sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A propósito da homenagem prestada na Universidade Popular do Porto

Amigos!
Em 22 de Março de 1931, na conferência que realizou na Universidade Popular de Setúbal, intitulada As Universidades Populares e a Cultura, o Professor Bento de Jesus Caraça, condenando a detenção da cultura como monopólio de uma elite, defendeu que se deve promover

«a cultura de todos e isso é possível porque ela não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoavel e a cultura é exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e constante.».
E mais adiante, Bento Caraça aconselhou:

«Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais.
Assim, cultura e liberdade identificam-se - sem cultura não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver cultura. Deve ainda a cultura tender ao desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas solidariedade de cada um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria - solidariedade do homem com os outros homens de todo o mundo.
Este internacionalismo não significa de modo nenhum a destruição da pátria, antes pelo contrário,implica a sua consolidação, o seu alargamento a todas as nacionalidades -

Nessa conferência, Bento Caraça disse ainda que as Universidades Populares devem:

«ir ao encontro de todas as aspirações culturais das massas trabalhadoras, tentando sempre satisfazê-las»

Nesta conferência, realizada na Sociedade de Estudos Pedagógicos, em 10 de Abril de 1935, intitulada Escola Única, Bento Caraça, proclamou:

«O direito à cultura deve ser realmente reconhecido como um direito inerente ao homem, e não como um favor, mais ou menos disfarçado, da administração pública»

Os fundadores da Universidade Popular do Porto, tendo naturalmente cada qual a sua opinião, estiveram essencialmente de acordo com a ideia expressa por Bento Caraça, mais de quarenta anos antes, de que as Universidades Populares devem procurar satisfazer as aspirações culturais das massas trabalhadoras e estavam também essencialmente de acordo com o conceito de cultura expresso por Bento Caraça.
É um facto que, antes de Bento Caraça, António Sérgio já tinha afirmado, em 1928, na conferência intitulada Considerações sobre o problema da Cultura, que

«Amar a liberdade, ser culto, são duas frases que se equivalem; em suma, são duas expressões de uma única ideia» (Ensaios, Tomo III, pp41 - 42).

Mas há uma diferença importante entre este pensamento de António Sérgio e o pensamento de Bento Caraça, sobre cultura.
Para António Sérgio, um indivíduo que ame a sua própria liberdade é culto e um indivíduo culto ama a sua própria liberdade e poderá não amar a liberdade dos seus semelhantes ...
Ora, não acontece assim com o pensamento de Bento Caraça. Com efeito, ao exprimir o seu pensamento sobre liberdade e cultura, Bento Caraça afirmou explicitamente que a cultura deve também tender ao desenvolvimento do espírito de « solidariedade do homem com todos os outros homens do mundo.»-
Neste momento, em que os companheiros da Universidade Popular do Porto resolveram prestar homenagem a quatro fundadores - Professores Ruy Luís Gomes, Armando Castro, Óscar Lopes e eu próprio - creio interpretar o pensamento de Armando Castro, Óscar Lopes e o pensamento que Ruy Luís Gomes exprimiria,se ainda estivesse vivo, manifestando a todas os presentes a nossa gratidão pela amizade e generosidade que motivaram esta homenagem e lembrando aqui a intensa actividade de Bento Caraça em prol da cultura, em prol da liberdade, em prol das Universidades Populares.
Atítulo pessoal, sugiro que todos nós, os companheiros aqui presentes, recordemos também a participação activa do Professor Ruy Luís Gomes na luta popular pelas liberdades democráticas , pela Paz e pela Cooperação entre os Povos, pela intensificação da actividade científica portuguesa, pela democratização da cultura, pelo ensino que tão bem soube ministrar em Portugal, na Argentina e no Brasil
Sugiro também que enviemos uma saudação amiga ao companheiro Armando Castro e um fraternal abraço exprimindo o nosso desejo pelas suas rápidas melhoras.

Muito Obrigado.

José Morgado