

Viva a Constituição da República!

José Morgado