quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Professor Ruy Luís Gomes (1905 - 1984)


Em 27 de Outubro de 1984, falecia o Professor Ruy Luís Gomes.

Em 29 de Outubro, os seus despojos mortais, após uma permanência de algumas roras no Salão Nobre da Faculdade de Ciências, onde foram velados por sucessivos turnos de docentes, de estudantes, de trabalhadores, de amigos, e de antigos companheiros de lutas democráticas, saíram acompanhados a pé, para o cemitério do Prado do Repouso, ficando depositado em jazigo de família.

O funeral foi uma impressionante demonstração de quanto era querido e respeitado pelo povo do Porto e constituiu, por si só, uma sentida e inesquecível homenagem ao matemático, ao professor e ao combatente pela Democracia e pela Paz. O Professor Alberto Amaral, da Faculdade de Ciências, o Professor Óscar Lopes da Faculdade de Letras, a Engenheira Virgínia Moura e outros oradores, nos discursos que proferiram junto ao jazigo, recordaram alguns factos e aspectos mais relevantes da sua vida de professor, de cientista e de cidadão.

Nascido no Porto, em 5 de Dezembro de 1905, foi estudante da Universidade de Coimbra, onde obteve a Licenciatura em Ciências Matemáticas e, logo em seguida, o grau de doutor, defendendo a tese “Desvio das trajectórias de um sistema holónomo”, em 1928. No ano seguinte foi nomeado, mediante concurso, Assistente do 1º Grupo (Análise e Geometria) da 1ª secção (Ciências Matemáticas) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Em 1930 -1931, foi encarregado da regência da cadeira de Física – Matemática e, em 1933, ascendeu a professor catedrático, em concurso de provas públicas, onde apresentou a dissertação “Sobre a estabilidade dos movimentos dum sistema holónomo”.

Como director do Gabinete de Astronomia, promoveu a instalação de um Observatório Astronómico escolar no Monte da Virgem.

Deve-se-lhe a criação do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, anexo à Faculdade de Ciências, em Fevereiro de 1942. Como Director do Centro, incentivou a criação do “Seminário de Física Teórica”, que funcionou anexo ao Centro, sob a direcção de Guido Beck e, posteriormente, sob a direcção de A. Proca.

Procurou obter autorização para a fixação em Portugal de Físicos e Matemáticos de alta qualidade, refugiados de países ocupados pelas tropas nazis. Motivos de ordem política governamental impediram que se aproveitasse esta oportunidade para conseguir a colaboração desses cientistas na luta contra o atraso científico do nosso País.

Colaborou na criação das revistas “Portugalie Mathematica” (destinada exclusivamente à publicação de trabalhos de investigação matemática) e “Gazeta de Matemática” (destinada essencialmente à publicação de trabalhos de divulgação matemática).

Colaborou na fundação da “Sociedade Portuguesa de Matemática” e na fundação da “Tipografia Matemática”, especialmente criada com o objectivo de facilitar a publicação de trabalhos científicos.

Juntamente com Mira Fernandes e António Monteiro, fundou a “Junta de Investigação Matemática” e foi co-fundador da colecção de publicações “Cadernos de Análise Geral”, patrocinada pela Junta.

Foi demitido, por motivos políticos, em 1947. Por iniciativa do Professor Sarmento Beires, o Conselho Escolar da Faculdade de Ciências aprovou, por unanimidade, uma resolução em que manifestava a mágoa que sentia pelo afastamento do Professor Ruy Luís Gomes, o altíssimo apreço em que tinha o seu carácter “as suas invulgares qualidades de investigador e de trabalhador incansável, seu prestígio científico e os imensos serviços prestados à Faculdade”.

Após várias perseguições políticas, que incluíram prisões pela PIDE, julgamento e condenações nos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto, viu-se forçado a aceitar proposta de contrato para ir trabalhar para a Universidade de Bahia Blanca, na Argentina, em Setembro de 1958, onde colaborou com António Monteiro na formação de quadros docentes universitários.

Em 1962, passou para Recife, onde j+a se encontravam outros professores portugueses exilados – A. Pereira Gomes, Zaluar Nunes e José Morgado – com quem colaborou, ensinando no Curso de Matemática, preparando pessoal docente universitário, fazendo investigação científica e orientando assistentes e bolseiros. Participou na preparação matemática dos futuros físicos da Universidade Federal de Pernambuco. Foi, durante vários anos, coordenador dos cursos de pós-graduação em Matemática. Ensinou nos cursos de Mestrado em Matemática. Foi co-fundador da colecção de publicações “Notas e Comunicações de Matemática” (reservada a trabalhos de investigação matemática) e também da colecção “Notas de Curso” (destinada à publicação de cursos de pós-graduação).

Regressou a Portugal após o 25 de Abril.

Desempenhou as funções de Conselheiro de Estado.

Após a sua aclamação como Reitor da Universidade do Porto, durante a manifestação popular de regozijo pelo seu regresso, foi oficialmente nomeado Reitor. Foi Presidente da Comissão Instaladora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Durante o seu reitorado foi enriquecido o património da Universidade: doação à Universidade do Porto, pela fundação Gulbenkian, da Casa – Museu Abel Salazar e doação, pelo Dr. Pedro Veiga, da sua biblioteca compreendendo dezenas de milhar de volumes.

Após a sua jubilação, em 5 de Dezembro de 1975, continuou ainda durante algum tempo dirigindo um seminário de “Teoria das Funções de Variável Complexa”, continuou a trabalhar na instalação do Instituto de Ciências Biomédicas e continuou a presidir aos trabalhos da Fundação Abel Salazar.

Por um dos trabalhos que elaborou sobre “Teoria da Integração”, foi-lhe atribuído o Prémio Artur Malheiro 1953, pela Academia de Ciências de Lisboa.

Pelos serviços à Universidade do Porto, durante o seu reitorado, foi-lhe atribuído, pelo Ministro da Educação, no dia do seu jubileu, o título de Reitor Honorário da Universidade do Porto.

Pela sua actividade no Recife, como professor da Universidade Federal de Pernambuco, foi-lhe atribuída uma medalha pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Pela sua luta pela Democracia e pelas perseguições que sofreu, o Presidente da República Portuguesa conferiu-lhe, em 5 de Abril de 1981, o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

José Morgado

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Intervenção no Pavilhão do Académico na Campanha Eleitoral da APU para a Assembleia da República em Novembro de 1979

Amigos!

Estamos praticamente no final da campanha eleitoral para a Assembleia da República.

No próximo domingo, por esta hora, já o Povo Português terá infligido uma tremenda derrota à reacção – a maior derrota dos reaccionários após o 25 de Abril. Em nossa opinião, os partidos da direita, a que se colaram tantos indivíduos que se dizem monárquicos e ainda uns outros que, sem que se perceba porquê, se apelidam, a si mesmos, de reformadores, vão ter menos votos e menos deputados do que os conseguidos por tais partidos em eleições anteriores.

Os reaccionários continuarão em minoria na assembleia da República e, dentro em pouco, quem sabe se não irão recriminar-se uns aos outros, atribuindo-se mutuamente as culpas da derrota – isto porque talvez se não atrevam a responsabilizar os orientadores estrangeiros que, afina, não terão sabido orientar-lhes a campanha eleitoral …

Estamos certos de que se tornará evidente para todos, de que de nada serviram os orientadores estrangeiros, bem treinados, no entanto, como manipuladores de opinião; de muito pouco terão valido os vistosos desfiles à americana, as caravanas ruidosas de carros de luxo, os transportes públicos para comícios, a imprensa reaccionária sempre disposta a faltar à verdade e a violar a lei democrática, as excursões do trio reaccionário pelas mais diversas regiões do país, as perseguições do trio, em conjunto e em separado, às capitais onde pontificam os governos capitalistas mais à direita, os painéis de cartazes com os retratos dos chefes visíveis da reacção profusamente espalhados por todo o país, as tentativas de montagem de uma questão religiosa, os grupos organizados de desordeiros para assaltarem sedes e impedirem comícios das forças democráticas, as promessas abundantes e aliciantes, as proclamações de ódio ao 25 de Abril, os insultos ao Conselho da Revolução e aos valorosos capitães de Abril, os ataques à Constituição da República!

No próximo domingo, chegaremos à conclusão de que tudo isto terá valido muito pouco, porque o Povo Português está mesmo decidido a não deixar passar o fascismo!

É verdade, meus Amigos, cada vez é maior o número de pessoas que entende que, por detrás dos partidos reaccionários que disputam as eleições atacando o 25 de Abril e a Constituição da República, está o fascismo, está o colonialismo, está o MIRN, está a intervenção estrangeira, está o imperialismo.

E o Povo Português que, durante quase meio século, combateu o fascismo e o colonialismo, defendeu a República, lutou pelas liberdades fundamentais e pela Independência Nacional – o Povo Português não ia agora deixar-se enganar por aqueles que aceitam a companhia e o apoio dos restos fascistas que ainda por aí circulam, não ia agora deixar-se embalar por aqueles que promovem a intromissão dos fascistas e monárquicos espanhóis nos problemas internos de Portugal.

Por isso, o Povo Português vais, serenamente, com o seu voto, no próximo domingo, infligir uma grande e saudável derrota à reacção.

Estamos inteiramente convencidos de que o Povo Português vai votar à esquerda.

Mas, amigos, pode acontecer que os partidos da direita, mesmo em minoria, consigam deitar mão a algumas alavancas do poder.

De facto, embora os partidos da direita tenham estado em minoria na Assembleia da Republica, a verdade é que sempre tiveram em mãos algumas importantes alavancas do poder.

Pois não é verdade que, por intermédio de Sottomayor Cardia, foi a direita quem governou no Ministério da Educação?

Alguém tem agora dúvidas de que não foi a direita quem governou no Ministério da Agricultura e pescas nos tempos Barreto e Vaz Portugal?

E quando o Ministério do Trabalho esteve ocupado por aquele que prometeu quebrar a espinha `Intersindical, foi ou não a direita que governou nesse ministério?

E durante o governo fascizante de Mota Pinto, quem mandou e desmandou na nossa terra se não a direita?

Isto significa que não basta derrotar os partidos reaccionários; não basta conseguir que eles somem menos de 126 deputados na próxima Assembleia da República.

É preciso que, em resultado das próximas eleições para a Assembleia da República, possa formar-se um governo de esquerda, um governo autenticamente de esquerda, um governo que não atraiçoe o espírito da Constituição da República, um governo que se preocupe em criar condições, como manda a Constituição, para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

Enfim, Amigos, é preciso que possa formar-se um governo que não resolva “meter o socialismo na gaveta”

Ora, para isso, é necessário que exista, na próxima Assembleia da República, uma forte representação da APU; é necessário, em particular, que na próxima Assembleia da República, o grupo parlamentar do Partido Comunista Português tenha um forte poder de decisão, poder que só terá se aumentar sensivelmente o número de deputados.

Infelizmente, a experiência dos últimos anos mostra que um numeroso grupo parlamentar do partido socialista não é suficiente para impedir a formação de governos de direita, não é suficiente para impedir que sejam feitas leis como a chamada lei Barreto, a lei das indemnizações aos grandes capitalistas, a lei Gonelha contra os sindicatos, a lei dos despedimentos, a lei contra as comissões de trabalhadores e tantas outras leis contra o espírito de Abril.

Uma grande votação na APU é essencial para a formação de um governo autenticamente democrático, é essencial para a defesa das conquistas de Abril, é essencial pade ra que novos e decisivos passos se dêem rumo ao socialismo.

Assim, nós os quatro, que os queridos Amigos quiseram distinguir neste jantar de confraternização, dirigimos, por intermédio de todos vós, um vivo apelo ao VOTO NA APU!

Dirigimos um vivo apelo a todos quantos entendem que a tarefa fundamental é o esmagamento eleitoral da reacção, para dêem o seu voto à APU.

Os partidos que se consideram de esquerda e que, de facto, não têm qualquer possibilidade de elegerem deputados em muitos círculos eleitorais, devem desistir e recomendar o voto na APU.

Os antifascistas que acompanharam, nestas eleições, o Partido Socialista ou mesmo o Partido Social Democrata ou até o CDS e estejam desiludidos pela prática política desses partidos, na medida em ela se revelou favorável ao capitalismo monopolista e ao imperialismo, devem votar APU, pois a APU não faz cedências à direita, não faz cedências aos monopolistas, não faz cedências ao imperialismo!

A APU deseja, com o Partido Socialista, com todas as forças democráticas, estabelecer bases de cooperação e entendimento para dotar o nosso país de um governo autenticamente democrático, de um governo digno e sério, de um governo que continue Abril.

Viva a Aliança Povo Unido!

Viva a Vitória Democrática!

Viva Portugal!

José Morgado

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

José Morgado, por ele mesmo


Frequentei o “Liceu Central Camilo Castelo Branco” (em Vila Real) e conservo gratas recordações dos meus colegas de então e de um grupo de professores muito competentes, muito dedicados ao ensino.

No entanto, no meu 5º ano, assisti a uma conferência por um padre (cujo nome esqueci), que a certa altura, exclamou enfaticamente:

«Escritores como Eça, Camilo e Junqueiro, deviam ser publicamente açoitados na Avenida [o Liceu estava situado na Avenida Carvalho Araújo] e os seus livros deviam ser empilhados e queimados!»

Eu e vários colegas sentimos naturalmente uma grande antipatia por este padre que nos pareceu defender a ideia de nos obrigar a recuar ao tempo da Inquisição!...

Aconteceu que, no ano seguinte, este padre foi nomeado nosso professor da disciplina de Moral. Devo confessar que gostei das suas primeiras aulas porque pareceu que não pretendia impor uma doutrina, mas, pelo contrário, pretendia discuti-la livremente com os alunos e pretendia ainda que os alunos a discutissem livremente uns com os outros.

Mas, mais ou menos a meio do ano lectivo, o padre defendeu na aula a necessidade de criar em Portugal a pena de morte!!!

Protestei contra tal declaração e afirmei que ele, como padre, não podia defender a pena de morte, pois um dos Mandamentos contidos no catecismo dizia explicitamente: não matarás. O padre não aceitou a minha opinião e procurou justificar-se, dizendo que, em certas circunstâncias, uma pessoa, para salvar a sua vida, tinha de consentir em que lhe cortassem um braço infectado susceptível de vir a infectar todo o corpo; por isso, era natural que se procurasse eliminar uma pessoa cuja acção pudesse pôr em risco de vida toda a sociedade.

Respondi-lhe que ele, como padre, não podia ter tal ideia, pois, segundo a religião que ele defendia, uma pessoa tem alma, enquanto que um braço, por si só, não tem alma. Além disso, um braço infectado era cortado para salvar uma vida, enquanto a pena de morte era pretexto para acabar com uma vida.

Chegados a este ponto, o padre proibiu-me de, até ao fim do ano lectivo, voltar a intervir nas discussões das aulas de Moral.

No ano lectivo seguinte, o padre foi também professor de Moral e, logo na primeira aula, avisou-me de que continuava proibido de intervir nas discussões que ocorressem nas aulas de Moral, embora evidentemente continuasse obrigado a frequentar tais aulas.

Este episódio contribuiu fortemente para que eu deixasse de praticar a religião católica, mais precisamente deixasse de praticar qualquer religião.

Contribuiu também este episódio para que eu passasse a prestar maior atenção aos acontecimentos culturais, sociais e políticos.

*

- Em 16 de Julho de 1945, assinei os documentos relativos à minha nomeação como assistente de Matemática do Instituto Superior de Agronomia. O professor catedrático de Matemática desse Instituto, Manuel Augusto Zaluar Nunes, tinha-me proposto para essa função em Novembro de 1944, ano em que terminei a minha licenciatura em Matemática, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e essa proposta foi imediatamente aceite sem qualquer objecção, mas só tomei posse em 16/07/45, porque só então fui nomeado.

Em 8 de Outubro do mesmo ano, o Professor Ruy Luís Gomes teve de se deslocar a Lisboa e, em conversa comigo, disse-me que nesse mesmo dia iria ter lugar uma reunião de democratas no Centro Republicano Almirante Reis, a que ambos assistimos.

Como nesse tempo era necessário, havia sido pedida autorização para a sua realização ao Governador Civil de Lisboa. O pedido foi assinado por Teófilo Carvalho dos Santos, Mário de Lima Alves, Manuel Mendes, Gustavo Soromenho, José de Magalhães Godinho, Afonso Costa (filho), Armando Adão e Silva, Manuel Catarino Duarte, Luís da Câmara Reis, Alberto Candeias e Canas Pereira.

Pouco tempo antes, após a grande derrota do fascismo na 2ª Guerra Mundial, Salazar havia declarado que iria haver em Novembro eleições em Portugal que seriam

«tão livres como na livre Inglaterra.»

Naturalmente por isso a reunião foi autorizada, e não só por isso, pois o fascismo português pretendia fazer-se passar por uma “Democracia orgânica”!...

Nestas circunstâncias, seria muito estranho que a autorização não fosse concedida.

Tanto o professor Ruy Luís Gomes como eu, estávamos muito interessados em assistir a essa reunião, mas, para isso era indispensável obtermos convites; pois só podiam assistir pessoas portadoras de convites. Conseguimo-los no escritório do advogado Dr. Gustavo Soromenho.

A reunião foi presidida por um antigo Ministro da primeira República, de grande prestígio, Dr. José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães. Tinha sido Ministro da Justiça (em 1915) Ministro da Instrução Pública (em 1917), Ministro dos Negócios Estrangeiros (em 1922). Foi professor da Faculdade de Direito de Lisboa de 1914 a 1941, data em que foi demitido pelo governo fascista de Salazar, quando Mário de Figueiredo era Ministro da Educação Nacional.

Durante a reunião foi lido pelo Dr. Lima Alves um documento em que se reivindicava a liberdade de imprensa, a liberdade de formação e actuação de partidos políticos, a amnistia para os presos políticos, a extinção do campo de concentração do Tarrafal. Neste momento todos os democratas presentes se levantaram para aplaudir de pé estas reivindicações. O Dr. Lima Alves retomou a leitura do documento, em que se reivindicava a realização de eleições que merecessem, de facto, o nome de eleições. Todos os presentes aplaudiram longamente e prontificaram-se a assinar o documento e, passado uma semana, 55000 pessoas já tinham assinado o documento. Assim nasceu o Movimento de Unidade Democrática (MUD).

O primeiro manifesto político que assinei foi a lista de reivindicações do M.U.D.

- Em meados de Junho de 1947, foi publicada uma nota oficiosa do Conselho de Ministros que, ao abrigo de um decreto – lei publicado em 13 de Maio de 1935, expulsou do ensino e proibiu de desempenhar quaisquer funções públicas, 21 docentes universitários: 11 professores catedráticos, 2 professores extraordinários e 8 assistentes. Fui incluído neste conjunto de 8 assistentes. Logo em 1935, foram expulsos, ao abrigo desse decreto, os professores universitários, Abel Salazar, Manuel Rodrigues Lapa, Sílvio Lima e Aurélio Quintanilha. Foram também demitidos entre professores não universitários, por exemplo, os professores primários Carvalhão Duarte, Costa Amaral e Manuel da Silva. Muitos outros docentes universitários e não universitários foram expulsos em 1946 -47, sem a publicidade da nota oficiosa de meados de Junho.

- Fiz parte da Comissão Distrital de Lisboa do M.U.D., na fase final da sua existência e fiz também parte da Comissão Distrital de Lisboa do Movimento da Candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, tendo sido secretário dessa Comissão.

- Em Janeiro de 1949, um chefe de brigada da PIDE, acompanhado de dois agentes foram, pela primeira vez à casa onde morava (eu vivia então num quarto alugado e trabalhava num escritório que também aluguei na mesma casa, onde dava explicações particulares a estudantes universitários desde a minha expulsão, por motivos políticos, do Instituto Superior de Agronomia). Levaram-me alguns livros (2 ou 3, não sei bem) e fui intimado a ir à sede da PIDE para interrogatório. Fui interrogado, mas sem consequências. O interrogatório demorou pouco; saí em liberdade logo que interrogatório terminou e ninguém foi incomodado em consequência das minhas respostas.

- Como é sabido, o General Norton de Matos retirou a sua Candidatura, por não terem sido satisfeitas as reivindicações,

Elaboração de um recenseamento honesto,

Liberdade de propaganda

Fiscalização do acto eleitoral,

Condições mínimas por ele exigidas para garantia de um mínimo de seriedade do acto eleitoral.

Uns dias antes da realização do acto eleitoral, realizou-se uma assembleia de delegados de todo o país e, por grande maioria, foi decidido que a Candidatura devia ser retirada, por o governo não satisfazer as condições exigidas.

No último comício realizado em Lisboa, na Voz do Operário, foi aprovada por aclamação uma moção em que se apelava para que os democratas continuassem a luta pelas liberdades fundamentais, no plano legal e numa base de unidade; a organização (uma vez que o MUD havia sido ilegalizado em Março de 1948 e o movimento da Candidatura se dissolvia com a retirada do General Norton de Matos) chamar-se-ia Movimento Nacional Democrático (MND).

Assim, logo após o mês de Fevereiro de 1949, começou a organizar-se o MND e, numa assembleia de delegados realizada em Agosto do mesmo ano, foi eleita a Comissão Central, que ficou constituída por: Ruy Luís Gomes (Presidente), Virgínia Moura, Maria Lamas, Pinto Gonçalves, José Alberto Rodrigues, Areosa Feio, Albertino Macedo e José Morgado.

- Em Novembro de 1949 iam realizar-se “eleições” para a Assembleia dita Nacional. Como não foi dada nenhuma garantia pelo governo salazarista de que as condições mínimas de seriedade sempre reclamadas pelos democratas seriam respeitadas, o MND resolveu não apresentar quaisquer candidaturas. O Dr. Cunha Leal e seus amigos resolveram no entanto, candidatar-se pelo distrito de Castelo Branco. A Comissão Central do MND resolveu avistar-se com o Dr. Cunha Leal e, por uma questão de unidade de acção dos democratas, solicitar-lhe a retirada da sua candidatura e dos seus companheiros de lista. Para isso, como estava projectado um comício desses candidatos em 5 ou 6 de Novembro em Castelo Branco, foi resolvido enviar nesse dia a Castelo Branco uma delegação composta por Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura e José Morgado, que ficaram de se encontrar na estação de Castelo Branco.

Cheguei uma ou duas horas antes da hora de chegada dos meus companheiros, de modo que saí da estação para almoçar e, no regresso à estação fui preso pelo chefe de brigada que tinha ido passar uma busca ao meu quarto e escritório, em Janeiro de 1949.

Fui conduzido à sede da PIDE em Lisboa e, depois de “cuidadosamente revistado”, fui conduzido ao Aljube, onde fui novamente “cuidadosamente revistado” e depois encarcerado numa cela (ou cubículo), onde fiquei incomunicável.

Os restantes membros da Comissão Central, quando souberam da minha prisão, protestaram e reclamaram a minha libertação. Foram todos presos e, no dia 24 de Dezembro, fomos todos postos em liberdade sob caução e processados em Tribunal Plenário. Em Abril de 1950 começou o nosso julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa, mas, entre a 1ª e 2ª audiência, foi publicada uma lei de amnistia, como resposta ao grande movimento nacional reclamando uma amnistia aos presos políticos, de modo que, na 2ª audiência, o Ministério Público considerou-nos abrangidos pela lei de amnistia e saímos em liberdade.

- Em Maio ou Junho de 1950, o Professor Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura foram novamente presos, no Porto, acusados de actividades que nada tinham a ver com o M.N.D., nada tinham a ver as suas actividades políticas.

É claro que os membros da Comissão Central, residentes em Lisboa (Maria Lamas, Areosa Feio, Albertino Macedo e José Morgado) protestaram contra a sua prisão, reclamando sua imediata libertação. Declararam que a sua prisão era inteiramente descabida, nada havia que justificasse a perseguição que lhes foi movida pela PIDE.

Fomos presos em princípios de Julho e enviados para o Reduto Norte do Forte de Caxias.

Em Setembro de 1950, os nossos companheiros Professor Ruy Luís Gomes e Engenheira Virgínia Moura, foram postas em liberdade e arquivado o seu processo, porque o juiz nada encontrou no processo que obrigasse a um julgamento, mas os membros da Comissão Central residentes em Lisboa, que naturalmente deviam também ser libertados (porque, afinal, tinham razão quando afirmaram, no seu protesto, que nada havia que justificasse a perseguição que a PIDE desencadeou contra os companheiros do Porto), continuaram presos e foram julgados em Janeiro de 1952, tendo sido condenados a seis meses de prisão e oito meses de multa.

- Em 1951, deu-se a vacatura da Presidência da República, por falecimento do general Carmona. A Comissão Central do MND resolveu apresentar um Candidato à Presidência da República e, após várias reuniões, de diferentes comissões distritais e concelhias, convocou uma Assembleia Geral que aprovou por unanimidade que fosse apresentada a Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes.

No prazo estabelecido pela Constituição em vigor quando se deu a vacatura da Presidência da República, foi apresentada a Candidatura do Professor Ruy Luís Gomes. Esta Candidatura foi a única que se apresentou no prazo legal. Entretanto o governo promoveu uma revisão da Constituição que a Assembleia dita Nacional aprovou, que modificou substancialmente as disposições da Constituição vigente quando se deu a vacatura. Assim, não só foi alargado o prazo para a apresentação das candidaturas, como foi imposto que, antes do Supremo Tribunal apreciar a documentação apresentada por cada candidatura, tal documentação seria apreciada pelo Conselho de Estado (formado naturalmente por adeptos do salazarismo).

Deste modo a candidatura do Professor Ruy Luís Gomes foi rejeitada pelo Conselho de Estado e já não subiu ao Supremo Tribunal.

Como o período de propaganda eleitoral começou antes da apreciação do Conselho de Estado, fizeram-se vários comícios da Candidatura de Professor Ruy Luís Gomes. Ficou célebre o comício realizado no Cinema de Rio Tinto, que acabou por ser interrompido pelo representante do Governo Civil do Porto e, à saída do cinema, quando alguns amigos foram buscar os democratas que estavam no palco e alguns outros que rodeavam os membros da Comissão Central presentes, o Professor Ruy Luís Gomes e os seus companheiros que o rodeavam foram brutalmente agredidos à cacetada por uma força da Polícia de Segurança Pública comandada pelo Capitão Nazaré. Não foram somente agredidos; foram também derrubados, pisoteados e insultados por essa força policial.

A interrupção do comício foi feita já depois de duas ou três intervenções; foi feita quando eu estava intervindo.

O Professor Ruy, a Engenheira Virgínia Moura, o seu marido Arquitecto Lobão Vital e José Morgado foram conduzidos por amigos nossos ao Hospital de Santo António para curativos. À Engenheira Virgínia Moura, a polícia quebrou-lhe um dedo.

- Em Fevereiro de 1952, foram presos os membros da Comissão Central do MND, Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Albertino Macedo e José Morgado, por terem publicado o documento PACTO DE PAZ E NÃO PACTO DO ATLÂNTICO, por eles assinado em nome da Comissão Central do MND.

Nessa altura ia realizar-se a 1ª reunião do Pacto do Atlântico em Portugal e isso não podia acontecer sem um protesto do MND. O Pacto do Atlântico era considerado um pacto agressivo, um pacto fomentador de guerra e não de paz.

No documento que elaborámos, preconizávamos que se acabasse com o Pacto do Atlântico e se criasse um Pacto de Paz entre as nações.

Fomos acusados de vários crimes que, se o Tribunal Plenário de Lisboa os desse como provados, se traduziriam, para cada um de nós, numa pena de 8 a 12 anos de prisão. No entanto, a onda de indignação que esta prisão causou entre os democratas foi tão grande, os depoimentos das testemunhas de defesa foram tão importantes, que o Tribunal Plenário de Lisboa condenou o Professor Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura em 3 meses de prisão e condenou Albertino Macedo e José Morgado, por serem considerados reincidentes, em 5 meses de prisão e em liberdade vigiada.

A PIDE viu-se obrigada a pôr imediatamente em liberdade o Professor Ruy e a Engenheira Virgínia Moura e a manter Albertino Macedo e José Morgado mais umas semanas na cadeia para perfazerem os cinco meses de prisão.

Mas a PIDE valeu-se da condenação em liberdade vigiada para obrigar Albertino Macedo e José Morgado a apresentarem-se na sede da PIDE nos dias 1,8,15 e 22 de cada mês, a não poderem sair da cidade de Lisboa sem prévia autorização da PIDE, a não acompanharem com pessoas suspeitas ou de má conduta e possivelmente mais algumas limitações de que já não me lembro.

- Quando se completaram dois anos de liberdade vigiada, deixámos de nos apresentar. Então fomos novamente presos, acusando-nos de que deixámos de cumprir as condições que o regime de liberdade vigiada impunha.

Nós argumentámos que isso não era verdade; cumprimos as condições impostas, mas como a sentença do Tribunal não dizia quanto tempo devíamos estar em liberdade vigiada, tal regime tinha necessariamente de ter a menor duração legal possível. A PIDE, depois de consultar o Tribunal, teve de concordar e saímos finalmente em liberdade, em Julho de 1954.

- Ora aconteceu que, em Julho de 1954, se agravaram as relações entre Portugal e a União Indiana, por causa dos territórios de Goa, Damão e Diu. Em Portugal os salazaristas estavam criando um clima de guerra, com manifestações em que gritava “Goa é nossa”, “Guerra à União Indiana”, etc. O MND, que sempre defendeu a paz entre os povos não podia ficar indiferente perante o clima de guerra de guerra criado pelos salazaristas.

Por isso, a Comissão Central elaborou uma Nota Oficiosa em que se defendia a autodeterminação de todos os povos, incluindo os de Goa, Damão e Diu e se preconizava que todo o desentendimento que surgisse entre Portugal e a União Indiana devia ser resolvido por negociações.

A Nota Oficiosa era assinada por Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Albertino Macedo e José Morgado, em nome da Comissão Central. Foi enviado aos jornais com o pedido de publicação. Os jornais não publicaram e nós fomos novamente presos em Agosto de 1945 e processados, na sede da PIDE do Porto.

Desta vez o processo era mais complicado. Éramos acusados de muitos crimes, incluindo o de traição à Pátria! A PIDE, num documento enviado a Tribunal lamentava que, em Portugal, não houvesse pena de morte para nos ser aplicada! Alguém do Ministério Público chegou a exprimir que uma boa sentença seria a de 50 anos de prisão para cada um seguido de medidas de segurança (um a três anos de prisão, uma ou mais vezes)!

Mas o apoio dos democratas e partidários da Paz foi tal que as sentenças foram bem diferentes das desejadas pelos salazaristas ferrenhos: o Professor Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura foram condenados em 18 meses de prisão correccional; Albertino Macedo e José Morgado foram condenados em 19 meses de prisão correccional; e o Arquitecto Lobão Vital, que não assinou a Nota Oficiosa por não ser membro da Comissão Central, que foi preso por ter corrigido uma “gralha” da Nota, na sua letra bem conhecida da PIDE, foi condenado em 10 meses de prisão correccional! ...

Recorremos da sentença para o Supremo Tribunal e saímos em liberdade sob caução, em Julho de 1955.

O Supremo Tribunal de Justiça anulou o julgamento feito e mandou repeti-lo. Fomos novamente presos em Agosto de 1956: a Engenheira Virgínia Moura foi presa na sede da PIDE do Porto e o Professor Ruy Luís Gomes, Albertino Macedo, Arquitecto Lobão Vital e José Morgado foram presos e enviados para a Colónia Penal de Santa Cruz do Bispo, prisão de presos comuns, em que a maior parte dos presos sofria de perturbações mentais, tanto assim que o médico da prisão declarava que não respondia pelas nossas vidas, pois uns dias antes de irmos para lá, um preso tinha assassinado um outro preso que estava deitado na cama, batendo-lhe na cabeça com um banco de ferro!

De facto, eram frequentes as discussões violentas entre presos comuns e algumas vezes interviemos para os sossegar.

Repetido o julgamento foi mantida a sentença do Arquitecto Lobão Vital e o Professor Ruy Luís Gomes, Engenheira Virgínia Moura, Albertino Macedo e José Morgado foram condenados em 24 meses de prisão correccional. Saímos da prisão em Setembro – Outubro de 1957.

Entretanto o MND tinha sido dissolvido em fim de 1956. Estávamos seus direitos políticos, de modo que o Professor Ruy Luís Gomes aceitou um convite em 1958 para ir para lá trabalhar. Partiu em Setembro desse ano. Eu aceitei um convite da Universidade Federal de Pernambuco, em 1959, para ir para lá trabalhar. Parti em Fevereiro de 1960. Regressámos à nossa Pátria depois da Revolução gloriosa do 25 de Abril.

José Morgado

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Os Anos 40 e a Resistência Matemática


1 - A geração de 70 contra o isolamento

Na noite de 27 de Maio de 1871, no Casino Lisbonense, Antero de Quental inaugurou um conjunto de conferências - as Conferências Democráticas do Casino - falando sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos. Começou assim ([15], p.255):

«A decadência dos povos do Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história; pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de forças gloriosas e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo

Dias antes, em 16 de Maio, Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga anunciaram a realização das conferências [[16], pp. 253 - 54). Depois de lembrarem que

«Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo»

proclamavam os objectivos das conferências, nomeadamente,

« (...)
- Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada.
(...)
- Estudar as condições das transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa.»

Assim as conferências visavam essencialmente romper o isolamento do povo português, tão deplorável desde meados do século XVI. Mas os governos autoritários ou ditatoriais, que quase sempre têm governado Portugal, opõem-se, com mais ou menos violência, a que se rompa tal isolamento e, em 26 de Junho de 1871, o Presidente do Conselho de Ministros proibiu a conferência que Salomão Sáragga ia realizar nesse dia e todas as seguintes, a pretexto de que nelas se expunham

«doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado.» ([18], p.198)


2 - A Inquisição e o isolamento

Um instrumento poderosíssimo para aumentar o isolamento português no século XVI foi a Inquisição, para cuja a instalação em Portugal, colaboraram estritamente a realeza, o alto - clero e a nobreza. As classes dominantes estavam interessadas no isolamento do povo português relativamente aos outros povos e de uns portugueses relativamente a outros portugueses, para matar à nascença qualquer movimento popular parecido com aquele que, em 1838, elevou o Mestre de Avis e Regedor e Defensor do Reino.

Em 1531, D. João III pediu licença ao papa para instalar a Inquisição em Portugal; em 1536, foi concedida a licença e, em 1541, realizou-se o primeiro auto de fé.
Violando ostensivamente o mandamento "Não matarás", os autos de fé, só até 1732, penitenciaram mais de 23000 pessoas e queimaram 1454, segundo conta Oliveira Martins ([10], 2º vol.,p.192). O número de assassinados não inclui os encarcerados mortos pelas torturas sofridas.

Que a Inquisição foi um instrumento ao serviço das classes dominantes é o que nos diz o historiador Jaime Cortesão, na obra "Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid" (vol.1, p. 98)

«A Inquisição e o fanatismo inquisitorial eram apenas um dos aspectos da perversão do espírito religioso e da subordinação da Igreja ao absolutismo do Estado. Sob os efeitos dissolventes do ouro, o Estado, a nobreza e o alto - clero haviam-se dado as mãos para impor a lei despótica dos seus interesses.»

As destruições causadas pelos inquisidores estão evocadas na mesma obra de Cortesão ([3], pp. 97 -98):

«Regiões ou vilas foram verdadeiramente devastadas, D. Luís da Cunha exclamava com angústia: "veja-se o que foram as províncias da Beira e Trás-os-Montes e, nelas, os lugares de Fundão e Covilhã, as cidades da Guarda, Bragança, etc., onde floresciam as manufacturas e o comércio, e o que agora são, depois que nelas entrou a Inquisição a prender e a destruir os seus moradores.»


3 - Agrava-se a decadência

O isolamento provocado pela Inquisição e o tipo de ensino praticado pela Companhia de Jesus provocaram um extraordinário atraso científico, cultural, moral e social. Garção Stockler no seu Ensaio Histórico sobre a origem e o progresso das Matemáticas em Portugal, publicado em 1819, escreveu (p. 151):

«É quse incrível a pressa com que as ciências retrogradaram em Portugal, desde que o senhor Rei Dom João III, com o piedoso fim de preservar a nação Portuguesa do contágio das inovações religiosas e princípios heréticos que infestavam o Norte da Europa, se determinou a adoptar no seu Reino instituições repressivas da livre comunicação das ideias.
Um tribunal supremo (...) foi encarregado não só de pesquisar e punir aqueles erros que, sendo meras alucinações do entendimento ou consequências inevitáveis da falta de uma virtude sobrenatural, eram, contudo, nos códigos daquele século, considerados como crimes enormes, mas também de impedir a publicação e entrega no Reino de todos os livros cuja leitura lhe parecesse perigosa

Relativamente à Companhia de Jesus, disse Stockler (p. 152):

«A instrução pública da mocidade foi encarregada a uma ordem regular de recente data (...).
Por estes dois meios reunidos, ganhou a Ordem sacerdotal o mais absoluto domínio sobre os espíritos dos Portugueses e adquiriu toda a facilidade de dar-lhe, não só aquela direcção que mais convinha aos interesses da Religião, mas a que mais acomodada fosse aos seus interesses.»

E mais adiante (p.156),

« ... e os ânimos dos homens já feitos (...), aterrados pela espada sempre desembainhada e pelos fachos sempre acesos da inquisição, sem se atreverem a examinar as produções científicas dos países situados além dos Pirineus, olhavam todas como frutos envenenados que, debaixo de uma doçura aparente, encobriam os princípios da destruição e da morte.»


4. Reflexos no ensino

As consequências desta orientação para o ensino foram naturalmente as mais lamentáveis.
Como A. H. Oliveira Marques ([9], vol II, p.131),

«Esta tentativa da Companhia de Jesus de dirigir a educação a todos os níveis não se processou, evidentemente, sem resistências várias. A Universidade de Coimbra contou-se entre os opositores. As demais ordens religiosas nomeadamente os Agostinhos e os Dominicanos, muito dados ao ensino e dispondo também de larga influência, reagiram com vigor, mas em vão (...) As Cortes de 1562 também protestaram contra o número e influência crescente dos jesuítas, elevando a voz contra a entrega do Col´gio das Artes à sua direcção.
Nada porém resultou, Jesuítas, Inquisição e Coroa estavam, ao tempo, fortemente unidos contra a heresia, o fermento cultural e todo e qualquer desvio da política do concílio de Trento. Através do País, grande número de professores sofreu perseguições de toda a ordem, muitos sendo encarcerados, condenados ou forçados a largar as suas cátedras.»

José Hermano Saraiva, na sua História Concisa de Portugal afirmou (p. 197):

«(...) os estudantes portugueses chegaram ao século XVIII a ter as sebentas que resumiam as ideias do princípio XVII. Por outro lado, o ensino que os jesuítas ministravam era um ensino empenhado. Era uma táctica de luta contra a heresia e contra o espírito da Reforma. Ora a Reforma nascera da liberdade mental, do direito que cada um se arrogara de pensar por si. Era isso que a pedagogia dos colégios queria evitar. O objectivo era enraizar dogmas em que sinceramente se acreditava, não o de provocar críticas, porque o resultado das críticas é sempre o fim dos dogmas. O ensino não foi, pois, um treino para pensar, mas um alicerce para crer. E deu resultado: porque os portugueses do século XVII creram muito e pensaram pouco.»

José d'Arriaga, na sua História da Revolução Portuguesa de 1820 (vol.I, p. 78), descreve a decadência nestes termos:

«A matemática, a astronomia, a física, a química, a geologia, a zoologia, finalmente, todas as ciências naturais foram soterradas na mais profunda ignorância pelos da seita negra, que as condenaram como inimigas da religião, e ciências perigosas. A verdadeira e sólida instrução foi posta de parte, com o pensamento reservado de se enfraquecerem as inteligências, e de aceitarem mais facilmente o jugo, tornando-se dóceis e submissas a tudo quanto lhes ensinaram.»


5 - Não se criou tradição de trabalho em Matemática

É claro que tal orientação do ensino prejudicou profundamente o estudo das ciências e, muito especialmente o estudo da Matemática. Alexandre Herculano, no trabalho Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres (Opúsculos, vol. VIII, p. 57), depois de descrever o «carácter predominantemente da instrução nacional» no século XV, concluiu:

«Não era, pois, entre nós, a matemática mais que uma enxertia, uma excepção ou antes uma aberração das tendências literárias da país, devida a causas estranhas ao carácter da organização social desta.»

De facto, chegou-se ao século XX, sem uma tradição de trabalho em Matemática.
Logo em 1290, quando D. Dinis fundou, em Lisboa, a Universidade que, após várias mudanças de Lisboa para Coimbra e de Coimbra para Lisboa, acabou por se fixar em Coimbra, as Ciências Matemáticas não foram incluídas no conjunto das matérias a serem ensinadas na Universidade!

Garção Stockler concluiu, depois das investigações que fez, que até 1503, ainda não tinha havido, na Universidade Portuguesa, nenhuma cadeira de Matemática, o que ele explica pelo facto de o conhecimento desta ciência não ser considerado necessário aos candidatos ao estado eclesiástico ([20], p. 91 - 92),

«único fim que os prelados do Reino se haviam proposto, quando ofereceram a El Rei os rendimentos das igrejas, que efectivamente serviram de dotação à dita Universalidade

Só em 1518, mais de duzentos anos após a fundação da Universidade, é que foi criada (por D. Manuel I) uma cadeira, não ainda de Matemática, mas vizinha da Matemática - uma cadeira de Astronomia.

O destacado matemático português, Pedro Nunes, ensinou Matemática na Universidade de Coimbra desde 1544 até 1562, ano em que se jubilou. Depois de 1562, houve um longo período em que não se ensinou Matemática; só em 1592 é que foi nomeado novo lente de Matemática, André de Avelar, autor de um "Repertório dos Tempos", publicado pela primeira vez em 1585.

Mas, em 20 de Março de 1620, André de Avelar foi preso pela Inquisição. Solto poucos dias depois, foi novamente preso em 17 de Outubro de 1621. Barbaramente submetido a tormentos, quando tinha quase oitenta anos, acabou por ser condenado a prisão perpétua.
Foram também perseguidos e presos pela Inquisição, seus dois filhos, Luis e Pedro, e suas quatro filhas, Ana, Violante, Mariana e Tomázia ([2], pp 121 -36).
A Universidade ficou novamente sem um único professor de Matemática e, durante largos períodos, assim aconteceu.

Quando o Marquês de Pombal quis fundar o Colégio dos Nobres (posteriormente criado por carta régia de 7 de Março de 1761), viu-se em sérias dificuldades, porque os conhecimentos das ciências exactas, que havia em Portugal, eram tão poucos que, como informa Pedro Jos´da Cunha ([§], p.36), foi necessário

«recorrer a professores estrangeiros para o ensino das Matemáticas. Foram eles João Ângelo Brunelli, professor de Bolonha, Miguel Ciera, matemático piemontês, e Miguel Franzini, geómetra veneziano

Referindo-se a Brunelli e Ciera, Stockler ([20], p. 66), escreveu:

« (...) por fortuna havia pouco que tinha voltado da América meridional, da demarcação dos limites das nossas possessões naquela parte do Mundo: expedição para a qual haviam sido chamados no princípio do seu reinado [de D. José] por não haver astrónomos nacionais, a quem ela se confiasse.»

Em suma, não tínhamos matemáticos nem astrónomos.
A Astronomia foi estudada em Portugal, pelas suas aplicações à Navegação e a Matemática foi estudada, pelas suas aplicações à Astronomia. Com a decadência da Navegação decaiu a Astronomia e, com a decadência da Astronomia, decaiu a Matemática.
Já é tempo de os governos do País entenderem que a Matemática precisa de ser estudada, não s´pelas inúmeras aplicações às outras ciências e às técnicas, mas também, e sobretudo, pelos seus próprios méritos. Ora, depois de Pedro Nunes, houve apenas um curto período, em que se estudou Matemática pelos seus próprios méritos - o período da reforma pombalina da Universidade de Coimbra.

Mas a Inquisição mais uma vez interveio, perseguindo, prendendo e condenando o melhor matemático português do século XVIII, o matemático de quem muito havia a esperar: José Anastácio da Cunha.

Razão tinha Gomes Teixeira, quando, referindo-se à Inquisição, escreveu ([21], p.199):

«Esta instituição, com os seus fanatismos, com as suas denúncias,com os seus roubos,com as suas prisões, comas suas torturas, com os seus autos de fé, com as suas fogueiras, foi uma mistura de tragédia dolorosa e de baixa comédia que, durante cerca de duzentos anos, perturbou em Portugal todas as actividades e com elas o progresso geral do país

Foi durante quase trezentos anos que o nosso País sofreu a Inquisição - desde 1536 até 5 de Abril de 1821 - dia em que foi formalmente suprimida pelas Coretes Constituintes, nascidas da Revolução de 1820.

No auto de fé de 11 de Outubro de 1778, foi lida a sentença que o condenou a três anos de reclusão, seguídos de cinco anos de deportação em Évora. Posteriormente, foi-lhe perdoada parte da pena, mas nunca lhe foram restituídos os bens roubados pela Inquisição nem nunca lhe foi consentido voltar a ensinar na Universidade.

Revoltado contra esta condenação, Gomes Teixeira ([23], p. 124) escreveu:

«Esta condenação é mais um exemplo a ajuntar às manifestações de um estreito espírito sectarista, religioso ou político, reaccionário ou radical, que em todos os tempos e sob as formas mais variadas, têm atingido e desonrado a Humanidade.»

Depois da morte de D. José e do afastamento da cena política imposto a Pombal, voltou a acentur-se a decadência. As três invasões francesas que o nosso País sofreu no princípio do século XIX, a ocupação inglesa que se lhes seguiu, a sangrenta guerra civil entre absolutistas e liberais, governos ditatoriais como os dos Cabrais e outros governos autoritários prejudicaram de tal maneira o trabalho científico que, no começo do século XX, precisamente em 1900, Gomes Teixeira, em carta publicada na revista "L'Enseignement Mathématique" (vol. 2, pp 218-9) dizia:

«En Portugal, il ne se passe guère d'événements qui sent de nature à intérésser les mathématiciens des autre pays.»

Em 1923, em conferências nas Faculdades de Ciências de Paris e Toulouse, Gomes Teixeira declarou que o número de trabalhos publicados em Portugal, no século XIX, é muito considerável, mas alguns não têm interesse e outros são puramente didácticos. Finalmente, na "História das Matemáticas em Portugal", publicada já depois da sua morte (Fevereiro de 1933), Gomes Teixeira afirma que a maior parte dos trabalhos matemáticos publicados em Portugal, no século XIX e começos do século XX, tem apenas interesse didáctico e

«entre os que não estão neste caso, há muitos que são erróneos ou simples imitação de trabalhos estrangeiros»


6 - Uma lufada de ar fresco

Em 1936, António Monteiro regressou a Lisboa, vindo de Paris, Bolseiro da Junta Nacional de Educação e, depois, do Instituto de Alta Cultura (IAC), doutorou-se no Institut Henri Poincaré, com a tese "Sur l'additivité des noyaux de Fredholm" sob a direcção de Maurice Fréchet.

Com o regresso de Monteiro, uma nova época se inicia para a actividade matemática portuguesa. Segundo Hugo Ribeiro ([17], p. v),

«Com uma outra excepção, a matemática (pura) não era cultivada em Portugal e, assim, as escolas superiores limitavam-se a preparar professores das escolas secundárias ou técnicos e cientistas que porventura a utilizariam. Foi nesta atmosfera enormemente agravada pela ditadura e pelas guerras, civil em Espanha e na Europa, que Monteiro, não participante do ensino oficial, fez entrar uma lufada de ar frseco, impulsionando decididamente a Matemática neste país.»

Ainda em 1936, juntamente com outros companheiros recém doutorados, Manuel Valadares, Marques da Silva, António da Silveira, Peres de Carvalho e outros, criou o Núcleo de Matemática, Física e Química, que promoveu a realização de vários cursos e conferências, no âmbito destas ciências.

Foi precisamente o Núcleo que, em 1937, convidou Ruy Luís Gomes a fazer, no Instituto Superior Técnico, um conjunto de conferências sobre Teoria da Relatividade, que foram publicadas na colecção do Núcleo, em 1938, sob o título Teoria da Relatividade Restrita".

O contacto então estabelecido com Monteiro constituiu um grande incentivo às actividades matemáticas que Ruy Luís Gomes iria desenvolver no Porto.


Em 1937, com a colaboração de Hugo Ribeiro, Silva Paulo, Zaluar Nunes e Ruy Lu´s Gomes, Monteiro fundou a ""Portugaliae Mathematica", revista dedicada exclusivamente à publicação de originais de Matemática e, com a colaboração de Bento Caraça, Silva Paulo, Hugo Ribeiro e Zaluar Nunes, em 1940 fundou a "Gazeta de Matemática", jornal dos concorrentes ao exame de aptidão e dos estudantes de Matemática das escolas superiores.

Em 1938, fundou o Seminário Matemático de Lisboa que, em 1939, tomou o nome de Seminário de Análise Geral, com o objectivo de, segundo as suas própri as palavras,

«iniciar um grupo de jovens no estudo das matemáticas modernas."

Entre os participantes deste Seminário, destacaram-se Hugo Ribeiro e José Sebastião e Silva (que mais tarde, ele considerou como o maior matemático português) ([6], p. 30).

Como resultado de uma proposta de Bento Caraça, Mira Fernandes e Beirão da Veiga, o Conselho Escolar do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras criou, em 1938, o Centro de Estudos Matemáticos Aplicados à Economia. Neste Centro, Zaluar Nunes regeu, em 1938-39, um curso de Cálculo das Probabilidades e Estatística Matemática; em 1939-40, Rinaldo Campião, Castanheira Nunes e outros realizaram colóquios sobre seguros e, em 1941 - 42, Sá da Costa iniciou um curso de Introdução à Economia Matemática Clássica, etc..

Em Fevereiro de 1940, Monteiro conseguiu que o IAC fundasse o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa. Pedro José da Cunha presidiu às duas primeiras conferências do Centro; de Hugo Ribeiro, sobre "Objectivo da Topologia Geral" e de Monteiro, sobre "A Importância da Análise Geral". Conferências de Álgebra, Teoria dos Números, Topologia, Teoria da Medida, etc., foram feitas por Remy Freire, Morbey Rodrigues, Sebastião e Silva, Sá da Costa, Silva Paulo, Ramos de Castro, Virgílio Barroso, Ribeiro de Albuquerque, Mário de Alenquer, Veiga de Oliveira, Hugo Ribeiro, António Monteiro, Zaluar Nunes e outros.

No período 1940 -41, onze trabalhos de investigação, provenientes do Seminário de Análise Geral, foram publicados na Portugaliae Matehematica .

Em 12 de Dezembro de 1940, Monteiro e seus colaboradores fundavam a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), que logo à partida, contava com mais de 100 sócios; em Julho de 1947, tinha 331.

Entretanto, a Secção de matemática da Faculdade de Ciências do Porto, por iniciativa de Ruy Luís Gomes, promovia a realização de cursos livres e conferências, nomeadamente, por Almeida e Costa, António Monteiro, Bento Caraça, Manuel Valadares, Marques da Silva,Manuel Miranda, Neves real, Sarmento Beires e outros.

Sobre estes cursos e conferências, escreveu Ruy Luís Gomes ([7], pp.13-14):

«Por um lado, no plano científico, temos a intenção de facilitar aos estudiosos as técnicas e as vias de acesso aos problemas de maior actualidade, da Matemática e das suas aplicações. Por outro, desejamos integrar os problemas da Matemática np movimento geral da Ciência.
(...) Finalmente, num plano ético, desejamos criar um ambiente de trabalho, um "clima" e um estímulo como resultado da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva: a de que pertencemos a uma Universidade.»

Comentando estas palavras, Monteiro escreveu ([11], p. 17):

«Palavras necessárias, num meio como o nosso, em que tantas vezes o interesse imediato de cada um se sobrepõe injustificadamente à realização das tarefas culturais mais urgentes e necessárias; num meio em que a indiferença (e, por vezes, a hostilidade aberta ou mal dissimulada) perante o trabalho de investigação científica constitui um método de acção retardadora do progresso cultural do país.»

Por iniciativa de Ruy Luís Gomes (exposição dirigida, em 11 de Outubro de 1941, ao Presidente do IAC, Porf. Celestino da Costa), foi criado em Fevereiro de 1942, o Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

Do primeiro plano de trabalhos do Centro enviado ao IAC, constam os planos individuais de Neves Real, Manuel de Barros, Manuel Miranda, Almeida e Costa e Ruy Luís Gomes, contendo cada um o programa de um curso e o enunciado de um ou mais problemas de investigação. Consta também o programa de um curso a ser ministrado por Monteiro, "Funções de conjuntos e seus invariantes".

O plano de trabalho do Centro, no ano seguinte, inclui o plano de um novo trabalhador do Centro, Alfredo Pereira Gomes, que se propôs, além do mais, a redigir um curso a ser ministrado por Monteiro, "Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua". O curso foi publicado em 1944, como nº 8 da Colecção de Publicações do Centro. Foi amplamente utilizado (pelo menos, no Porto) por estudantes e licenciados, na década de 40, interessados em melhorar a sua preparação matemática.

Anexo ao Centro do Porto, criou-se o Seminário de Física Teórica.

Criou-se ainda, em Lisboa, uma Tipografia Matemática para compor a Portugaliae Mathematica, a Gazeta Matemática e outras publicações científicas, nomeadamente, a PortugaliaePhysica e a Gazeta de Física, que nasceram por influência das correspondentes revistas de Matemática.

Em 4 de Outubro de 1943, foi fundada a Junta de Investigação Matemática (JIM) por Mira Fernandes, António Monteiro e Ruy Luís Gomes, com os objectivos de promover o desenvolvimento da investigação científica, realizar trabalhos de investigação necessários à economia nacional e ao desenvolvimento das outras ciências, estabelecer relações com o movimento matemático dos países ibero-americanos e despertar o entusiasmo da juventude pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora.

Apesar da hostilidade da ditadura salazarista, a luta contra o isolamento, a luta pela investigação e divulgação matemática prosseguia alegremente em todas as frentes!

Segundo António Monteiro ([12], p. 11),

«Quando os matemáticos portugueses, sem serem solicitados, sem serem forçados, mas animados do grande desejo de servir a Nação, fundaram a Junta de Investigação Matemática, disseram ao país: Para cunprir os nossos deveres, estamos presentes.».

No Porto, aos sábados à tarde, como resultado da colaboração da JIM e do Centro, passaram a realizar-se Colóquios de Análise Geral, com participação estudantil. Desses colóquios nasceu nova colecção de publicações, "Cadernos de Análise Geral" (os "Cadernos JIM").

A Jim promoveu a realização de palestras lidas ao microfone de um posto emissor Particular do Porto, Rádio Clube Lusitânia, cujo proprietário, Júlio Nogueira, colaborou, enquanto pôde, com a JIM. Essas palestras divulgavam a importância da investigação científica nos mais diversos campos e foram seus autores Ruy Luís Gomes, António Monteiro, branquinho do Oliveira, Fernando Pinto Loureiro, José Antunes Serra, António Júdice, Armando Castro, Carlos Teixeira, Flávio Martins e Corino de Andrade. As palestras foram publicadas pela JIM.

Como resultado da colaboração da SPM com a JIM, foram realizadas em Lisboa conferências por Ruy Çuís Gomes, Almeida Costa, Neves Real, Pereira Gomes e o então estudante Andrade Guimarães.

Como era natural, as instituições criadas contribuiram para melhorar a participação portuguesa em Congressos de Matemática.


7 - Investida salazarista contra a Universidade

A ditadura não assistia de braços cruzados à manifestação das actividades científicas e, especialmente, das actividades matemáticas.

Já tinha conseguido impedir que notável físico Guido Beck continuasse a orientar o Seminário de Física Teórica, anexo ao Centro de Matemática do Porto. a ditadura forçou Guido Beck a sair do Porto, fixando-lhe residência nas Caldas da Rainha, em 1943. Passado algum tempo, Guido beck conseguiu sair para a Argentina e foi trabalhar no Observatório de Córdoba e, posteriormente, foi para o Brasil para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

Correspondendo ao interesse manifestado pela SPM, por António Monteiro e colaboradores, para se formarem Clubes de Matemática, estudantes da faculdade de Letras de Lisboa formaram um Clube de Matemática. Outros Clubes se lhe seguiram: no Instituto Superior de Agronomia, no Instituto Superior Técnico, que começaram imediatamente a trabalhar, organizando Colóquios e Conferências de Matemática.

Quando surgiu o Clube de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto, a ditadura suprimiu todos os clubes existentes e a formação de novos clubes.

Os sinais de hostilidade governamental fora aí estavam crescendo.

Os "bons exemplos" do nazismo e do fascismo italiano aí estavam para serem seguídos ...

A Alemanha nazi tinha feito uma "limpeza exemplar" nas Universidades e em Outubro de 1939, 22 universidades alemãs estavam encerradas. A Itália fascista expulsou das Universidades professores prestigiados, entre os quais os matemáticos Guido Ascoli, Federico Enriques, Gino Fano, Guido Fubini, Arturo Horn, Beppo Levi, Levi-Civita, Arturo Maroni, Benjamino Segre, Alessandro Terracini ([13], p. 106)

A ditadura salazarista nos anos !945 a 1947, por processos diversos, afastou do ensino universitário ou impediu que nele entrassem: Bento Caraça, Azevedo Gomes, ruy Luís Gomes, Pulido Valente, Fernando Fonseca, Ferreira de Macedo, Peres de Carvalho, Dias Amado, Celestino da Costa, Cândido de Oliveira, Adelino da Costa, Cascão de Anciães, Mário Silva, Torre de Assunção, Flávio Resende, Zaluar Nunes, Remy Freire, Crabée Rocha, Manuel Valadares, Marques da Silva, Armando Gibert, Lopes Raimundo, Laureano Barros, José Morgado, Morbey Rodrigues, Pereira Gomes, Sá da Costa, Virgílio Barroso, Jorge Delgado, Hugo Ribeiro, António Monteiro, Soares David, António Santos Soares e outros.

Nos outros graus de ensino, houve também professores afastados do ensino e licenciados impedidos de se profissionalizarem, por simples informação da PIDE.

as actividades da SPM não foram expressamente proibidas, mas foram proibidas em todas as dependências do chamado Ministério da Educação Nacional. Quando o matemático espanhol German Ancochea esteve em Lisboa, para fazer uma conferência sobre Geometria Algébrica, o único lugar que conseguimos para a realização da conferência foi o restaurante onde convidámos para almoçar, o English Bar.

O Seminário de Matemática que era realizado no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa, teve de funcionar numa dependência da casa de Hugo Ribeiro, no Murtal, que passámos a chamar Universidade do Murtal.

No Porto, o Seminário de Matemática foi transferido para a casa de Neves Real, na Rua do Almada, que passou a ser conhecida como a Universidade da Rua do Almada.

António Monteiro, Hugo Ribeiro, Ruy Luís Gomes, Pereira Gomes, Zaluar Nunes, José Morgado, Remy Freire e outros, após várias perseguições pela PIDE, viram-se obrigados a exilar-se, para poderem continuar a exercer a profissão. Jorge Delgado, Soares David, Sá da Costa, Morbey Rodrigues, Marques da Silva, Marques da Silva, e outros viram-se obrigados a mudar de profissão.

Laureano Barros, Ferreira de Macedo e outros, impedidos de continuarem como docentes universitários, passaram a ensinar estudantes universitários, como explicadores.

No entanto, a Resistência Matemática não foi vencida!

A Portugaliae Mathematica, a Gazeta de Matemática, a Tipografia Matemática, graças à dedicação de Zaluar Nunes e, após o seu falecimento, graças a Gaspar Teixeira, resistiram ao vandalismo governamental, até depois da Revolução dos Cravos.

A Portugaliae Mathematica, actualmente dirigida por Pereira Gomes e uma boa equipa, melhorou consideravelmente.

A actividade matemática no país é agora muito maior que no tempo da ditadura.

Em Lisboa, a actividade matemática, depois da investida de 1945-47, continuou em de Sebastião e Silva e, no Porto, graças aos esforços de Sarmento Beires, Arala Chaves, Coimbra de Matos e nos últimos anos, graças aos esforços de Falcão Moreira e seus companheiros na Direcção do Centro, recuperou-se o Centro de Matemática.

Quaisquer que sejam as dificuldades a vencer, a Resistência Matemática não desanimará.

A lição de António Monteiro, Ruy Luís Gomes, Hugo Ribeiro e Sebastião e Silva não foi esquecida.


BIBLIOGRAFIA

1. ARRIAGA, JOSÉ D': "História da Revolução Portuguesa de 1820", Livraria Portuense, Porto, 1886.

2. BAIÃO, ANTÓNIO: "Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa", 3ª ed.., Seara Nova, Lisboa, 1972.

3. CORTESÃO, JAIME: "Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid I", Livros Horizonte, Lisboa, 1984.

4. CUNHA, PEDRO JOSÉ da: "Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal", Exposição Portuguesa em Sevilha, Lisboa, 1929.

5. GODINHO, VITORINO MAGALHÃES: "Do ofício e da cidadania. Combates por uma civilização da dignidade", Edições Távola Redonda, Lisboa 1989.

6. GOMES, RUY LUÍS: "Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma escola de Matemática" Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, 6 (1938) pp. 29-48.

7. GOMES, RUY LUÍS: "Sobre o objectivo do curso promovido pela Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto", Gazeta de Matemática, 9 (1942) pp. 13-14

8. HERCULANO, ALEXANDRE: "Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres", incluído no tomo VII de "Opúsculos", pp. 27-94, 3ª ed. Livraria Bertrand, Lisboa.

9. MARQUES, A. H. OLIVEIRA: "História de Portugal", Palas Editores, Lisboa

10. MARTINS, J. P. OLIVEIRA: "História de Portugal" 11ª ed. Parceria António Maria Pereira, Lisboa 1927.

11. MONTEIRO, ANTÓNIO: "Centro de Estudos Matemáticos do Porto", Gazeta de Matemática, 10 (1942), pp. 27

12. MONTEIRO, ANTÓNIO: "Os Objectivos da Junta de Investigação Matemática", 21, pp. 10-11

13. MORGADO, JOSÉ: "O Professor Ruy Luís Gomes e o Movimento Matemático Português", Anais da Faculdade de Ciências do Porto, 67 (1986), pp. 97-151.

14. MORGADO, JOSÉ: "Para a História da Sociedade Portuguesa de Matemática", 1990, Conferência feita no cinquentenário da SPM, em Lisboa (não publicado)

15. QUENTAL, ANTERO DE: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" texto incluído em "Prosas Sócio-Políticas", pp. 255-296, publicadas e apresentadas por Joel Serrão, Colecção Pensamento Português, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1982.

16. QUENTAL, ANTERO DE, e outros: "Conferências Democráticas Estabelecidas na Sala do Casino", texto incluído em "Prosas Sócio- Políticas", pp. 253-254, publicadas e apresentadas por Joel Serrão, Colecção Pensamento Português, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1982.

17. RIBEIRO, HUGO: "Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa entre 1939 e 1942", Portugaliae Mathematica, 39 (1980) pp. V-VII.

18. SÁ, VICTOR DE: "Antero de Quental", Colecção Limiar/Ensaio, Editora Limiar, Porto, 1982.

19. SARAIVA, JOSÉ HERMANO: "História Concisa de Portugal"Colecção Saber, Publicações Europa-América, Mira-Sintra, Mem Martins, 1978.

20. STOCKLER FRANCISCO DE BORJA GARÇÃO: "Ensaio Histórico sobre a Origem e Progresso das Matemáticas em Portugal", Paris, 1819.

21. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: "História das Matemáticas em Portugal", Biblioteca de Altos Estudos, Lisboa, 1934.

22. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: Uma carta publicada na revista "L'Enseignement Mathématique", 2 (1900), pp. 218-19.


23. TEIXEIRA, FRANCISCO GOMES: "Elogio Histórico do Doutor José Anastácio da Cunha", incluído em "Panegíricos e Conferências", pp. 121-153, Academia das Ciências de Lisboa, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1925.


José Morgado

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Intervenção na Campanha Eleitoral para a Assembleia da República em 1976

Companheiros

Amigos

Há um ano estivemos aqui em Rio Tinto para solicitarmos o vosso apoio à Eng.ª Virgínia Moura e seus companheiros, para levarmos à Assembleia Constituinte deputados capazes de elaborar uma Constituição que consagrou a vitória do Povo sobre o fascismo, uma Constituição que incentivasse novos passos rumo ao socialismo, uma Constituição que proclamasse e defendesse o direito do Povo traçar o seu destino, uma Constituição, enfim, que fosse digna do Povo português.
A Constituição foi finalmente elaborada, foi publicada e entra em vigor precisamente no próximo domingo, 25 de Abril de 1976.
Por que será que, nesta altura, dos 14 partidos que se apresentam às eleições, uns apoiam, e outros não, a Constituição da República?
Por que será que alguns desses 14 partidos evitam até falar na Constituição?
Por que será que, entre os partidos que estiveram representados na Constituinte, houve quem votasse contra?
Por que será que alguns elementos de partidos que aprovaram a Constituição, se manifestam contra disposições essenciais da Lei Fundamental do País?

Para entender o que se passa, para nos esclarecermos sobre o que está em jogo nesta eleição, para nos decidirmos sobre o que fazer, interessa naturalmente procurar responder a perguntas como estas e só estamos em condições de responder conscientemente a tais perguntas, tomando contacto com aspectos fundamentais da nossa Constituição.
A nossa Constituição, Amigos, apesar de algumas limitações, é uma Constituição democrática que aponta para o socialismo.
Honra seja, pois, os nossos deputados que souberam, vencendo inúmeras dificuldades, constituir um poderoso instrumento de luta pela democracia e pelo socialismo.
Assim, logo no Artigo 16, se diz que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem
Ora, Amigos, talvez não se lembrem ou não saibam o que lhes vou contar: uma vez, na Avenida dos Aliados, houve uma manifestação, aí por 1950, desfeita à cacetada pelas várias polícias do regime fascista de Salazar e, em consequência disso, teve de ir para o Hospital, banhado em sangue, o nosso querido Companheiro, Arquitecto Lobão Vital.
Foi sobre ele, mais de que qualquer outro, que os fascistas mais descarregaram o seu ódio; e sabem porquê?
É que esse nosso Amigo tinha ajustado contra o peito, o livro intitulado "Declaração Universal dos Direitos do Homem".
Actualmente, a Constituição da República consagra essa Declaração no seu texto.
A Constitução dedica vários artigos aos direitos dos trabalhadores. Por exemplo, no seu artigo 53, declara-se que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, religião ou ideologia têm direito à retribuição do trabalho, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança, ao repouso e aos lazereres, ao descanso semanal e a férias pagas.
E atribui, no artigo 54, ao estado a incumbência de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito.
Pela primeira vez, os trabalhadores são objecto de preocupações especiais da Lei Fundamental do País.
No antigo regime, lembram-se como eram tratadas as comissões de trabalhadores? Quantas vezes foram perseguidas, espancadas, arrastadas para as cadeias e Tribunais Plenários!
Na nova Constituição, artigo 55, determina-se: «É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para a defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa, visando o reforço da unidade das classes trabalhadoras e a sua mobilização para o processo revolucionário de construção do poder democrático dos trabalhadores»
Os direitos dessas comissões são consagrados no artigo 56:

« a) Receber todas as informações necessárias ao exercício da sua actividade.
b) Exercer o controlo de gestão nas empresas.
c) Intervir na organização das unidades produtivas.
d) Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico - sociais que contemplam o respectivo sector.»

Compreendem, agora, Amigos, por que os partidos que defendem o grande capital estão contra a Constituição?
No artigo 57, que trata da liberdade sindical, preconiza-se que «as associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e gestão democráticas, baseadas em eleições periódicas e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação e assente na participação activa dos trabalhadores em todas os aspectos da actividade sindical

E mais adiante: «as associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.»
Quer dizer, os sindicatos pertencem a quem de direito, os sindicatos pertencem aos trabalhadores.
Estamos muito longe, Amigos, daquele tempo em que as direcções sindicais precisavam de ser homologadas pelo governo dos grandes patrões.
E também é importante, Amigos, notar que a Constituição defende a unidade das classes trabalhadores e a sua independência face aos partidos, quer dizer, a Constituição não facilita as aspirações de alguns partidos virem a ter os seus sindicatozitos para manipular.
Além disso, nos artigos 59 e 60, a Constituição garante o direito à greve e pribe o lock - out.
Por isso, é que os partidos do grande patronato não gostam ...
Os direitos da Juventude também não são ignorados. assim, no artigo 70, determina-se que os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, obrigando-se o Estado (artigo 73 e 74) a democratizar a educação e a cultura, a assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e a estabelecer progresssivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino e estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadores.
É claro agora, Amigos, porque é que os da alta burguesia e os restos da chamada nobreza convencidos de que o sangue não é vermelho, nem podem sequer ouvir falar na Constituição da República. É que o estímulo à formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras é realmente uma disposição autenticamente revolucionária que os representantes dos capitalistas não podem aceitar.
Mas terão que aceitar!
A coisa não melhora para os reaccionários, quando a Constituição se ocupa do fundamento da organização económico - social.
Assim, no artigo 80, proclama-se:

«A organização económico - social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialista»

Que saudades não terão os reaccionários do tempo em que tudo isto era linguagem subversiva!
Mas há mais: os meios que a Constituição preconiza para o desenvolvimento das relações de produção socialista, são, nem mais nem menos, que

«apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como os recursos naturais, eo exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.»

E na sequência disto, o artigo 83 garante:

«Todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras».

Isto significa, Amigos, que os que andam por aí a pregar contra as nacionalizações já feitad, estão contra a Constituição, estão ao serviço dos monopólios contra o Povo e contra a Lei Fundamental do País. Não podem, em hipótese alguma, receber o voto dos democratas conscientes.
Também não estão mais felizes os defensores dos grandes operários, uma vez que no artigo 96, a Constituição determina que

«A reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista»

e no artigo 97 diz que a transferência da posse da terra para aqueles que a trabalham será obtida através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas, a cooperativa de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores.
E tudo isto, ao mesmo tempo que, no artigo 99, salvaguarda os direitos dos pequenos e médios agricultores e os interesses dos emigrantes.
Por isso, é que os monopolistas e latifundiários e os seus porta-vozes - os representantes da direita - foram e são contrários à Constituição.
Por isso, se manifestam agora contra ela, aqueles que na Assembleia não puderam deixar de a aprovar, mas aprovaram-na talvez fazendo figas e de pé no ar ...
Uns e outros procuram confundir os pequenos e médios agricultores (que eles sempre exploraram), procuram induzi-los a tomar posição contra aquilo que os defende - a Constitução da República Portuguesa.
Os monopolistas e latifundiários também já não podem, segundo a Constituição, contar com a polícia, como nos tempos de Salazar e Caetano, porque, segundo a Constituição, artigo 272, «a Polícia tem por função defender a legalidade democrática e os direitos do cidadão.»

Bem, meus Amigos, parece que não será preciso dizer mais nada para concluirmos que a Constituição não só consagra conquistas populares como abre caminho a novas conquistas rumo ao socialismo.
Os trabalhadores e as suas comissões, as associações populares ganharam direitos de verdade e figuram repetidas vezes nas disposições da Lei Fundamental.
Os nossos deputados, os deputados dos grandes partidos operários, comunistas, socialistas e independentes conseguiram dotar o País dev uma Constituição democrática.
Merecem todos eles o nosso aplauso.
No entanto, a Constitução não se aplica por si mesma, não se defende a si própria.
Precisamos nós de a defender!
E não podemos confiar que vão defende-la os representantes dos monopolistas e latifundiários, aqueles que votaram contra.
Não podemos confiar que vão defende-la aqueles que já proclamam a necessidade de a alterar, que já se manifestam contra as nacionalizações, contra o controlo operário, contra a reforma agrária.

Não, amigos!

A Constituição, nas suas disposições mais progressistas, foi resultado da acção convergente dos deputados comunistas e socialistas.
É aos deputados comunistas e socialistas e aos deputados independentes que estão ao seu lado, que podemos confiar a sua defesa, do assalto que os fascistas, os capitalistas e seus aliadosestão preparando, pois que outra coisa poderão eles fazer senão conspirar contra a Constituição que, no seu artigo 46, declara absolutamente que não são consentidas organizações que perfilhem a ideologia fascista?
Por isso, é correcta a política que defende uma maioria de esquerda para governar o País.
Por isso, todos nós, partidários ou independentes, devemos votar na esquerda!
Mas atenção, Amigos, não vamos perder nossos votos. Vamos votar em quem dá garantias de consolidar as conquistas da Revolução e partir para novas conquistas. Não vamos votar no partido de quem já "decretou" que " a Revolução acabou", de quem decretou que "o PCP está cada vez mais pequeno", de quem "decretou que quer governar sozinho".
Vamos votar exactamente no grande partido da Resistência antifascista.

Vamos votar no PCP.

José Morgado