terça-feira, 30 de outubro de 2007

Apresentação do livro intitulado "Nómadas e Sedentários na Ásia Central" de Miguel Urbano Rodrigues

Na Introdução ao seu livro Nómadas e Sendentários na Ásia Central, Miguel Urbano Rodrigues começa por nos dizer que possivelmente a ideia deste seu trabalho terá nascido em 1986, nas ruínas de uma antiquíssima cidade do Norte do Afeganistão.
A sua curiosidade natural e o seu espírito de observação levaram-no a formular várias perguntas às pessoas com quem foi tendo contacto, mas algumas dessas indagações não obtiveram resposta, porque as pessoas que interrogou não tinham tido interesse em se informar. Por exemplo, não conseguiu saber o nome da tal cidade arruinada, nem a época em que tinha sido construída.
Em face desta situação, Miguel Urbano, fez as seguintes considerações:

«Essas indagações, repetidas e ampliadas, estiveram na origem do interesse crescente que o cenário geográfico e histórico do Afeganistão me inspirou, quando a guerra ali me atraiu pela primeira vez em 1980. Para tentar compreender um pouco o presente, procurei subir pelo passado até onde me era possível. (...)
O interesse diversificou-se; o cenário ganhou outra dimensão. A Ásia Central passou a ser quase obsessão.
(...)
O fascínio por culturas justapostas, algumas antagónicas, foi germinando até se transformar em projecto, o desejo vago de passar, a reflexão escrita, a minha meditação descontínua sobre o movimento dos povos e o encontro e choque de civilizações, numa área de contornos fluidos, que tem por núcleo a Ásia Central, mas é mais ampla que ela.»

E mais adiante, miguel Urbano declara:

«Se este livro for bem recebido pelos jovens que, nas Universidades portuguesas se entregam com amor aos estudos históricos, se ele conseguir despertar-lhes o interesse pelo papel decisivo que a Ásia Central desempenhou durante dois milénios no processo de interacção de civilizações e, portanto, da evolução da Humanidade, sentirei que valeu a pena o esforço que me exigiu a sua elaboração.»

Estou inteiramente convencido de que esse esforço, que não foi pequeno, não será considerado um esforço perdido. Muito pelo contrário; trata-se de um esforço que despertará a curiosidade dos seus leitores atentos, trata-se de um esforço que motivará o aparecimento de novos trabalhos sobre o nascimento e evolução de civilizações de povos asiáticos ou até não asiáticos.
De facto, o cuidado que Miguel Urbano teve em não dissociar o estudo da Geografia do estudo da História dos povos asiáticos, o cuidado em incluir na Introdução o significado actual de cerca de 100 palavras ou expressões usadas em uma ou mais regiões da Ásia Central, mas não usadas ou muitíssimo pouco usadas em Portugal e noutros países de língua portuguesa, o cuidado que teve, ao longo das cerca de 40 páginas da Introdução, em formular perguntas ao leitor (em, de certo mod, conversar com o leitor), pondo-o a par de algumas dificuldades e, inclusivamente, de algumas questões a que o próprio Miguel Urbano declarou ainda não saber responder (mas não declarou que desistia de vir a saber), enfim, a grande seriedade de Miguel Urbano, tudo isto poderá motivar a elaboração de outros trabalhos sobre temas análogos ao tema do presente livro - a aventursa do homem na Ásia Central.
E uma tal motivação é tanto mais necessária quanto é certo qu, conforme pode ler-se na História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes (6ª ed., p. 328),

«está por estudar, sob o ponto de vista literário, como sob o histórico, a colecção de 61 volumes de documentos intitulada "Jesuítas na Ásia", existente [então] na Bibliuoteca da Ajuda, em cópias setecentistas de que recentemente se descobriram os originais em Madrid (vide Brotéria, vol. LXXXII, 1961, Janeiro)»

Quanto ao facto de Miguel Urbano fazer perguntas, a algumas das quais ainda não saber responder (apenas podendo talvez formular algumas hipóteses),convém lembrar uma passagem do livro de Lucien Fèbvre, intitulado Combats pour L'Histoire (Combates pela História, traduzido por Leonor Martinho Simões e Gisela Moniz, 3ª ed., Lisboa, 1989, Editorial Presença, Lda). Este livro contém os textos de vários artigos e conferências do seu Autor).
A conferência a que nos vamos referir intitula-se Viver a História e foi dirigida aos alunos da l' École Normale Supérieure, no princípio do ano lectivo de 1941.
Entre outras coisas, diz o seguinte (pp. 32 - 33):

«Se o historiador não põe a si próprio problemas ou, tendo-os posto, não formula hipóteses para os resolver - no que respeita a ofício, a técnica, a esforço científico, sou levado a dizer que está um tanto atrasado em relação ao último dos nossos camponeses, porque esses sabem que não convém lançar seus animais, em desordem, no primeiro campo que apareça, para eles pastarem ao acaso: mantêm-nos no cercado, prendem-nos à estaca, fazem-nos parsar mais aqui que ali. E sabem porquê?»

Há um certo exagero nesta afirmação de Lucien Febvre ...

*
A propósito da ligação entre entre História e Geografia, pode ler-se, na Introdução do presente livro de Miguel Urbano, o seguinte (pp 11 - 12):

«Historiadores portugueses do século XVI deram uma contribuição de grande valor para um melhor conhecimento, na Europa, de aspectos da Ásiareal, pondo fim a mitos que a desfiguravam. Benedicto de Goes, um jesuíta português, percorreu a Rota da Seda, e foi talvez o primeiro europeu a desfazer em 1603 confusões geográficas e históricas que nasciam da multiplicidade de nomes utilizadas para designar a China.
Nos últimos séculos a historiografia portuguesa fechou-se, porém, sobre a Índia, no tocante à Ásia, e mais concretamente sobre uma parcela da Índia. Da importância e significado do conjunto da obra produzida pelos estudiosos, da presença portuguesa no subcontinente, faz prova a opinião que, sobre esta,expressam alguns dos mais eminentes historiadores indianos contemporâneo»

Em vez de Benedicto de Goes, não será Bento de Goes?
Faço esta pergunta, porque é como Bento de Goes, e não como Benedicto de Goes, que um jesuíta português vem mencionado na Grande Eciclopédia Delta Larousse, na Enciclopédia Luso - Brasileira de Cultura, na Nova Enciclopédia Larousse e no vol. II da História de Portugal de A. H. de Oliveira Marques.
Não sei se terá acontecido que, atendendo à proximidade de significados das palavras Bento e Benectido, ambos os nomes, Bento de Goes e Benectido de Goes, tenham sido usados por uma mesma pessoa!...
A propósito de um melhor conhecimento, na Europa, de aspectos da Ásia real , talvez fosse interessante fazer uma alusão, naturalmente breve, ao célebre livro Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. E digo alusão, naturalmente breve, porque Fernão Mendes Pinto não é considerado um historiador.
No entanto,
na Nova Enciclopédia Larousse, diz-se que

«O testemunho documental da Peregrinação, para além do seu valor artístico, é valiosíssima, pelos relatos não só dos costumes chineses, japoneses e de outros povos asiáticos, mas também pelo retrato que faz, nem sempre abonatório, da presença portuguesa no Oriente do século XVI.»

Na Grande Enciclopédia Delta Larousse, pode ler-se que

«Fernão Mendes Pinto incorre por vezes em exagerações fantasiosas que, por serem tais e tantas, deram origem ao conhecido jogo de palavras: "Fernão! Mentes? Minto." Todavia, como observam vários historiadores modernos, em todas as fantasias que nos relata há muito de verdadeiro, e sua obra constitui um dos mais ricos repositórios de informações sobre a época e os costumes antigos das regiões que percorreu.
(...)
A Peregrinação foi traduzida, logo depois da sua publicação, para a maioria das línguas cultas do mundo, fazendo de Fernão Mentes Pinto um dos escritores portugueses mais divulgados internacionalmente.»

Na pág. 26 do vol. II da História de Portugal , de Oliveira Marques, diz-se que:

«O maior de todos os viajantes portugueses da primeira metade do século XVI foi, sem dúvida, Fernão Mendes Pinto, aventureiro em busca de fortuna, que visitou o sudoeste asiático, a China, o Japão, em longos percursos que lhe ocuparam dezassete anos de vida (1537 - 1554). A sua peregrinação, só publicada em 1614, combina uma boa dose de imaginação e de fantasia com grande parte de informes verídicos e palpitantes de vida. Com justiça tem sido apodado de Marco Polo portugues.»

Na História de Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes (pp 319 - 320; da 6ª edição) pode ler-se:

«O mais interessante livro de viagem do século XVI português e um dos mais interessantes da literatura mundial é a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (~1510 - 1583).
(...)
Podem distinguir-se na Peregrinação capítulos que se inspiram evidentemente na experiência directa e capítulos que são reconstrução a partir de fontes literárias e outras igualmente indirectas. Está no primeiro caso a descrição do Japão, ou antes, dos meios aristocráticos japoneses, de que F.M.P. apreendeu com finura feições típicas, como o espírito guerreiro, a cortesia fidalga, a fúria da honra, e outros - antecipando-se aos observadores exotistas do século XIX. Está no segundo caso a descrição da China, prodigiosa civilização que o espanta e cuja superioridade ele procura explicar pela história, leis, normas morais e preceitos religiosos. Esta descrição da China é na realidade o esboço de uma utopia, e antecipa-se à crítica social mediante contrastes de civilizações, tão praticada no século XVIII.
O exotismo de F. M. Pinto resulta do seu interesse incessante pelas formas das civilizações que percorreu. Mas, ao contrário do que sucede com a maior parte da literatura exótica do séc. XIX, não se trata de um simples desfrutador de curiosidade. Não tem o preconceito de superioridade da sua civilização ou de sua raça, e por isso assume facilmente perante os orientais uma atitude admirativa e humilde que o leva, por exemplo, a desejar que as leis de China sejam imitadas em Portugal. A isenção de preconceitos raciais, nacionais ou religiosos, juntamente com a atitude crítica que nunca abandona, revelam-se ao pôr na boca das suas personagens orientais as opiniões e comentários mais depreciativos acerca dos Europeus. Para eles, estes homens brancos e barbados não passam de vagabundos miseráveis ou de salteadores bárbaros, sem educação, sem humanidade sem verdadeira religião.»

*
A propósito da historiografia nacional, recordemos que, para Oliveira Martins, ela apresenta três épocas sucessivas de considerável extensão, mas todas efémeras, pois, em nenhuma delas, se conseguiu fixar uma tradição, mais precisamente, fundar uma escola. (Ver "História de Portugal", de Oliveira Martins, 11ª ed. pp. 327 - 328, 2º vol.)
A primeira é a Academia de História (1720 - 1731), a que presidiu o membro da Ordem dos Clérigos Regulares, D. António Caetano de Sousa, com a sua História Genealógica.
A segunda é a da Academia das Ciências (1780 - 1796), a que presidiu o historiador João Pedro Ribeiro, cónego das sés de Porto, Viseu e Faro, lente da Universidade de Coimbra e considerado fundador da Ciência Diplomática; foi autor de várias obras, nomeadamente a Dissertação Cronológica, as Reflexões, etc.
Finalmente, a terceira é a de Alexandre Herculano, com a sua História de Portugal.
Depois da História de Portugal de Herculano, a historiografia nacional extingue-se; isto não significa que não tenham aparecido trabalhos valiosos de História - apareceram alguns, mas o que não apareceu foi um conjunto de historiadores suficientemente grande e resoluto, que assumisse a responsabilidade de continuar a enfrentar as dificuldades dos trabalhos históricos.
Joaquim Barradas de Carvalho, no seu livro intitulado Da História - Crónica à História - Ciência (Colecção Horizonte nº 16, 1972, p. 90) informa que Alexandre Herculano caracterizou a sua História de Portugal como «a primeira tentativa de uma história crítica de Portugal» e informa ainda que António Sérgio aceitou esta caracterização de Herculano. No livro de António Sérgio, intitulado Breve Interpretação da História de Portugal (p.141) pode ler-se:

«A sua História (1846 - 1853) e o Verdadeiro Método de Estudar, de Verney (1747), são os dois livros capitais da cultura portuguesa, depois da época do Renascimento.»

De acordo com a opinião de Barradas de Carvalho, foi com Herculano que nasceu em Portugal a historiografia científica, pois, até então, a historiografia existente em Portugal não diferia profundamente daquela que faziam os cronistas medievais ou renascentistas, sejam eles Gomes Eanes de Azurara ou João de Barros, Rui de Pina ou Damião de Góis.
E Barradas de Carvalho teve o cuidado de explicar o motivo pelo qual não incluiu Fernão Lopes no seu conjunto dos cronistas mencionados. É que, conforme assinala barradas de Carvalho,

«Em Fernão Lopes existe o cronista, mas já existe também o historiador. Na Crónica de D. João I, Fernão Lopes é cronista quando se ocupa de Nuno Álvares Pereira, o seu herói individual, de quem faz incondicionalmente o panegírico, tal como Zurara o faz para o Infante D. Henrique; é já historiador, como nenhum outro cronista, quando personifica a cidade de Lisboa, quando se ocupa do povo de Lisboa na Revolução de 1383, quando se ocupa do povo português, o seu herói colectivo; fica entre o cronista e o historiador, fica na transição da crónica à história, quando se ocupa de D. João I, mestre de Avis e rei de Portugal, por ele sempre criticado, o seu anti - herói, se assim lhe podemos chamar.
(...) O caso extraordinário, e mesmo inesperado, que nos parece ser o de Fernão Lopes, só poderá ter a sua explicação, se atentarmos no facto de que ele foi o cronista da Revolução de 1383, a primeira revolução burguesa da história da humanidade, `escala de uma nação.»

No capítulo Sobre história e ciências humanas, título de uma palestra realizada por Barradas de Carvalho, em 20 de Março e em 3 de Abril de 1968, no Anfiteatro Fernand Brandel, do Departamento de História para alunos do 1º ano do Curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, texto incluído no livro Da História -Crónica à História - Ciência, afirma-se, a certa altura o seguinte (p.66):

«A história, ciência das ciências do homem, a história, ciência fundamental entre as ciências sociais, ciência fundamental entre as ciências humanas, surge-nos, na verdade, muito logicamente - tal como a física teórica - como menos operacional de que qualquer das restantes ciências sociais, menos operacional do que qualquer das restantes ciências humanas. Menos operacional do que a geografia, menos operacional do que a economia, menos operacional do que a sociologia, menos operacional do que a política, menos operacional do que a psicologia.
Mas, entretanto, a prática colocou, relativamente, em dificuldade a teoria, a prática colocou, relativamente, em dificuldade a lógica desta nossa exposição. Para citarmos a amostra mais representativa, poderemos dizer que a historiografia francesa contemporânea, melhor, o sector verdadeiramente significativo, de vanguarda, da historiografia francesa contemporânea, modificou, transformou, revolucionou, relativamente, na prática, aquilo que nos parecia o quadro lógico.»

E Barradas de Carvalho continua, afirmando:

«O movimento esboçado por Henri Berr, com La Synthèse en Histoire e verdadeiramente lançado por Lucien Fèbvre e Marc Bloch - agora sob a direcção de Fernand Braudel, para s´citar os nomes mais expressivos - com a revista Annales (Économies - Societés - Civilisations) e com a VI Secção (Ciências Económicas e Sociais) da Escola Prática de Altos Estudos da Universidade de Paris, veio modificar substancialmente o esquema lógico a que nos referimos. E veio modificá-lo na medida em que desapareceram quase por completo as barreiras entre as diversas ciências humanas, entre as diversas ciências humanas, entre as diversas ciências sociais. Na medida em que se atenuou de maneira quase total a distinção entre a história e a geografia, a história e a economia, a história e a sociologia, a história e a política, a história e a psicologia, poderemos dizer que a história, as ciências históricas deixaram de ser tão menos operacionais do que as restantes ciências sociais, as restantes ciências humanas. Deixaram de ser tão menos operacionais, mas não deixaram de ser - está na sua natureza mesma - a ciência fundamental entre o complexo e variado naipe das ciências sociais, das ciências humanas.»

Heri Berr (1863 - 1954) - Foi Professor e teórico de História, que, em vários trabalhos, combateu o eruditismo como forma menor de investigação. Considerava a Síntese Histórica como a principal operação a realizar, devendo esta orientar-se pelo princípio da interacção das causas. Foi Director do Centro Internacional de Síntese e da Revue de Synthèse Historique (1900 - 1930), depois Revue de Synthèse (1930)
(Nova Enciclopédia Larousse, vol 4)

Lucien Febvre (1878 - 1956) - Historiador francês e professor da Universidade de Estrasburgo e do Colégio de França. Defensor das mais modernas concepções de historiografia, fundou com Marc Bloch os Annales d' Histoire Économique et Sociale. Foi continuador do pensamento de Henry Berr na Revue de Synthèse. Desde 1933, concebeu e orientou a Encyclopédie Française.
(Nova Enciclopédia Larousse, vol. 10)

Marc Bloch (1886 - 1944) - Professor de História Económica na Sorbonne; entrou para a Resistência Antifascista em 1942. Foi preso pela Gestapo e fuzilado, sem julgamento pelos nazis em 16 de Junho de 1944 (Ver Combates pela História, de Lucien Febvre, pag 241)

Fernand Braudel (1902 - 1985) - Historiador francês, foi Professor no Colégio de França, fundou a revista Annales juntamente com L. Febvre e Marc Bloch. Abriu a história ao estudo dos fenómenos de longa duração.
(Nova Enciclopédia Larousse, vol. 4)

Fernand Braudel é considerado um dos entusiastas da historiografia contemporânea. No seu livro Escritos sobre a História (tradução de Francisco Paiva Boléo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1997), escreveu (p.81):

«Esta busca de uma história não factual [i.e., não limitada aos factos singulares] impôs-se de uma maneira imperiosa no contacto com as outras ciências do homem, contacto inevitável (as polémicas são prova disso) e que, em França, se organizou a partir de 1900, graças à maravilhosa Revue de Synthèse historique de Henri Berr, cuja leitura, retrospectivamente, é tão emocionante; a seguir, a partir de 1939, graças à vigorosa e muito eficaz campanha dos Annales de Lucien Febvre e Marc Bloch. A história dedicou-se desde então, a observar tanto os factos que se repetem como os singulares, tanto as realidades conscientes como as inconscientes. O historiador quis, desde então, ser e foi economista, sociólogo, antropólogo, demógrafo, psicólogo, linguista ... Estas novas ligações de espírito foram, simultaneamente, ligações de amizade e de coração. Os amigos de Lucien Febvre e de Marc Bloch, fundadores, animadores também eles dos Annales constituiram um colóquio permanente das ciências do homem, de Albert Demaugeon e de Jules Sion, os geógrafos, a Maurice Halbwachs, o sociólogo, de Charles Bloudel e de Henri Wallon, os psicólogos, a François Simiand, o filósofo - sociólogo - economista. Com eles, a história dedicou-se, bem ou mal, mas de maneira decidida, a todas as ciências do humano; ela quis-se, com os seus chefes de fila, uma impossível ciência global do homem. (...) Desde então, a história continuou nesta mesma linha a alimentar-se das outras ciências do homem.»

*

Já antes dissemos que este livro de Miguel Urbano, pelo modo como tratou o tema escolhido, pode motivar a elaboração de outros livros sobre temas análogos ao tema deste.
Este livro mostra que o seu Autor adquiriu uma grande experiência na divulgação da História política. De facto, Miguel Urbano não começou com este livro a sua vida de escritor em luta pela Democracia e pela Paz.
A sua luta já vem de longe. Só em em dois dos seus livros há anos publicados,
Da Resistência à Revolução, em 1975, e
Revolução e Vida, em 1978

podemos ler 75 artigos (40 no 1º livro e 35 no 2º), artigos que contêm textos publicados em jornais, essencialmente dedicados à luta contra o fascismo, contra o colonialismo, contra o imperialismo, especialmente o imperialismo americano, o mais perigoso de todos.
Com a leitura desses artigos, podemos aprender muito: aprender a lutar pela democracia,com firmeza e sem sectarismo.
A sua actividade política constitui um belo exemplo de amor à liberdade, à democracia, à solidariedade humana, ao socialismo; ao socialismo autêntico - não (evidentemente!) àquele socialismo que alguém muito apregoa, mas que o encerrou alegremente numa gaveta e nunca mais pensou em retirá-lo de lá ...
Peço licença, meus amigos, para terminar estas palestra, recordando uma frase que Miguel Urbano escreveu no fim do último artigo publicado no livro intitulado Revolução e Vida. A frase é a seguinte:

«Só a esquerda unida poderá desbravar a estrada que conduz ao socialismo.»

José Morgado

domingo, 28 de outubro de 2007

Discurso, no Coliseu do Porto, no Encerramento da Campanha da FEPU para as Eleições Autárquicas

Amigos!

Vamos no próximo domingo eleger os órgãos de poder local.
Pela natureza especial destas eleições, não se trata de uma prova de força entre os diversos partidos, dado que estas eleições não têm uma feição marcadamente partidária. Mas trata-se, sem dúvida de uma prova de força, por meios pacíficos, entre os que querem consolidar a Revolução e os que querem liquidar a Revolução.
Logo após o 25 de Abril, o Povo impôs o saneamento das autarquias locais, escolhendo directamente, em muitas localidades, comissões administrativas democráticas, atribuindo-lhes a incumbência de resolver alguns dos problemas mais prementes das populações.
Apesar da incompreensão e resistências muitas vezes encontradas em departamentos oficiais, tais comissões conseguíram, em muitos casos, realizar obra meritória, adquirindo apreciável treinamento de gestão democrática.
O estabelecimento de ligações entre essas comissões e organizações unitárias de base, tais como assembleias populares, comissões de moradores, comissões de aldeia, comissões de trabalhadores, revelou-se extraordinariamente fecundo, provocou um dinamismo especial em todas essas comissões, constituiu uma experiência importante a incorporar à experiência revolucionária do Povo Português.
Estes factos apontam naturalmente um caminho: é na base de um largo movimento unitário democrático que se deve, para defender a Revolução, concorrer às eleições para as autarquias locais. Foi a consciência desta necessidade que fez com que o PCP, o MDP, a FSP, democratas independentes se agrupassem na FRENTE ELEITORAL POVO UNIDO.
Nos primeiros dias após o 25 de Abril, a reacção ficou inteiramente desorientada, paralisada pelo medo das massas populares em movimento. No entanto, o desenrolar dos acontecimentos mostrou-lhe que havia na Revolução alguns sectores politicamente mais débeis ou menos dispostos a levar a Revolução até às suas consequências naturais. Por isso, a reacção começou a desenvolver as suas actividades primeiro encapotadamente, depois mais abertamente, consoante as possibilidades que o descaso de uns e a fraqueza de outros lhe ofereciam.
Manejando com mestria as suas armas específicas - a intriga, a calúnia contra revolucionários civis e militares, o empolamento agressivo das diferenças de opinião verificadas entre antifascistas, a radicalização das naturais divergências entre partidos democráticos, o aproveitamento da legislação fascista ainda não revogada, a formação de grupos provocatórios, a coordenação da actividade de tipo legal, por intermédio de partidos da direita, com a actividade clandestina da conspiração e do terrorismo - tudo a reacção tem usado oara recuperar o poder.
A campanha eleitoral para as autarquias locais tem sido largamente aproveitada pela reacção para reforçar a sua ofensiva contra a consolidação da Democracia.
Mobilizando os seus caciques, arregimentando os elementos da administração fascista a quem não foram retirados os direitos políticos, utilizando o poder económico, usando e abusando da complacência do governo para com a imprensa fascista, complacência que foi ao ponto de se afirmar que não iria haver leis contra a imprensa fascista, a reacção prepara-se afanosamente para se apoderar das autarquias locais; prepara-se para, através das autarquias locais, ditar a sua lei em importantes regiões do País, impor a sua ordem, suprimir as liberdades nessas regiões, partir de uma posição de força para exigir mudanças de política ou mudanças na própria constituição do governo.
A conquista das autarquias locais é, para reacção, uma etapa importante para tentar a conquista do poder, para forçar a liquidação da Revolução.
Poderá o Povo contar inteiramente com o governo como aliado para fazer fracassar os propósitos da reacção?
O governo, voluntariamente minoritário, voluntariamente sem força parlamentar, voltando deliberadamente as costas aos seus aliados naturais, tem-se revelado, em face da reacção, de uma debilidade confrangedora, de uma debilidade vizinha da cumplicidade, ao mesmo tempo que trata com sobranceria e arrogância as maiores vítimas da reacção.
No art.º 185, nº 2, da Constituição da República, determina-se:
«O Governo define e executa a sua política com respeito pela Constituição, por forma a corresponder aos objectivos da democracia e da construção do socialismo.»
Ora, em nosso entender, os ayaques sistemáticos à esquerda e os actos de conciliação com a direita, praticados por alguns membros do actual governo, não correspondem aos objectivos da democracia e da construção do socialismo.
Alguns dirigentes do partido governamental excedem-se em grosserias à esquerda e salamaleques à direita. Quase que tudo se passa como se eles fossem os portavozes da reacção e não dirigentes responsáveis de um grande partido democrático, o partido socialista. Assim, tais dirigentes, não só repelem tentativas sérias de unidade na acção das forças progressistas (como a FRENTE ELEITORAL POVO UNIDO), como até, valendo-se dos cargos que ocupam no governo, numa total falta de compostura, recorrem aos órgãos de comunicação social, para atacar e caluniar a FRENTE ELEITORAL POVO UNIDO.
Uma tal grosseria resulta ainda mais grave por ter sido feita em época eleitoral e não se ter permitido usar o direito de resposta pelo mesmo meio de comunicação social, apesar de o art.º 37, nº 4, da Constituição da República determinar:
«A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta.»
Por que motivo alguns dirigentes do partido governamental recusam a unidade da esquerda? Será por incompreensão dos perigos da reacção? ou por sectarismo?
Será que, em vez destas perguntas, deveremos antes perguntar com quem mantêm diálogo ou com quem fazem unidade alguns dirigentes do partido governamental?
Um dia o Povo Português saberá a resposta correcta a estas perguntas, um dia saberá até onde pode ir quem defende a ideia de que o capitalismo europeu e americano estão interessados em ajudar a construir o socialismo em Portugal.
Apesar de todas estas dúvidas, queremos ainda acreditar que dirigentes de um grande partido democrático, como o partido socialista, reconsiderem suas atitudes e resolvam dialogar com vistas à formação de um governo da maioria de esquerda, necessário à construção do socialismo na nossa Pátria.
Mas, de momento, a verdade é que, em nosso entender, o Povo não pode contar inteiramente com o governo para o defender das manobras, dos ataques, das conspirações da reacção. Tem de contar sobretudo com as suas próprias organizações, com a FRENTE ELEITORAL POVO UNIDO e com os agrupamentos políticos que a apoiam, para derrotar a reacção, desarticular o caciquismo e acabar com a corrupção.
Mau grado as dificuldades encontradas, há fortes motivos para termos confiança. Com efeito, as listas do POVO UNIDO foram elaboradas numa ampla base unitária e com larga participação popular. Delas fazem parte muitos cidadãos independentes e um número apreciável de cidadãos afectos ao partido socialista.
Unidos em torno de reivindicações específicas das freguesias e concelhos a que pertencem, muitos milhares de pessoas souberam ultrapassar eventuais limitações partidárias, dando um alto exemplo de clarividência, dedicação e civismo.
Qualquer que seja o resultado do acto eleitoral, as relações criadas, os problemas discutidos, a convivência cívica estabalecida como resultado da acção do POVO UNIDO, constituem um poderoso incentivo para o prosseguimento da luta pela formação de um governo que pratique de facto uma política que abra caminho ao socialismo.
Amigos socialista, com ou sem partido!
Em nosso entender, vós, tanto como nós próprios, estais interessados em derrotar a reacção e construir o socialismo na nossa Pátria.
Por isso mesmo, e sem prejuízo da vossa posição, partidária ou não, vinde connosco eleger, para as autarquias locais, os cidadãos que figuram nas listas do POVO UNIDO. Vamos todos juntos eleger, para a Câmara do Porto, Raul de Castro e seus companheiros! Vamos, todos juntos, eleger, para a Assembleia Municipal do Porto, Ruy Luís Gomes e seus companheiros!

VIVA A FRENTE ELEITORAL POVO UNIDO!

José Morgado

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Francisco Gomes Teixeira.Grande Matemático e Grande Professor

Francisco Gomes Teixeira, filho de Maria Madalena Machado e Manuel Gomes Teixeira, nasceu em 28 de Janeiro de 1851, em S.Cosmado, concelho de Armamar, distrito de Viseu. Teve dois irmãos: Pedro, que foi engenheiro militar e Sebastião, que foi, como seu pai, comerciante em S. Cosmado. Francisco Gomes Teixeira casou com Ana Arminda e este casal teve três filhas: Helena Meira, Berta Machado e Maria Vitória. Berta e Maria foram professoras de Matemática. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira informa que «seus pais destinavam-no primitivamente ao sacerdócio e, com esse fim, estudou primeiro na sua terra natal e depois no Liceu de Lamego; ao cabo de algum tempo, porém, um seu parente, Dr. Francisco Maria de Carvalho, médico, aconselhou os seus pais a aproveitarem as suas tendências para a ciência dos números, desde muito cedo revelada. Consultado o jovem Francisco mostrou-se hesitante, ou melhor, indiferente, entre seguir a carreira eclesiástica ou a matemática, pelo que seu pai resolveu recorrer às sortes, para a resolução do caso. A Matemática venceu a Teologia e matriculou-se Francisco Gomes Teixeira matriculou-se em Matemática na respectiva Faculdade da Universidade de Coimbra, em 1869.
Fez um curso brilhantíssimo, concluindo a formatura em 1874 com a classificação de 20 valores e doutorou-se em Matemática em 18 de Julho de 1875.» O livro do professor universitário e escritor Henrique Jardim de Vilhena (1879 -1958), intitulado O Professor Doutor Francisco Gomes Teixeira, menciona mais de 280 trabalhos de Gomes Teixeira, nos quais mais de 140 são de investigação. O primeiro destes trabalhos, Desenvolvimento das funções em fracções contínuas, foi elaborado em 1871, quando era ainda estudante.
Gomes Teixeira teve sempre a preocupação, não só de investigar, mas também de divulgar matemática. Em 1877 fundou o Jornal de Ciências Matemáticas e Astronómicas (cuja direcção assumiu) jornal que foi incorporado desde 1905 nos Anais Científicos da Academia Politécnica do Porto, intitulado desde 1929 Anais da Faculdade de Ciências do Porto, cuja direcção manteve até 1932.
Como se sabe, o físico francês Louis de Broglie (1892 - 1987), prémio Nobel da Física, num discurso proferido em 10 de Setembro de 1959, (...) achou por bem utilizar a seguinte afirmação do filósofo francês Charles Péguy (1873 - 1914) feita já cerca de meio século antes:

«Não há nada tão contrário às funções da Ciência como as funções do ensino, visto que as funções da Ciência exigem uma perpétua inquietação, enquanto que as funções de ensino exigem uma segurança imperturbável »

Louis de Broglie não se limitou a transcrever a afirmação do filósofo Charles Péguy - apoiou tal afirmação, quando proclamou que

«A investigação comporta necessariamente uma perpétua inquietação, o ensino tende por si próprio para uma segurança imperturbável que é o oposto da inquietação. É isto que Charles Péguy tinha impresso com clareza e muita sagacidade na frase que me serviu de tema»

Ora, uma coisa é um dado investigador não gostar de exercer funções docentes e outra coisa muito diferente é proclamar que entre a investigação e o ensino há uma oposição inelutável.
Por exemplo, o grande matemático Carl Friedrich Gauss não gostava do ensino; ele mesmo declarou

«Minha aversão ao ensino é facto consumado; a perene tarefa do professor de matemática, em rigor, resume-se ao ensino do ABC da sua ciência.» (Ver "A Magia dos Números" de Paul Karlson, p. 201)

No entanto, Gauss não proclamou a existência de uma oposição invencível entre investigação e ensino.
A vida e obra de Gomes Teixeira constituem, sem dúvida, um desmentido `afirmação de Charles Péguy sobre a existência de uma oposição invencível entre ensino e investigação. De facto, Gomes Teixeira foi considerado o primeiro matemático da Península Ibérica, no seu tempo, em consequência dos seus trabalhos de investigação e foi considerado também um grande professor, como assinalou Duarte Leite no artigo que publicou nos Anais da Faculdade de Ciências do Porto, vol. XVIII, pp 193 - 207, em 8 de Fevereiro de 1934, precisamente um ano após o falecimento de Gomes Teixeira.
Duarte Leite foi professor durante vários anos na Academia Politécnica do Porto e, a partir de 1911, na Faculdade de Ciências do Porto. Tinha-se formado nas Faculdade de Matemática e de Filosofia da Universidade de Coimbra (1885); foi diplomata (embaixador de Portugal no Rio de Janeiro de 1914 a 1931) e foi também historiador, tendo escrito "OS falsos precursores de Cabral" e vários trabalhos sobre os descobrimentos, que foram postumamente incluídos em "História dos Descobrimentos", 2 volumes, 1955 - 1962.
O livro intitulado Faculdade de Ciências do Porto, publicado em 1969, dá os títulos de 26 trabalhos de Duarte Leite, incluindo 4 relativos aos descobrimentos.
No artigo que escreveu sobre Gomes Teixeira, Duarte Leite, afirma o seguinte:

«Isento de severidade na avaliação das provas escolares, sempre tem presente o preceito pedagógico de estimular a curiosidade e o interesse do discípulo. Isto pode testemunhar a minha experiência pessoal e a de vários outros, que ele animou, como a mim, aos primeiros ensaios matemáticos. Tinha o amor da sua profissão que exerceu com proficiência e elevação, temperando com bondade natural a frieza necessária ao juiz; e dest'arte soube ganhar não só a admiração, como o respeito e a estima de gerações que receberam suas lições e o influxo do seu saber.
Foi o ensino que mostrou a bússula que o norteou nas suas pesquisas no campo da análise, à qual consagrou 30 anos de incessante produção.»

Estes seus trabalhos foram distribuídos, para efeitos de publicação, por nada menos de 46 revistas e colectâneas científicas, entre as de maior nome e mais difícil acesso, tais como: Journal de Liouville, nome pelo qual se tornou conhecido o Journal de Mathématiques Pures et Appliqueés, fundado em 1836 pelo matemático francês Joseph Liouville (1809 - 1882) e por ele dirigido até 1874 e onde ele publicou a maior parte dos trabalhos que elaborou sobre Teoria dos Números, Geometria e Física; o venerável Journal de Crelle, nome pelo qual ficou conhecido o Jounal für die reine und angewandte Mathematik (Jornal para a Matemática Pura e Aplicada) fundado em 1826 por August Leopold Crelle (1780 - 1855), em cujo primeiro número número são publicados 5 trabalhos de Abel e em cujo segundo número é publicado é publicado o trabalho de Abel que deu origem à teoria das funções duplamente periódicas; Acta Matemática fundado em Estocolmo por Miltag Leffler (1846 - 1927); o Quarterly Journal, cujo nome completo actual Quarterly Journal of Pure and Applied Mathematics, fundado em 1839 com o nome Cambridge Mathematical Journal, tornou-se Cambridge and Dublin Mathematical Journal, de 1846 a 1854 e, em 1855 tomou o nome completo acima indicado. Colaborou ainda nas publicações da Academia das Ciências de Lisboa, no Instituto de Coimbra e, até 1905, na revista que fundou, a que já nos referimos.
No artigo de Duarte Leite, pode ainda ler-se:

«A abundante e valiosa colaboração nas revistas matemáticas e as consequentes relações epistolares e pessoais trouxeram-lhe a satisfação de pertencer a mais de 15 corporações científicas de relêvo , de França, Itália, Alemanha, Bélgica, Espanha, Rússia, Techecoslováquia e de nações extra - europeias; assim de como conquistar os títulos de Doutor honoris causa pelas universidades de Madrid e de Toulouse e de membro honorário da Faculdade de Ciências de Lima [capital do Perú]»

Gomes Teixeira teve muitos outros títulos honoríficos, cargos importantes,condecorações e prémios, por exemplo: prémio D. Luis I, prémio, fora de concurso, da Academia das Ciências de Madrid, 1895; prémio da Academia de Ciências de Madrid, em concurso, 1990; prémio Binveut, de História das Ciências , da Academia das Ciências de Paris, 1917.
Para a concessão deste prémio foi decisivo o Relatório escrito de Paul Appell, em que sublinhou a alta importância da obra de Gomes Teixeira, nomeadamente o Tratado das Curvas Especiais Notáveis.
E o artigo de Duarte Leite termina assim:

«... a sua alma se imbuía de bondade efusiva, e não dava abrigo às baixesas da inveja e da maleficência. Teve o culto desinteressado da ciência. Por entre os triunfos que lhe valeram seus grandes talento e saber, vivem nas serenas alegrias do trabalho e do dever cumprido, confortado com o acatamento de seus concidadãos.
Foi um benemérito da pátria. Gloriemo-nos da sua obra, veneremos-lhe a memória, sigamos-lhe os nobres exemplos»

Porto, 10/02/00 José Morgado
Centro de Matemática
Universidade do Porto
[NOTA. O manuscrito que disponho encontra-se em mal estado)


quinta-feira, 25 de outubro de 2007

No 75º Aniversário do Partido Comunista Português

Amigos!

É com grande prazer e com grande emoção que saudamos o 75º aniversário do Partido Comunista Português.
Recordamos, neste momento, muitas e abnegadas lutas desencadeadas pelo Partido Comunista Português, durante os duros anos da ditadura de Salazar e de Caetano - lutas pelas liberdades democráticas, pelo pão e pelo trabalho, pela independência nacional e pela paz. Recordamos também, neste momento, muitos amigos e companheiros que já não vivem e prestamos sentida homenagem à memória dos patriotas que perderam a vida na luta contra o fascismo.
Admiramos a rica experiência de luta do Partido Comunista Português e a sua longa experiência de mobilização popular para luta por um futuro melhor para a nossa pátria.
Admiramos a rica experiência de luta do Partido Comunista Português para encontrar consensos em torno dos quais se uniram e se unem democratas de tendência diversas, para uma luta comum. Tal capacidade provém naturalmente da seriedade de convicções dos comunistas portugueses e do seu respeito pelo direito à diferença, isto é, provém da aliança entre convicções sérias, não sectárias, e o respeito pelo direito à diferença de opiniões sérias, ponderadas, de outros democratas.
Admiramos a capacidade do Partido Comunista Português para aprender com a experiência das grandes realizações e conquistas, aprender com as vitórias e com as derrotas, quer suas quer alheias. De tais realizações e conquistas, de tais vitórias e derrotas, o Partido Comunista Português te colhido uma preciosa lição que tem sido, e pode eventualmente voltar a ser, traduzida criativamente numa nova demarcação de objectivos, de acções a desenvolver, sempre com salvaguarda da fidelidade ao seu princípio fundamental: a construção, em Portugal, de uma sociedade socialista.
Saudamos a fidelidade do Partido Comunista Português ao seu princípio fundamental, que consiste na construção, em Portugal, de uma sociedade socialista.
Há quem confunda (ou pretenda que se confunda) a fidelidade dos comunistas portugueses a este princípio fundamental, com dogmatismo, inacapacidade de discussão. Ora o Partido Comunista Português não é dogmático; tem sabido encontrar respostas adequadas para as novas situações que têm surgido e não recusa - pelo contrário, procura - discutir, com democratas não comunistas, os problemas com que o povo português se depara.
Estas confusões são, muitas vezes, provocadas, inconscientemente ou não, por quem não tem sido, na sua vida política, muito fiel aos princípios que proclama ...
Ao contrário, talvez, do que alguns esperavam ou desejavam, o Partido Comunista Português não meteu, não mete, nem meterá o comunismo na gaveta ...
O Partido Comunista Português não mudou de nome, não e não mudará, quando surgiram, surgem ou surgirão novas dificuldades, em Portugal ou onde quer que seja: não ignora as dificuldades, enfrenta-as, estuda-as e acaba por vencê-las!
O Partido Comunista Português respeita muito e até se orgulha do nome que tem: é comunista e é português.
Por isso mesmo, redobramos aqui as nossas saudações!

Viva o 75º aniversário do Partido Comunista Português!

José Morgado

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Vasco Gonçalves Contra a Recuperação Capitalista

Ao longo dos catorze meses que esteve à frente do Governo (desde 18 de Julho de 1974 a 11 de Setembro de 1975), Vasco Gonçalves sempre defendeu a união POVO - MFA.
Quaisquer que tenham sido as dificuldades da sua acção como governante, Vasco Gonçalves sempre foi leal ao MFA. Por isso, a luta pelo fortalecimento da união POVO - MFA foi naturalmente uma constante em toda a sua acção política.

«O MFA não faz revoluções contra o povo, nunca na História se fizeram revoluções contra a vontade do Povo; o que por vezes aconteceu foi classificar-se de revoluções as readaptações das classes dominantes, mas é preciso que a vontade do Povo coincida com os interesses do Povo, sem o que, essa vontade pode tornar-se objectiva e inconscientemente contra - revolucionária.
Os trabalhadores portugueses foram desde o 25 de Abril de 1974 os grandes geradores da energia da revolução, sem a qual nunca se teria materializado a união POVO - MFA. Seria trágico que esses mesmo trabalhadores comprometessem todo o processo, admitindo no seu seio o divisionismo, deixando galopar o oportunismo político, lutando entre si por questões de pormenor ampliadas artificialmente para servir interesses que não são os interesses do Povo Português

Estas palavras pronunciadas por Vasco Gonçalves em Lisboa, numa sessão realizada em 8 de Maio de 1975, no Teatro S. Luís, para comemorar a derrota do nazismo na Europa, merecem, em nosso entender, ser agora lembradas. Realmente, dois anos depois, são já evidentes as consequências dos esforços persistentes dos agentes do capitalismo e dos caixeiros viajantes do imperialismo (qualqeur que seja o disfarce mais ou maenos progressista com que se apresentam), para tentar transformar a revolução de Abril em mera readaptação das classes dominantes; é bem evidente agora que a agitação que alguns fizeram no chamado "verão quente" de 1975 abriu caminho à recuperação capitalista. Razão tinha Vasco Gonçalves, quando, em declarações prestadas ao jornal "El Sol de México", em 14 de Maio de 1975, afirmou:

« Os inimigos da Revolução Portuguesa são principalmente as forças ligadas ao capital monopolista nacional e internacional, que têm levado fortes golpes, mas não estão inteiramente destruídas. É por isso que nessa primeira finalidade reside as destruições do poder dos monopólios e latifúndios.».

Para avançar na recuperação capitalista a abrir caminho à restauração do poder dos monopólios e latifúndios, era preciso destruir politicamente Vasco Gonçalves, era preciso dividir o MFA, mesmo que, para isso, se tornasse necessário minimizar, esqucer, amnistiar, passar por cima dos crimes do fascismo, soltando-se pides e reintegrando fascistas.
Em nosso entender, o imperialismo e seus agentes internos a tudo recorreram para atentar contra a união POVO - MFA.
Dominando importantes meios de comunicação social e contando com elementos bem treinados em manejar palavras, desencadearam no nosso País uma campanha sistemática de actos terroristas contra defensores da transformação da nossa sociedade numa sociedade socialista.
Todos nós vimos o que foram essas campanhas de calúnias contra personalidades políticas e agrupamentos políticos de esquerda, as campanha de certa imprensa contra militares progressistas, as "homenagens" promovidas a alguns militares de Abril em qie se atacavam outros militares de Abril, as manipulações da opinião, a proliferação de slogans contra-revolucionários do género "O Povo não está com o MFA"; todos nós vimos o que foi a campanha de destruições realizada pelos bombistas, salteadores e incendiários contra sedes de agrupamentos políticos de esquerda e contra cidadãos progressistas.
A par dos comícios de agressão verbal contra Vasco Gonçalves, seus companheiros de Governo e personalidades políticas de esquerda, havia os agressores de facto contra a integridade física de muitos antifascistas.
A par das calúnias que Governo, havia os bombistas de facto que à bomba destruiram sesdes de agrupamentos políticos, habitações e outros bens de particulares, combatentes pela democracia e pelo socialismo.
A par de comícios incendiários contra Vasco Gonçalves e seus companheiros de Governo, havia os incêndios de facto que criminosos sem escrúpulos ateavam contra os bens de cidadãos e contra as riquesas nacionais.
O imperialismo usou e abusou dos meios legalistas e dos meios ilegais; serviu-se, por um lado, dos elementos ambiciosos de poder e, por outro lado, de criminosos de delito comum. Sem naturalmente saberem uns dos outros, sem naturalmente admitirem sequer que alguma ligação houvesse ou pudesse haver entre uns e outros, rejeitando-se até mutuamente, tudo isso aproveitou ao imperialismo, que soube utilizar os dois tipos de acção para dividir elementos progressistas do MFA, para separar partidos que, pelos seus programas, pelas suas origens e pelo seu passado antifascista, deviam naturalmente dar-se as mãos para o prosseguimento da marcha rumo ao socialismo; para lançar sementes de divisão no seio do Povo, tentando dividi-lo entre povo do norte e povo do sul, entre retornados e não retornados, entre povo do continente e povo das ilhas, entre povo do litoral e povo do interior; para tentar quebrar a unidade dos trabalhadores, separando trabalhadores do campo e trabalhadores da cidade, trabalhadores da terra e trabalhadores do mar, trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais, trabalhadores deste partido e trabalhadores daquele partido, trabalhadores com partido e trabalhadores sem partido.
É inegável que as acções empreendidas pelo imperialismo e secundadas pelos arautos da recuperação capitalista tiveram alguns êxitos importantes, mas não conseguíram destruir politicamente Vasco Gonçalves nem conseguiriam destruir politicamente o MFA. Na verdade, ainda em sessões recentemente realizadas para comemorar o 25 de Abril, logo que algum orador vagamente aludia ao nome de Vasco Gonçalves, a assistência, em uníssono: VASCO, VASCO, VASCO!...
O Povo não esqueceu Vasco, como não esqueceu outros destacados elementos do MFA, cujos nomes estão associados a pessoas importantes em direcção ao socialimo.
O imperialismo não venceu, o imperialismo não vencerá.
Apesar de toda a sua experiência de infiltração, apesar de toda a sua experiência golpista, apesar dos meios usados e da sua diversidade e quantidade, o imperialismo e seus agentes também não conseguíram, e não conseguirão, quebrar a unidade dos trabalhadores, que, neste 1º de Maio de 1977, deram um alto exemplo de clarividência política, comemorando unidos o dia do trabalho, desfilando juntos e organizados em defesa de suas reivindicações, levantando a voz em defesa das conquistas da revolução pela economia nacional e contra a recuperação capitalista.
Os trabalhadores portugueses compreenderam bem o alcance das palavras de Vasco Gonçalves:

« Seria trágico que esses mesmos trabalhadores comprometessem todo o processo, admitindo no seu seio o divisionismo, deixando galopar o oportunismo político, lutando entre si por questões de pormenor ampliadas artificialmente para servir interesses que não são os interesses do Povo Português».


Porto, 8 / 5 / 1977
José Morgado



domingo, 21 de outubro de 2007

Um episódio da vida da engenheira Virgínia Moura na luta contra o fascismo

A Engenheira Virgínia Moura (a primeira mulher portuguesa que se formou em Engenharia), pela sua vida contra o fascismo, pela seriedade com que sempre encarou a sua opção política pelo Partido Comunista Português, pela firmeza do seu comportamento sempre que foi presa pela polícia política do Estado Novo, pelo seu espírito de sã camaradagem, pela alegria que soube cultivar e transmitir até nos momentos politicamente mais difíceis, pela lucidez da sua análise dos acontecimentos ocorridos no Mundo e das repercussões em Portugal, pelo seu respeito à diferença, merece que a sua memória seja homenageada por todos os antifascistas.
É sabido que, tanto a Engenheira como seu marido, Arquitecto Lobão Vital, foram várias vezes presos pela PIDE e foram mesmo impedidos de exercer as suas profissões. Para viverem, a Engenheira dava explicações de Matemática e o Arquitecto elaborava projectos de construções que não podia assinar; eram depois assinados por alguns dos seus amigos e colegas.
Virgínia Moura e Lobão Vital, não foram apenas presos pela PIDE; foram ainda violentamente agredidos pela Polícia de Segurança Pública. Vejamos um caso de uma tal agressão.
Em meados de Abril de 1950, cerca de um ano após a formação do Movimento Nacional Democrático (MND), a Comissão Central do MND (então constituída por Ruy Luís Gomes, Pinto Gonçalves, José Alberto Rodrigues, Virgínia Moura, Maria Lamas, Areosa Feio, Albertino Macedo e José Morgado), foi sujeita a julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa. Os 7 primeiros da C. Central acima indicados foram presos em 17 de Dezembro de 1949, por terem protestado energicamente contra a prisão do oitavo membro acima indicado em 5 de Novembro do mesmo ano, na cidade de Castelo Branco e, no mesmo dia, encarcerado no aljube de Lisboa.
A agitação que essas prisões provocaram em todo o País foi tão grande que, em 24 de Dezembro, todos os membros da Comissão Central foram postos em liberdade, embora sob fiança (pesada) e com acusações pelas quais teriam de responder em tribunal.
O julgamento foi marcado para 18 de Abril; no entanto, não chegou a realizar-se, porque o Promotor de Justiça, na abertura da audiência, declarou que s Réus haviam sido abrangidos pela Amnistia que o governo promulgara umas semanas antes. Os juízes, em face de tal declaração, mandaram pôr os Réus em liberdade.
Dois ou tr~es dias depois, partiram para o Porto o Prof Ruy Luís Gomes e a Engenheira Virgínia Moura, acompanhada de seu marido. Os membros das Comissões de Freguesia, das Comissões Concelhias e da Comissão Distrital do MND do Porto, os membros das Comissões de trabalhadores e das várias Comissões do MUD Juvenil do Porto, compareceram em massa na Estação de S. Bento, para saudarem os três combatentes democráticos. Logo que o comboio entrou na estação, surgiram as aclamações populares e calorosos vivas à República, à Liberdade e ao Movimento Nacional Democrático.
Formou-se à saída da estação um numeroso cortejo e foi cantado o Hino Nacional.
A Polícia de Segurança Pública, presente em grande número, conseguiu isolar vários grupos de democratas e impediu que muitos manifestantes subissem a Avenida dos Aliados. A certa a Polícia começou a espancar barbaramente o grupo em que seguiam Ruy LUís Gomes, Virgínia Moura e Lobão Vital. Estes nossos amigosforam escandalosamente espancados, pisoteados e insultados.
Como conta o grande democrata José Silva, no seu livro intitulado Memórias de um Operário, 2º volume, pp. 305 - 306,

«Quando o Arqº Lobão Vital, junto de sua mulher e do Dr. Ruy Luís Gomes, se viu derrubado pelo brutal ataque da Polícia, nem mesmo ao sentir-se encharcado no seu próprio sangue, que lhe escorria da cabeça para o rosto, e ainda sob as botifarras da "Segurança" a massacrarem-lhe o corpo e os braços, largou das mãos um livro que é agora um troféu que certamente entrará um dia num Museu da História das Lutas Políticas em Portugal.
Esse volume que Lobão Vital defendeu com tanto arreganho das botifarras da Polícia, era a adição inglesa de OS DIREITOS DO HOMEM, aprovados na O.N.U., e que ficou todo empapado em sangue do seu portador.».

Naturalmente a Engenheira sofreu muito com a agressão brutal de que foi vítima e, mais ainda, com as agressões de que foram vítimas o Professor Ruy Gomes e, sobretudo, o seu Marido. Mais tais agressões não diminuiram a sua disposição de luta contra o fascismo - tais agressões reforçaram, se possível, a sua participação na luta.
A sua vida constitui um admirável exemplo para todos os antifascistas. Merece ser recordada, muito especialmente nos dias dedicados a assinalar a luta pela emancipação das mulheres.

José Morgado

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A propósito da homenagem prestada na Universidade Popular do Porto

Amigos!
Em 22 de Março de 1931, na conferência que realizou na Universidade Popular de Setúbal, intitulada As Universidades Populares e a Cultura, o Professor Bento de Jesus Caraça, condenando a detenção da cultura como monopólio de uma elite, defendeu que se deve promover

«a cultura de todos e isso é possível porque ela não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoavel e a cultura é exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e constante.».
E mais adiante, Bento Caraça aconselhou:

«Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais.
Assim, cultura e liberdade identificam-se - sem cultura não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver cultura. Deve ainda a cultura tender ao desenvolvimento do espírito de solidariedade. Não apenas solidariedade de cada um com os da sua família, da sua aldeia ou da sua pátria - solidariedade do homem com os outros homens de todo o mundo.
Este internacionalismo não significa de modo nenhum a destruição da pátria, antes pelo contrário,implica a sua consolidação, o seu alargamento a todas as nacionalidades -

Nessa conferência, Bento Caraça disse ainda que as Universidades Populares devem:

«ir ao encontro de todas as aspirações culturais das massas trabalhadoras, tentando sempre satisfazê-las»

Nesta conferência, realizada na Sociedade de Estudos Pedagógicos, em 10 de Abril de 1935, intitulada Escola Única, Bento Caraça, proclamou:

«O direito à cultura deve ser realmente reconhecido como um direito inerente ao homem, e não como um favor, mais ou menos disfarçado, da administração pública»

Os fundadores da Universidade Popular do Porto, tendo naturalmente cada qual a sua opinião, estiveram essencialmente de acordo com a ideia expressa por Bento Caraça, mais de quarenta anos antes, de que as Universidades Populares devem procurar satisfazer as aspirações culturais das massas trabalhadoras e estavam também essencialmente de acordo com o conceito de cultura expresso por Bento Caraça.
É um facto que, antes de Bento Caraça, António Sérgio já tinha afirmado, em 1928, na conferência intitulada Considerações sobre o problema da Cultura, que

«Amar a liberdade, ser culto, são duas frases que se equivalem; em suma, são duas expressões de uma única ideia» (Ensaios, Tomo III, pp41 - 42).

Mas há uma diferença importante entre este pensamento de António Sérgio e o pensamento de Bento Caraça, sobre cultura.
Para António Sérgio, um indivíduo que ame a sua própria liberdade é culto e um indivíduo culto ama a sua própria liberdade e poderá não amar a liberdade dos seus semelhantes ...
Ora, não acontece assim com o pensamento de Bento Caraça. Com efeito, ao exprimir o seu pensamento sobre liberdade e cultura, Bento Caraça afirmou explicitamente que a cultura deve também tender ao desenvolvimento do espírito de « solidariedade do homem com todos os outros homens do mundo.»-
Neste momento, em que os companheiros da Universidade Popular do Porto resolveram prestar homenagem a quatro fundadores - Professores Ruy Luís Gomes, Armando Castro, Óscar Lopes e eu próprio - creio interpretar o pensamento de Armando Castro, Óscar Lopes e o pensamento que Ruy Luís Gomes exprimiria,se ainda estivesse vivo, manifestando a todas os presentes a nossa gratidão pela amizade e generosidade que motivaram esta homenagem e lembrando aqui a intensa actividade de Bento Caraça em prol da cultura, em prol da liberdade, em prol das Universidades Populares.
Atítulo pessoal, sugiro que todos nós, os companheiros aqui presentes, recordemos também a participação activa do Professor Ruy Luís Gomes na luta popular pelas liberdades democráticas , pela Paz e pela Cooperação entre os Povos, pela intensificação da actividade científica portuguesa, pela democratização da cultura, pelo ensino que tão bem soube ministrar em Portugal, na Argentina e no Brasil
Sugiro também que enviemos uma saudação amiga ao companheiro Armando Castro e um fraternal abraço exprimindo o nosso desejo pelas suas rápidas melhoras.

Muito Obrigado.

José Morgado

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Homenagem ao Senhor Maximiano Silva no seu centésimo aniversário

Agradeço ao Dr. Raul de Castro e à Intervenção Democrática a oportunidade que me deram de participar na comemoração dos 100 anos do nosso comum amigo Sr. Maximiano Silva.
É com grande satisfação que participo neste convívio, pela muita consideração e amizade que nasceram no tempo da ditadura salazarista.
De facto, o Sr. Maximiano, que conheci no início da década de 50, sempre foi solidário com os perseguídos pela Pide, sempre esteve ao lado dos que lutaram pela conquista das liberdades democráticas, pela salvaguarda da independência nacional, pela paz e cooperação entre os povos; sempre procurou ajudar aqueles que o fascismo encarcerou, aqueles que, por informação da Pide, foram impedidos de assumir funções públicas a que tinham direito e aqueles que, tendo-as assumido, foram delas expulsos por motivos políticos.
O Sr. Maximiano sempre, de algum modo, acompanhou os que lutavam contra o fascismo.
Apoiou os movimentos políticos que defendiam a unidade de acção contra a ditadura.
Assim, apoiou o MUD (Movimento de Unidade Democrática), que nasceu da iniciativa de onze democratas - Mário de Lima Alves, Teófilo Carvalho dos Santos, Manuel Mendes, Gustavo Soromenho, José Magalhães Godinho, Afonso Costa (filho) Armando Adão e Silva, Manuel Catarino Duarte, Luís da Câmara Reis, Alberto Candeias e Canas Pereira - que requereram ao governador Civil de Lisboa autorização para a realização de uma sessão pública para se discutir o momento político. Esta sessão realizou-se em 8 de Outubro de 1945, no Centro Republicano Cândido dos Reis e foi presidida por José Barbosa de Magalhães que tinha sido ministro da Justiça em 1915, ministro da Instrução Pública em 1917, ministro dos Negócios Estrangeiros em 1922 e que forçado a aposentar-se de professor da Faculdade de Direito de Lisboa em 1941.
O documento lido nessa sessão por Mário de LIma Reis, onde se reclamava, além da extinção do Campo de Concentração do Tarrafal, a realização de eleições com um mínimo de seriedade, para o que era imprescindível a elaboração de um recenseamento honesto, liberdade de propaganda e fiscalização do acto eleitoral, mereceu o aplauso unânime e entusiástico de todos os presentes.
Fernando Mayer Garção propôs então que todos se solidarizassem com os promotores da sessão e subscrevessem as reclamações constantes do documento. Esta proposta foi aprovada por aclamação e imediatamente começaram as assinaturas.
O Professor Ruy Luís Gomes, que assistiu a esta sessão, tomou a resolução de, no seu regresso ao Porto, promover a organização do MUD na capital do Norte. A verdade é que, dentro de poucos dias, o documento - as chamadas listas do MUD - tinha recebido milhares e milhares de assinaturas, provenientes de todos os distritos do país.
O Sr. Maximiano foi, evidentemente, um dos signatários.
Depois de o MUD ter sido perseguido e extinto pelo governo fascista, foi um dos apoiantes da Candidatura do General Norton de Matos Presidência da República. Como o governo ditatorial não garantiu as condições mínimas de seriedade do acto eleitoral, o General Norton de Matos, de acordo com o compromisso tomado perante o povo, retirou a sua candidatura.
Na última sessão de propaganda da Candidatura, realizada em Lisboa, na Voz de Operário, foi aprovada por aclamação uma moção que preconizava a formação do MND (Movimento Nacional Democrático) para se continuar a luta pelas liberdades democráticas, numa base de unidade.
O Sr. Maximiano foi apoiante do MND.
Em 1951, deu-se a vacatura da Presidência da República, em consequência do falecimento de Óscar Carmona. A Constituição vigente fixava um prazo para apresentação de candidaturas `Presidência da República e, dentro desse prazo, a única candidatura apresentada foi a do Presidente da Comissão Central do MND, Professor Ruy Luís Gomes, escolhido por unanimidade numa Assembleia de Delegados.
O Sr Maximiano apoiou esta candidatura e foi também um dos democratas que conduziu, no seu automóvel, o Professor Ruy Luís Gomes e alguns dos seus companheiros ao Hospital de Santo António, em consequência da brutal agressão à bastonada e dos ferimentos causados pela Polícia de Segurança Pública, comandada pelo capitão Nazaré, à saída do cinema de Rio Tinto, onde se realizou uma sessão pública de propaganda, interrompida a meio por um representante do Governo Civil do Porto, que, de acordo com a legislação de então, assistia oficialmente à sessão, instalada no palco.
O fascismo, já depois de apresentada a candidatura do Professor Ruy Luís Gomes, procedeu a uma apressada revisão da Constituição vigente, introduzindo vários alterações, entre as quais o prolongamento do prazo de apresentação de candidaturas à Presidência da República e a determinação de que tais candidaturas precisavam da aprovação do Conselho de Estado, antes de serem apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ora o Conselho de Estado era da total confiança do governo salazarista, de modo que rejeitou a candidatura do Professor Ruy Luís Gomes, que apelava à unidade dos portugueses,

pela República e pela Liberdade,
pelo Pão e pelo Trabalho
pela Independência Nacional e pela Paz

O fascismo intensificou a repressão: demitiu mais funcionários públicos, encarcerou, agrediu, submeteu a julgamentos nos Tribunais Plenários de Lisboa e Porto, mais e mais democratas, trabalhadores manuais e intelectuais e forçou muitos ao exílio.
A propósito dos julgamentos nos Tribunais Plenários, merece uma referência especial o conjunto dos advogados antifascistas, das mais diversas correntes políticas, que se bateram , corajosamente e gratuitamente, em defesa dos presos políticos, quer como advogados quer como testemunhas. Apenas a título de exemplo, citamos os seguintes: Armando Bacelar, Lino Lima, Armando Castro, Raul Castro, Carlos Cal Brandão, Mário Cal Brandão, António Macedo, Arnaldo Mesquita, Manuel João da Palma Carlos, Heliodoro Caldeira, Avelino Cunhal, Francisco Salgado Zenha, Luís Saias, Luís Azevedo, Luís Francisco Rebelo, Luis Carvalho e Oliveira, Humberto Lopes, Pinto Gonçalves, Paradela de Oliveira, Alberto Vilaça, Gustavo Soromenho, Abranches Ferrão, Vasco da Gama Fernandes, José Alberto Rodrigues, António Ribeiro da Silva, Domingos da Costa Gomes, Manuel Campos Lima, Manuel Andrade, Seiça Neves e Pinto Rodrigues.
No seu conjunto, estes e outros advogados deram então um bom exemplo de unidade de acção. Estamos atravessando um período em que é necessário fortalecer a unidade de acção para defesa das conquistas de Abril que ainda nos restam, recuperar outras que se perderam, impedir a bipolarização que alguns apregoam, talvez sem reparar que quem definiu a política como a relação de amigo - adversário, foi o jurista alemão Carl Schmitt, consultor jurídico do Presidente da República Paul von Hindenburg, o mesmo presidente que, em 10 de Outubro de 1931,recebeu Hitler e Goering, manifestando-lhe o desejo de que os nazis aceitassem participar no governo da Alemanha e que, em 30 de Janeiro de 1933, encarregou Hitler de formar governo em conjunto com os nacionais alemães e que, pouco depois, procedeu à dissolução do Parlamento, cedendo ao desejo de Hitler, que esperava em nova eleição obter maioria absoluta (e que, apesar de tudo, não conseguiu), Carl Schmitt foi um defensor do totalitarismo.
A bipolarização, ligada à concepção da política como a relação amigo - adversário, abre caminho para o totalitarismo e Carl Schimitt foi um defensor do totalitarismo.
Por tudo isto, entendo que devemos defender a unidade de acção dos democratas contra os restos de fascismo que ainda existem no nosso País, contra os actos que visam acabar com as conquistas de Abril, contra os actos que visam a instalar a bipolarização política (que é, afinal, uma forma ligeiramente atenuada de partido único!) e defender a participação de todos na defesa das liberdades democráticas e da elevação do nível de vida do povo português. Assim prestaremos uma boa homenagem ao nosso amigo aniversariante, Sr. Maximiano Silva.

José Morgado