segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Homenagem ao Senhor Maximiano Silva no seu centésimo aniversário

Agradeço ao Dr. Raul de Castro e à Intervenção Democrática a oportunidade que me deram de participar na comemoração dos 100 anos do nosso comum amigo Sr. Maximiano Silva.
É com grande satisfação que participo neste convívio, pela muita consideração e amizade que nasceram no tempo da ditadura salazarista.
De facto, o Sr. Maximiano, que conheci no início da década de 50, sempre foi solidário com os perseguídos pela Pide, sempre esteve ao lado dos que lutaram pela conquista das liberdades democráticas, pela salvaguarda da independência nacional, pela paz e cooperação entre os povos; sempre procurou ajudar aqueles que o fascismo encarcerou, aqueles que, por informação da Pide, foram impedidos de assumir funções públicas a que tinham direito e aqueles que, tendo-as assumido, foram delas expulsos por motivos políticos.
O Sr. Maximiano sempre, de algum modo, acompanhou os que lutavam contra o fascismo.
Apoiou os movimentos políticos que defendiam a unidade de acção contra a ditadura.
Assim, apoiou o MUD (Movimento de Unidade Democrática), que nasceu da iniciativa de onze democratas - Mário de Lima Alves, Teófilo Carvalho dos Santos, Manuel Mendes, Gustavo Soromenho, José Magalhães Godinho, Afonso Costa (filho) Armando Adão e Silva, Manuel Catarino Duarte, Luís da Câmara Reis, Alberto Candeias e Canas Pereira - que requereram ao governador Civil de Lisboa autorização para a realização de uma sessão pública para se discutir o momento político. Esta sessão realizou-se em 8 de Outubro de 1945, no Centro Republicano Cândido dos Reis e foi presidida por José Barbosa de Magalhães que tinha sido ministro da Justiça em 1915, ministro da Instrução Pública em 1917, ministro dos Negócios Estrangeiros em 1922 e que forçado a aposentar-se de professor da Faculdade de Direito de Lisboa em 1941.
O documento lido nessa sessão por Mário de LIma Reis, onde se reclamava, além da extinção do Campo de Concentração do Tarrafal, a realização de eleições com um mínimo de seriedade, para o que era imprescindível a elaboração de um recenseamento honesto, liberdade de propaganda e fiscalização do acto eleitoral, mereceu o aplauso unânime e entusiástico de todos os presentes.
Fernando Mayer Garção propôs então que todos se solidarizassem com os promotores da sessão e subscrevessem as reclamações constantes do documento. Esta proposta foi aprovada por aclamação e imediatamente começaram as assinaturas.
O Professor Ruy Luís Gomes, que assistiu a esta sessão, tomou a resolução de, no seu regresso ao Porto, promover a organização do MUD na capital do Norte. A verdade é que, dentro de poucos dias, o documento - as chamadas listas do MUD - tinha recebido milhares e milhares de assinaturas, provenientes de todos os distritos do país.
O Sr. Maximiano foi, evidentemente, um dos signatários.
Depois de o MUD ter sido perseguido e extinto pelo governo fascista, foi um dos apoiantes da Candidatura do General Norton de Matos Presidência da República. Como o governo ditatorial não garantiu as condições mínimas de seriedade do acto eleitoral, o General Norton de Matos, de acordo com o compromisso tomado perante o povo, retirou a sua candidatura.
Na última sessão de propaganda da Candidatura, realizada em Lisboa, na Voz de Operário, foi aprovada por aclamação uma moção que preconizava a formação do MND (Movimento Nacional Democrático) para se continuar a luta pelas liberdades democráticas, numa base de unidade.
O Sr. Maximiano foi apoiante do MND.
Em 1951, deu-se a vacatura da Presidência da República, em consequência do falecimento de Óscar Carmona. A Constituição vigente fixava um prazo para apresentação de candidaturas `Presidência da República e, dentro desse prazo, a única candidatura apresentada foi a do Presidente da Comissão Central do MND, Professor Ruy Luís Gomes, escolhido por unanimidade numa Assembleia de Delegados.
O Sr Maximiano apoiou esta candidatura e foi também um dos democratas que conduziu, no seu automóvel, o Professor Ruy Luís Gomes e alguns dos seus companheiros ao Hospital de Santo António, em consequência da brutal agressão à bastonada e dos ferimentos causados pela Polícia de Segurança Pública, comandada pelo capitão Nazaré, à saída do cinema de Rio Tinto, onde se realizou uma sessão pública de propaganda, interrompida a meio por um representante do Governo Civil do Porto, que, de acordo com a legislação de então, assistia oficialmente à sessão, instalada no palco.
O fascismo, já depois de apresentada a candidatura do Professor Ruy Luís Gomes, procedeu a uma apressada revisão da Constituição vigente, introduzindo vários alterações, entre as quais o prolongamento do prazo de apresentação de candidaturas à Presidência da República e a determinação de que tais candidaturas precisavam da aprovação do Conselho de Estado, antes de serem apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ora o Conselho de Estado era da total confiança do governo salazarista, de modo que rejeitou a candidatura do Professor Ruy Luís Gomes, que apelava à unidade dos portugueses,

pela República e pela Liberdade,
pelo Pão e pelo Trabalho
pela Independência Nacional e pela Paz

O fascismo intensificou a repressão: demitiu mais funcionários públicos, encarcerou, agrediu, submeteu a julgamentos nos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto, mais e mais democratas, trabalhadores manuais e intelectuais e forçou muitos ao exílio.
A propósito dos julgamentos nos Tribunais Plenários, merece uma referência especial o conjunto dos advogados antifascistas, das mais diversas correntes políticas, que se bateram , corajosamente e gratuitamente, em defesa dos presos políticos, quer como advogados quer como testemunhas. Apenas a título de exemplo, citamos os seguintes: Armando Bacelar, Lino Lima, Armando Castro, Raul Castro, Carlos Cal Brandão, Mário Cal Brandão, António Macedo, Arnaldo Mesquita, Manuel João da Palma Carlos, Heliodoro Caldeira, Avelino Cunhal, Francisco Salgado Zenha, Luís Saias, Luís Azevedo, Luís Francisco Rebelo, Luis Carvalho e Oliveira, Humberto Lopes, Pinto Gonçalves, Paradela de Oliveira, Alberto Vilaça, Gustavo Soromenho, Abranches Ferrão, Vasco da Gama Fernandes, José Alberto Rodrigues, António Ribeiro da Silva, Domingos da Costa Gomes, Manuel Campos Lima, Manuel Andrade, Seiça Neves e Pinto Rodrigues.
No seu conjunto, estes e outros advogados deram então um bom exemplo de unidade de acção. Estamos atravessando um período em que é necessário fortalecer a unidade de acção para defesa das conquistas de Abril que ainda nos restam, recuperar outras que se perderam, impedir a bipolarização que alguns apregoam, talvez sem reparar que quem definiu a política como a relação de amigo - adversário, foi o jurista alemão Carl Schmitt, consultor jurídico do Presidente da República Paul von Hindenburg, o mesmo presidente que, em 10 de Outubro de 1931,recebeu Hitler e Goering, manifestando-lhe o desejo de que os nazis aceitassem participar no governo da Alemanha e que, em 30 de Janeiro de 1933, encarregou Hitler de formar governo em conjunto com os nacionais alemães e que, pouco depois, procedeu à dissolução do Parlamento, cedendo ao desejo de Hitler, que esperava em nova eleição obter maioria absoluta (e que, apesar de tudo, não conseguiu), Carl Schmitt foi um defensor do totalitarismo.
A bipolarização, ligada à concepção da política como a relação amigo - adversário, abre caminho para o totalitarismo e Carl Schimitt foi um defensor do totalitarismo.
Por tudo isto, entendo que devemos defender a unidade de acção dos democratas contra os restos de fascismo que ainda existem no nosso País, contra os actos que visam acabar com as conquistas de Abril, contra os actos que visam a instalar a bipolarização política (que é, afinal, uma forma ligeiramente atenuada de partido único!) e defender a participação de todos na defesa das liberdades democráticas e da elevação do nível de vida do povo português. Assim prestaremos uma boa homenagem ao nosso amigo aniversariante, Sr. Maximiano Silva.

José Morgado