domingo, 21 de outubro de 2007

Um episódio da vida da engenheira Virgínia Moura na luta contra o fascismo

A Engenheira Virgínia Moura (a primeira mulher portuguesa que se formou em Engenharia), pela sua vida contra o fascismo, pela seriedade com que sempre encarou a sua opção política pelo Partido Comunista Português, pela firmeza do seu comportamento sempre que foi presa pela polícia política do Estado Novo, pelo seu espírito de sã camaradagem, pela alegria que soube cultivar e transmitir até nos momentos politicamente mais difíceis, pela lucidez da sua análise dos acontecimentos ocorridos no Mundo e das repercussões em Portugal, pelo seu respeito à diferença, merece que a sua memória seja homenageada por todos os antifascistas.
É sabido que, tanto a Engenheira como seu marido, Arquitecto Lobão Vital, foram várias vezes presos pela PIDE e foram mesmo impedidos de exercer as suas profissões. Para viverem, a Engenheira dava explicações de Matemática e o Arquitecto elaborava projectos de construções que não podia assinar; eram depois assinados por alguns dos seus amigos e colegas.
Virgínia Moura e Lobão Vital, não foram apenas presos pela PIDE; foram ainda violentamente agredidos pela Polícia de Segurança Pública. Vejamos um caso de uma tal agressão.
Em meados de Abril de 1950, cerca de um ano após a formação do Movimento Nacional Democrático (MND), a Comissão Central do MND (então constituída por Ruy Luís Gomes, Pinto Gonçalves, José Alberto Rodrigues, Virgínia Moura, Maria Lamas, Areosa Feio, Albertino Macedo e José Morgado), foi sujeita a julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa. Os 7 primeiros da C. Central acima indicados foram presos em 17 de Dezembro de 1949, por terem protestado energicamente contra a prisão do oitavo membro acima indicado em 5 de Novembro do mesmo ano, na cidade de Castelo Branco e, no mesmo dia, encarcerado no aljube de Lisboa.
A agitação que essas prisões provocaram em todo o País foi tão grande que, em 24 de Dezembro, todos os membros da Comissão Central foram postos em liberdade, embora sob fiança (pesada) e com acusações pelas quais teriam de responder em tribunal.
O julgamento foi marcado para 18 de Abril; no entanto, não chegou a realizar-se, porque o Promotor de Justiça, na abertura da audiência, declarou que s Réus haviam sido abrangidos pela Amnistia que o governo promulgara umas semanas antes. Os juízes, em face de tal declaração, mandaram pôr os Réus em liberdade.
Dois ou tr~es dias depois, partiram para o Porto o Prof Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura, acompanhada de seu marido. Os membros das Comissões de Freguesia, das Comissões Concelhias e da Comissão Distrital do MND do Porto, os membros das Comissões de trabalhadores e das várias Comissões do MUD Juvenil do Porto, compareceram em massa na Estação de S. Bento, para saudarem os três combatentes democráticos. Logo que o comboio entrou na estação, surgiram as aclamações populares e calorosos vivas à República, à Liberdade e ao Movimento Nacional Democrático.
Formou-se à saída da estação um numeroso cortejo e foi cantado o Hino Nacional.
A Polícia de Segurança Pública, presente em grande número, conseguiu isolar vários grupos de democratas e impediu que muitos manifestantes subissem a Avenida dos Aliados. A certa a Polícia começou a espancar barbaramente o grupo em que seguiam Ruy LUís Gomes, Virgínia Moura e Lobão Vital. Estes nossos amigosforam escandalosamente espancados, pisoteados e insultados.
Como conta o grande democrata José Silva, no seu livro intitulado Memórias de um Operário, 2º volume, pp. 305 - 306,

«Quando o Arqº Lobão Vital, junto de sua mulher e do Dr. Ruy Luís Gomes, se viu derrubado pelo brutal ataque da Polícia, nem mesmo ao sentir-se encharcado no seu próprio sangue, que lhe escorria da cabeça para o rosto, e ainda sob as botifarras da "Segurança" a massacrarem-lhe o corpo e os braços, largou das mãos um livro que é agora um troféu que certamente entrará um dia num Museu da História das Lutas Políticas em Portugal.
Esse volume que Lobão Vital defendeu com tanto arreganho das botifarras da Polícia, era a adição inglesa de OS DIREITOS DO HOMEM, aprovados na O.N.U., e que ficou todo empapado em sangue do seu portador.».

Naturalmente a Engenheira sofreu muito com a agressão brutal de que foi vítima e, mais ainda, com as agressões de que foram vítimas o Professor Ruy Gomes e, sobretudo, o seu Marido. Mais tais agressões não diminuiram a sua disposição de luta contra o fascismo - tais agressões reforçaram, se possível, a sua participação na luta.
A sua vida constitui um admirável exemplo para todos os antifascistas. Merece ser recordada, muito especialmente nos dias dedicados a assinalar a luta pela emancipação das mulheres.

José Morgado

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